Posse de Heloisa Prazeres- Galeria de Fotos
Posse de Heloisa Prazeres na Academia de Letras de Itabuna.
19 de novembro de 2022
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Yahweh é grande!
Senhor presidente da Academia de Letras de Itabuna, professor Wilson Caitano de Jesus Filho.
Ilustres membros da mesa. Senhoras e senhores acadêmicos, autoridades, familiares, amigos e irmãos.
Agradecido ao ilustre confrade e historiador Charles Nascimento de Sá pelas polidas palavras de recepção. (generosas)
Sinto-me imensamente honrado em ser recebido neste dileto lugar e ser agraciado com a cadeira de número 34 desta Casa, e saúdo-os com um sentimento de gratidão.
Preliminarmente e sumariamente, digo-lhes que não me julgo apto em ser incluído neste ambiente literato. Mas a Providência nos reserva destinações que somente o tempo ou a incursão na sapiência nos proporcionará respostas. Por ora, espero corresponder às expectativas das confreiras e confrades, robustecer o dileto quadro e colaborar com a augusta missão da Alita, que objetiva a promoção da literatura, das artes e das ciências humanas em suas diversas manifestações, bem como a preservação da memória da cultura nacional, especialmente a robusta e aurífera cultura grapiúna. Acredito, também, nas sábias palavras do erudito confrade Ruy do Carmo Póvoas, “a quem Deus promete riqueza não oferece migalha depois”1.
Venho da Palestina, lugar onde a terra treme, antigo arraial de Itabuna, atual cidade de Ibicaraí. Ambas pertencentes à histórica São Jorge dos Ilhéus, antiga “Nhoesembé”, “terra mater” de toda a região cacaueira baiana. Venho de Ibicaraí, onde, outrora, passava “o gado de Minas2”, antigo roçado de Calixto Roxo, promissor lugar dos irmãos Marques. Fui parido nas proximidades do rio Salgado, importante afluente do Cachoeira. Minha memória olfativa lembra o cheiro do cacau seco, da jaca madura, da terra molhada e dos múltiplos aromas produzidos pela heterogênea e grandiosa Mata Atlântica. Tenho DNA miscigenado, sangue-tríplice: afrodescendente, sergipano e indígena. Sou grapiúna, disso me orgulho!
Cresci num ambiente judaico-cristão, fui educado sorvendo dos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João; quedei-me absorto com as profecias apocalípticas e ainda creio na Parousia, por isso estou ciente de que, quem não vive para servir, não serve para viver.
Desde a mais tenra idade ouvi “causos” nascidos nos cacauais e nas barcaças; escutei histórias primordialmente oriundas dos antigos e covardes engenhos; e conheci saberes provenientes das ocas dos originários: camacãs, gueréns, aimorés e tupiniquins. Na adolescência me vi lendo Odilon Pinto e acreditando no augúrio do frei Ludovico de Livorno de que Ferradas, algum dia, seria a praia de Ilhéus, e que os abalos sísmicos ibicaraienses seriam um prelúdio desta profecia. Criança, acreditei nas histórias que ouvia nas rodas de conversas, na feira, à beira do rio, nos currais, nas praças, nos campos de várzeas, nas escolas das professoras Tereza Mota, Lucinê Alves e Waldir Montenegro.
Na juventude, fui recepcionado em Itabuna, cá onde Felix Severino do Amor Divino, em meados do século XIX, “abriu um arruado no ventre da selva”3. Aqui, li Jorge Amado e passei a conhecer os fatos secretos das Terras do Sem Fim. Li Adonias Filho e passei a ter ciência da existência de jagunços, tocaias e caxixes; conheci Valdelice Pinheiro e amei o Cachoeira: “rio torto, rio magro, rio triste. Parece que chora, sente dor… parece que fala em lamentos, dos afogados que engoliu, das flores que levou”. En passant (pois quem pode entendê-lo completamente?), degustei o idiossincrático Firmino Rocha, com seus ternos amarrotados e flores nas mãos; presenciei o frio e “os luares de maio”, “as tranças” das inocentes e valorosas marias; na cidade crescida constatei “os tambores da morte” e “os pés violentos”, como também os pés dos rurícolas peões “ferindo a terra bendita”. “E a cantiga, onde ficou a cantiga?”, nos corações dos menestréis, que cantam os “ribeirinhos dourados” e “as estrelas tangíveis”; por fim, aprendi que não se entrega “um fuzil ao menino”, sob pena de não se presenciar “nunca mais a inocência, nunca mais a alegria, nunca mais a grande música no coração do menino”4.
Aqui, faço minhas as palavras do poeta, advogado e jornalista Eurícledes Formiga, em seu belo poema intitulado “Um canto para Itabuna”:
“Itabuna, em vão procuro
traçar-te um grande poema.
Que em tua fronte cintile
de estrofes lindo dilema!
Versos à gloria que ostentas
de heroísmo e tormentas
[…]
Um dia feliz recordas!
Bravos filhos de outras terras,
chegaram pioneiros fortes,
transpondo vales e serras:
bandeirantes do nordeste…
E tu os lábios lhes destes
Para o beijo da conquista…
Sentaram a sua bandeira
À margem do Cachoeira,
Que gigantesco se avista!5
Li Cyro de Mattos, não somente li, conheci, e estivemos juntos na “justiça obreira” por um curto período, suficiente para conhecer o homem por detrás dos livros – no trato com os servidores, no descobrir atitudes veladas aos olhos comuns, no definir ações próprias do ambiente judiciário com a verve literária. Lembro-me quando nominou carinhosamente de “dedinhos de ouro” a exímia e célere secretária de audiências da 1ª. Vara do Trabalho; também, em outro momento, quando num convite para participarmos dos folguedos juninos em fazenda de sua propriedade, definiu aquela que é a maior festa de inverno do mundo de “festejos adrianinos”, uma alusão aos famosos fogos de artifícios tradicionalmente comercializados nessa época. Agora, novamente, tenho a oportunidade de beber do cristalino líquido grapiúna, na beira da fonte.
Cyro de Mattos, senhoras e senhores, representa hoje o que temos de mais autêntico, intenso e extenso no quesito grapiunidade! James Amado, ao apresentar “O mar na rua Chile e outras crônicas”, nos disse que “nunca mais a literatura grapiúna será a mesma”. E a providência me permitiu proximidade de tamanha magnitude. Espero aproveitar cada momento, cada palavra!
Neste instante, quando sou reunido a tão importante grei, quero expressar-me e dizer-lhes que todos vocês me inspiram intelectualidade, cidadania, respeito, admiração e urbanidade. Fora desta Casa já conhecia alguns dos distintos confrades e confreiras. E passo a descrevê-los.
Com o amigo Gustavo Veloso já tratei da longa história ferradense. Chão originário, onde Antônio da Nóbrega e Ludovico de Livorno andaram, onde passaram os tropeiros, trazendo progresso, víveres e notícias do planalto da Conquista, do sertão da Ressaca e dos Gerais. Sítio das Árvores Ferradas. Vila das Árvores Ferradas. Freguesia e Vila de Dom Pedro de Alcântara. Conceição de Ferradas. Arraial de Ferradas. A “taciturna e pacata” e também “antiga e venerável”6 Vila de Ferradas. Terra natal do inconfundível e inimitável Jorge Amado, do inesquecível jornalista-poeta Telmo Padilha. Terra onde nasceu, pisou e matou o temível “oficial de caveira” Antônio Pereira7, indivíduo que promoveu em dona Eulália Leal Amado o escuso costume de dormir com uma arma sob o travesseiro. Lembro ainda, caro Gustavo, da sua amigável recepção em sua residência, quando conjecturávamos acerca dos atos e de como seria o semblante daquela fera humana. Agradeço-lhe a aquiescência e os valiosos conselhos.
Com a leitura, com o acompanhamento dos seus trabalhos e ainda em sua companhia, passei a conhecer a doutora Janete Ruiz de Macêdo, assim – e não poderia ser diferente -, alavanquei o meu amor por Itabuna. Aqui vai meu agradecimento pela condescendência oportunizadora ao meu acesso nesta confraria. Considero-a “sustentáculo da memória regional”. Ninguém, atualmente, como ela, promove e resgata a história grapiúna tão bem e com tamanha eficiência. Seja nos bancos acadêmicos da Universidade Estadual de Santa Cruz ou como mantenedora do Centro Cultural Teosópolis; quer como fundadora do Centro de Documentação e Memória Regional da Uesc ou na proteção e acondicionamento do precioso acervo hemerográfico do inesquecível “Jornal Agora”; ou no salvamento da documentação do Arquivo Público Municipal – quando lambido e pré-degustado pelas irreverentes águas do rio Cachoeira naquele fatídico natal de 2021; quer na administração do Museu Casa Verde ou na promoção da abertura do Museu Amélia Amado; quer fomentando exposições temáticas e itinerantes nas praças itabunenses ou nas habituais entrevistas concedidas às emissoras locais na festiva data anual do 28 de Julho; ou mesmo organizando antologias poéticas. Inclusive, marcante foi aquela, “Cantos a Itabuna Centenária”, que trouxe a lume escritos esquecidos – desde o longínquo 1926 -, nem por isso inexpressivos e irrelevantes, pelo contrário, odes de apologia e orgulho, dos nascidos e adotivos, ao chão grapiúna. Uma antologia que traz em seu bojo quatro poemas do inominável e indecifrável Firmino Rocha merece figurar entre as mais ditosas publicações. É motivo de grande orgulho afirmar que, dentre meus pares, figura Janete Ruiz de Macêdo.
Também, tive o regalo de conhecer a gentil Raquel Silva Rocha, inicialmente nas ondas televisivas, via TVI, emissora eminentemente itabunense, depois em produções cinematográficas airosas e densas, a exemplo do documentário “Nos trilhos do tempo”, posteriormente, pessoalmente, em ocasiões plurais e culturais, e no inusitado momento em que, juntos, munidos de rodos, vassouras, pás, baldes, panos de chão e muita determinação, tentávamos salvaguardar a centenária documentação, molhada e enlameada, do acervo público local, pós-enchente já aqui mencionada. Obrigado por exalar graciosidade e motivação, não somente a mim, mas a todos que a cercam.
Vaidade e brio me acompanham, e a fanfarrice me cerca quando, nas publicações rotineiras, constato que, dentre os seguidores habituais da página @história.grapiuna, no Instagram, está o presidente desta respeitável casa. Obrigado, caro Wilson Caitano de Jesus Filho, por valorizar as doses homeopáticas de cultura, literatura e história regionais, e por me acompanhar na jornada.
Na cadeira 34 me antecedeu Luiz Antonio dos Santos Bezerra, escritor, graduado em Filosofia, Juiz de Direito, professor da UESC, UNIME, UCAM, FTC, Faculdade de Ilhéus e do Seminário Teológico Batista Grapiunense.
Difícil incumbência me é ocupar a cadeira de número 34, que tem como patrono o soteropolitano Jorge Calmon Moniz de Bittencourt, jornalista, político, escritor, historiador e professor de proa. Escreveu e promoveu a cultura como poucos, a ponto de ser reconhecido como o último grande mecenas baiano quando nos deixou, em 18/12/2006. Nascido no bairro de Nazaré, Salvador, em 1915, desde muito cedo estava destinado à multiplicidade de ações cidadãs. Muitas foram suas casas, e a todas enobreceu: Jornal “A Tarde”, Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Academia de Letras da Bahia, Associação Baiana de Imprensa, Tribunal de Contas do Estado da Bahia e Assembleia Legislativa da Bahia.
Dono de uma determinação férrea, nas páginas do “A Tarde”, em 1988, encampou luta renhida contra a proposta separatista das terras baianas (“A Bahia não se divide”), na qual nós grapiúnas pertenceríamos ao idealizado estado de Santa Cruz. Homem de amplitude e visão abrangente, por amor ao estado natal anteviu que não seria uma escolha sábia, nem tampouco viável econômica, política, social e culturalmente para ambos os lados, que, remanescentes, tentariam se reerguer. A empatia me faz entender a batalha capitaneada por Jorge Calmon quando fez publicar no noticioso baiano do qual era redator que “não se pode separar Ruy de Barbosa, Castro de Alves, Irmã de Dulce, Maria de Bethânia, Jorge de Amado, Zélia de Gattai”.
Calmon foi sucessor do jornalista Ernesto Simões Filho na direção da redação do jornal “A Tarde”, diário onde trabalhou por 62 anos, 47, como redator-chefe. Aos olhos do itabunense, o também jornalista Samuel Celestino, “é muito difícil mensurar um homem tão extraordinário como Jorge Calmon. Diria que não foi somente o maior jornalista que conheci e de quem tive o privilégio de ser discípulo. Jorge Calmon foi o maior jornalista da Bahia em todos os tempos. Sempre sereno, elegante e correto, o jornalista foi o mestre de diversas gerações e guardião dos princípios e da ética da imprensa na Bahia”8. Ocupar a cadeira de número 34 na ALITA me evoca em um mesmo momento sentimentos díspares: ufanismo e assombro!
Sua bibliografia inclui: A Flotilha Itaparicana, EGBA, 1972; Problemas da Indústria do Jornal; Manoel Quirino, político e jornalista; Grã Colômbia Vista e Comentada: Notas de um cronista às vezes indiscreto, Record, 1980; Imprensas Oficiais no Brasil: Aspectos de sua história e seu presente, EGBA, 1981; Conceito de História, UFBA, 1982; A cara dos fatos, A Tarde, 1990; As Estradas Correm para o Sul: A migração nordestina para São Paulo, EGBA, 1998; Promessas se Pagam com Pedra e Cal: Crônicas de viagem, Ronda, 1999; Santo Amaro: Devoção de José Silveira, ALBA, 2004; e A Revolução Americana: 4 estudos, EGBA.
Não posso deixar de homenagear aqueles que, pela literatura, este instrumento de disseminação do saber, semearam o conhecimento histórico, os fatos relevantes da experiência humana neste pedaço das “Terras do sem fim”: José Dantas de Andrade, em “Documentário histórico ilustrado de Itabuna” e “Itabuna cinquentenária: documentário fotográfico histórico de Itabuna”; Manoel Bomfim Fogueira, Oscar Ribeiro Gonçalves, Janete Ruiz de Macedo e João Cordeiro de Andrade, em “O Jequitibá da Taboca”; Adelindo Kfoury Silveira, em “Itabuna, minha terra!” e “Cronicontos”; Moacir Garcia de Menezes, em “Recordações históricas de Itabuna”; José Pereira da Costa, em “Terra, suor e sangue: lembranças do passado – história da região cacaueira”; Helena Mendes, em “Figuras e fatos de Itabuna”; Lurdes Bertol Rocha, em “De Tabocas a Itabuna: um estudo histórico-geográfico”, “O centro da cidade de Itabuna: trajetória, signos e significados” e “A cidade em tela: Itabuna e Walter Moreira”; Adriana Dantas Andrade-Breust, em “Itabuna: história e estórias”; Maria Palma Andrade, em “Itabuna: um novo estudo monográfico” e “De Tabocas a Itabuna: um estudo histórico-geográfico”; João da Silva Campos, em “Crônicas da capitania de São Jorge dos Ilhéus”; Carlos Pereira Filho, em “Terras de Itabuna”; Ramiro Aquino, em “De Tabocas a Itabuna: 100 anos de imprensa”; Gustavo Veloso, em “Ferradas, um capítulo na história do Brasil”; Aurélio Schommer, em “Itabuna: história e história ficcionada”; Raimunda Alves Moreira de Assis, em “A educação em Itabuna”; Efigênia Oliveira, em “Zélia Lessa: a música em uma vida”; Philipe Murillo Santana de Carvalho, em “Itabuna – uma cidade em disputa: tensões e conflitos urbanos do sul da Bahia (1930-1948)”; Paulinho Lima, em “Anjo do bem, gênio do mal”; Ritinha Dantas, em “Bença, vó!”; Raimundo Almeida Hagge, em “Tunel do tempo – Futebol de Itabuna: Cem anos de história”; Nelson dos Santos Galvão, em “Histórias de baiano”; Cyro de Mattos, em “O velho campo da Desportiva”, “Itabuna, chão de minhas raízes”, “Cantiga Grapiúna”, “Vinte poemas do rio”, “Cancioneiro do cacau”, “Os enganos cativantes” e “O mar na rua Chile e outras crônicas”; Janete Ruiz de Macedo, em “Antologia poética: cantos a Itabuna centenária”; Helena Borborema, em “Retalhos”, “Lafayette de Borborema: uma vida, um ideal” e “Terras do Sul”; José Alves de Souza Freire, em “Firmino Alves: fundador de Itabuna”; Francisco Benício dos Santos, em “Memórias de Chico Benício”; Fernando Caldas, em “Fernando Gomes, o político: uma vida por Itabuna”; Vercil Rodrigues, em “José de Almeida Alcântara: o populismo em Itabuna”; Ayalla Oliveira Silva, em “Ordem imperial e aldeamento indígena; camacãs, gueréns e pataxós no sul da Bahia”; Waldeny Andrade, em “A ilha de Aramys: 40 anos de eleições em Itabuna”; Jorge Amado, em “O menino grapiúna”, “Terras do Sem Fim” e “Navegação de cabotagem”; Adonias Filho, em “Sul da Bahia: chão de cacau – uma civilização regional; e Itazil Benício, Alício Peltier, Ottoni Silva, José Nunes de Aquino, Wilde Oliveira, Calixto Midlej, Bartolomeu Brandão e outros, em “Um médico – uma época”, textos de testemunhas da vida do grande Corbiniano Alves de Souza Freire; André Luiz Rosa Ribeiro, em “In Memoriam: urbanismo, literatura e morte”; e João Otávio de Macedo, em “Centenário Santa Casa de Misericórdia de Itabuna: um século de bons serviços”.
Gratidão a Yeshua, por ter me criado e sustentado até o presente; à família nuclear (Iara Setenta, Felipe Góis, João Marcos Góis, irmãos, primos, sobrinhos e tios); a dona Venice Santos Góis, querida mãe, e a seu Clóvis Silveira Góis, ilibado pai; à Universidade Estadual de Santa Cruz, berço do saber; aos colegas e magistrados da Justiça do Trabalho, pela indulgência nesses 35 anos; ao adventismo grapiúna, base da fé; aos seguidores do @historia.grapiuna, amantes da literatura e história regional; aos meus abnegados e irreprocháveis leitores; a Isabel Cristina Vital de Andrade, quinhoísta nas andanças pelos arredores da “última flor do Lácio”; aos conterrâneos ibicaraienses; a Mônica Elisabete, amiga, irmã e dedicada servidora lotada do CEDOC/UESC; ao poeta Adeildo Marques; a Itabuna, que me acolheu, ninou e mimou, desde tempos idos.
Encerro minha fala coberto de contentamento. Que dia feliz para mim! Ter como companheiros, acadêmicos, aqueles que, com sabedoria, determinação e amor, promovem as ciências humanas e distribuem a arte, a cultura e a memória no coração das pessoas por meio da literatura.
Yahweh é grande!
Itabuna, 2 de março de 2023.
1Ruy do Carmo Póvoas, em “A Fala do Santo”, (Editus);
2Cyro de Mattos, em “Cancioneiro do Cacau”, poema “Ibicaraí”, (Editus);
3Adonias Filho, “Um burgo de penetração”, In: MATTOS, Cyro de. (org). Itabuna, chão de minhas raízes, (Oficina do livro);
4Firmino Rocha, “Deram um fuzil ao menino”, In: COSTA, Flávio Simões (org), “Firmino Rocha: poemas escolhidos e inéditos”, (Via Litterarum);
5Euricledes Formiga, “Um canto para Itabuna” em In, MACEDO, Janete (org), “Antologia Poética:cantos a Itabuna centenária”, (Via Litterarum);
6José Dantas de Andrade (o memorialista Dantinhas).
7Clóvis Silveira Góis Júnior, “Sequeiro do Espinho: passos de um conflito”, (A5);
833ª Sessão Especial da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 11 de agosto de 2015, em comemoração ao centenário de Jorge Calmon.
DISCURSO DE POSSE NA ALITA- Clovis Silveira Góis Junior Read More »
Discurso para recepção do confrade Clóvis Silveira Góis Júnior em sua posse na ALITA.
Excelentíssimo senhor Wilson Caitano, presidente da Academia de Letras de Itabuna, boa noite. Em seu nome saúdo as confreiras e confrades da ALITA aqui presentes. Prezada confreira Josane Morais, aqui representando a Academia Grapiúna de Letras, minha gratidão por sua presença na abertura do ano acadêmico da ALITA e desejo de que a AGRAL traga muitos frutos para nossa região.
Prezado novo confrade Clóvis Silveira Góis Júnior, bem vindo a esta academia! Em seu nome dou meu boa noite aos convidados e convidadas, aos amigos, parentes e demais pessoas aqui presentes para essa noite de festa.
Foi logo após sua seleção para integrar nesta Academia que fui procurado por professora Janete, nossa vice-presidente da ALITA, para saber que seria minha a honra de lhe dar nossas boas vindas. Diante deste aviso de minha querida mestra apenas uma única resposta podia sair de minha boca: Sim, senhora!
Dado meu aceite, indaguei o que poderia escrever a seu respeito sendo que não o conhecia. Como primeira assertiva, professora Janete foi indicando se tratar de um historiador. Aqui já tinha um primeiro ponto a discorrer, sendo a História minha seara e minha grande paixão desde minha adolescência.
Imediatamente me reportei ao século XIX e me lembrei do prefácio do primeiro volume do livro História dos Povos Germânicos, do historiador alemão, Leopold Von Ranke. Dizia, esse que foi considerado o pai da historiografia moderna, no início de sua grandiosa obra sobre a Alemanha, que, em sua pesquisa, buscava entender a “História como esta havia sido”.
Tal afirmação foi depois mal compreendida, de modo particular no Brasil. Em muitos livros de historiografia, era indicado que essa afirmação se tratava de uma indicação do caráter positivista deste historiador, e da grande maioria dos historiadores do século XIX. Ledo engano. Em primeiro lugar, Ranke abominava o positivismo de Augusto Conte. Achava-o superficial e sem método. Ele, assim como a maioria dos historiadores dos oitocentos, pertencia à Escola Metódica, buscavam de toda forma adequar o conhecimento histórico a partir da constituição de um método.
Para entender o porquê dessa afirmação de Ranke em seu prefácio, e assim entender seu contexto, elemento assaz fundamental para se entender a própria História, é preciso voltar um pouco mais no tempo. Segundo os historiadores alemães Christian Meier, Odilo Engels, Horst Günther e Reinhart Koselleck. foi no Império Romano que o poeta, filósofo e senador romano Cícero, escreveu que à História caberia servir como guia moral para as pessoas. Dos ensinamentos que a História traria se aprenderia como agir, e que regras seguir. Seria ela, segundo Cícero, a Magistra Vitae, isto é, Mestra da Vida.
Essa acepção de história, enquanto mestra da vida, foi a base na qual se alicerçou o entendimento desta área de conhecimento durante cerca de 1.800 anos. Foi somente a partir do século XVIII, com o Iluminismo, e em solo alemão, que a ideia de uma história, mestra da vida iria ruir. Em seu lugar, os historiadores germânicos colocaram um novo conceito. No lugar da Historie, coletânea de exemplos para uma vida piedosa e justa, advinda de Cícero, surgiu a Geschichte, isto é, História, conjunto de emaranhado de relações político-sociais deste mundo (KOSELLECK, 2013, p. 38).
Essa explicação de Reinhart Koselleck, sobre a alteração no conceito de História feito na Modernidade, é ponto para se entender o contexto que esclarece a fala de Ranke. Sua afirmativa de que a ela interessava contar a história como havia sido, fica assim compreendida ao verificar em que contexto ela foi inferida. Não competia a Ranke, como a nenhum outro historiador moderno, dispor de exemplos morais ou piedosos para possibilitar que a História fosse a Mestra da Vida. A História desenvolvida a partir do século XVIII e XIX, seria aquela que, por meio do método, buscaria analisar e entender as relações sociais, políticas, culturais e econômicas que vicejam na humanidade.
Nesse sentido, prezado confrade Clóvis, foi com grande alegria que soube você se tratar de mais um filho de Clio. Mas, como historiador, ainda me vinham outras indagações: novamente corri para professora Janete e perguntei que obras você havia escrito. Ela então me informou sobre um livro seu. Precisava então ler esse livro.
Vem o destino, e sou agraciado pela Fortuna mais uma vez. Em minhas relações pessoais prezo da amizade de diversas e maravilhosas pessoas. Entre elas, duas são por mim muito queridas, Lu e seu esposo, o historiador, poeta, dramaturgo e confrade da AGRAL, Cláudio Zumaêta. Em uma de nossas conversas semanais, lhe informei que competiria a mim dar as boas vindas a você. Ele então exclamou que havia lido seu livro. De imediato falei que precisava que ele me emprestasse. Fui então informado por ele que mais que um empréstimo, ele me daria um exemplar pois contava com dois em sua casa. Marcamos um café.
Em nosso encontro, um entusiasmado Cláudio me entregava o livro Sequeiro do Espinho, passos de um conflito, e indicava ser este um livro histórico com as melhores qualidades que um texto deve possuir: coesão, coerência, concordância e uma escrita inspirada, de fácil leitura, com profundidade teórica e documental, enfim, um livro que cativa e prende o leitor do início ao fim.
Como sei que meu amigo se empolga e sempre é muito expansivo, fiquei com um pé atrás: seria esta uma obra que traria em sua verve algo que é tão ausente na escrita histórica, isto é, um texto bem escrito, sem o “ranço” tão característico da leitura acadêmica? Fui ler o livro.
Um dos fatores a me intrigar em relação a obra é por esta tratar de um tema que foi meu ingresso no universo amadiano. Foi por meio de Terras do sem fim, que me vi fisgado pela escrita de Jorge Amado. Daí que guardo um carinho especial por esse assunto.
Ao iniciar a leitura de Sequeiro, ainda matinha um quê de desconfiança. Mas nada pude fazer! À medida que me aprofundava na leitura, lia seu texto, via os documentos analisados, os autores citados, as imagens usadas, fui me apaixonando pela obra, sua excelente escrita, e vi ali um autor que escreve com profundidade de conhecimento, com paixão, e que sabe, de fato, ser um bom narrador.
O livro evidencia aquilo que Koselleck conceitua como História, e que foi ambicionado por Ranke, Carlily, Michelet, Droysen, Southey, Coulanges, Burckhard, dentre outros, isto é, a compreensão do presente como sendo a relação entre o “espaço de experiência”, isto é, o passado, e o “horizonte de expectativas”, o futuro.
Dessa maneira ao trazer à baila personagens como os coronéis Basílio de Oliveira, Juca Badaró, Sinhó Badaró, Antônio Pessoa, Misael Tavares, Henrique Alves, políticos como Eusígnio Lavigne, João Mangabeira, dentre tantos outros nomes do passado de Ilhéus e Itabuna; ao indicar fazendas, estações de trem, casas comerciais, armamentos, jagunços, peões, mapas, e outros tantos documentos, Clóvis Silveira nos situa entre o passado, nossa experiência, e o futuro da região Cacaueira, nossa expectativa.
Encantado pelo texto fui então buscar mais informações sobre o autor. Recorri novamente a professora Janete indagando sobre a documentação por ele apresentada para sua candidatura a ALITA. Fui então socorrido, de modo solícito e competente, pela confreira Lurdes Bertol que me encaminhou as informações requeridas.
O confrade Clóvis Silveira é autor de outra obra histórica A Gênese do adventismo grapiúna. Este ainda não li, mas no prefácio do livro Sequeiro do Espinho, passos de um conflito, professora Janete indica que A Gênese do adventismo grapiúna se situa “no campo temático História e Religião”. Ela informa que nesta primeira obra o autor indica que aí estuda a Igreja Adventista no sul da Bahia para “completar grandes lacunas” e por inexistir “qualquer obra que conte a história”. Nesse sentido caminha o confrade no entendimento de uma História não mais alicerçada em buscar preceitos morais, mas em entender a dinâmica das relações sociais.
Continuando minha pesquisa descubro que é o novo integrante da ALITA, Administrador, formado pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Licenciado em História pelo Instituto Mantenedor de Ensino Superior da Bahia – IMES, Especialista em Gerenciamento de Micro e Pequenas Empresas, pela Universidade Federal de Lavras – UFLA.
Além dos dois livros já citados, tem textos publicados no Jornal Agora e mantêm no Instagran uma página intitulada @história.grapiuna. Participou de inúmeros eventos, estes divididos entre a História, sua vocação religiosa na Igreja Adventista, além daqueles vinculados a sua área de trabalho. Nosso confrade é servidor público, atua como Técnico Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª região. Em sua carta para concorrer à vaga da ALITA evidenciou que: “considerando o escopo dessa Casa em promover a literatura, as artes, e as ciências humanas, bem como sua elevada finalidade em preservar a memória da cultura itabunense, grapiúna e brasileira; tendo em conta, ainda, o distinto fomento ao cultivo da língua pátria e ações decorrentes me ponho à disposição do seleto grupo de alitanos, como pretendente à trigésima quarta cadeira, cujo patrono é o eminente jornalista Jorge Calmon.”
Nossa região surgiu oriunda de nosso passado na capitania de São Jorge dos Ilhéus, embasado pelo avanço e riqueza que a expansão do cacau trouxe a essas terras dos sem fim. Analisando sua altaneira vontade em integrar essa nobre casa das Letras, Artes e Ciências, observando seu caminhar e sua produção, estudando sua escrita e estudos históricos e sua trajetória profissional, tenho certeza que o novo confrade irá auxiliar a alicerçar e fomentar, em parceria com todos nós que aqui nos encontramos, novos caminhos e estudos para o saber, a cultura, a História, as Letras e as Artes de nossa região do Cacau. Prezado confrade Clóvis Silveira Góis Júnior, esta Casa e os seus, os saúdam. Seja muito bem vindo. Obrigado.
[2]Historiador. Mestre em Cultura e Turismo (UESC/UFBA). Doutor em História (UNESP/Assis). Professor na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XVIII, Eunápolis. Na Academia de Letras de Itabuna – ALITA ocupa a cadeira de número 40, tendo como patrono o escritor e poeta Natan Coutinho.
HISTÓRIA ENTRE AS LETRAS- Charles Nascimento de Sá Read More »
Tomou posse na Academia de Letras de Itabuna-ALITA, em 02 de março de 2023, Clovis Silveira Góis Junior. O historiador e escritor passa a ocupar a cadeira nº 34 que tem como patrono o jornalista, advogado e professor, Jorge Calmon.
A cerimônia aconteceu no auditório do Centro Cultural Teosópolis e o também contou com a palestra “100 ANOS DE RUI BARBOSA”, proferida pelo confrade Marcos Bandeira.
O EMPOSSADO
Clóvis Silveira Góis Júnior, nascido em Ibicaraí, Bahia, 24/8/1965. Casado com a pedagoga Iara Souza Setenta Góis, com que tem dois filhos: Felipe Setenta Góis e João Marcos Setenta Góis. Servidor público federal da Justiça do Trabalho há 35 anos. Graduado em Administração pela Universidade Estadual de Santa Cruz, licenciado em História pela Faculdade de Tecnologias e Ciências e pós-graduado em “Gerenciamento de Micro e Pequenas Empresas” pela Universidade Federal de Lavras. Administra o perfil @historia.grapiuna no Instagram publicando diariamente imagens e excertos voltados para a literatura, história e cultural regional cacaueira. Publicou dois livros: A gênese do adventismo grapiúna e Sequeiro do Espinho: passos de um conflito.











Vídeo da posse de Clovis Silveira Góis Junior na Academia de Letras de Itabuna e da palestra “100 ANOS DE RUI BARBOSA”, proferida pelo confrade Marcos Bandeira.
Alita empossa Clóvis Gois Junior em 02/03/2023 Read More »
A Academia de Letras de Itabuna (ALITA) sentir-se-á honrada com a presença de Vossa Senhoria e Família na sessão de abertura de suas atividades em 2003, que acontecerá no dia 02 de março, às 19:00, no auditório do Centro Cultural Teosópolis, com a palestra “100 ANOS DE RUI BARBOSA”, a ser proferida pelo confrade Dr. Marcos Bandeira e a posse do novel confrade Clovis Silveira Góis Junior, na cadeira nº 34 que tem como patrono o jornalista,advogado e professor, Jorge Calmon.

O EMPOSSADO
Clóvis Silveira Góis Júnior, nascido em Ibicaraí, Bahia, 24/8/1965. Casado com a pedagoga Iara Souza Setenta Góis, com que tem dois filhos: Felipe Setenta Góis e João Marcos Setenta Góis. Servidor público federal da Justiça do Trabalho há 35 anos. Graduado em Administração pela Universidade Estadual de Santa Cruz, licenciado em História pela Faculdade de Tecnologias e Ciências e pós-graduado em “Gerenciamento de Micro e Pequenas Empresas” pela Universidade Federal de Lavras. Administra o perfil @historia.grapiuna no Instagram publicando diariamente imagens e excertos voltados para a literatura, história e cultural regional cacaueira. Publicou dois livros: A gênese do adventismo grapiúna e Sequeiro do Espinho: passos de um conflito.

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Os amigos resolveram organizar um bloco para brincar pela primeira vez o Carnaval nas matinês do Clube Social e Recreativo de Itabuna. A fantasia era simples, toda branca. Sapato preto, meias de cano longo, calça curta de brim, camisa de algodão, a manga curta, colar colorido de papel crepom ao redor do pescoço e boné de marinheiro. O bloco ia se chamar “Os Marujos na Folia”. Beto, que era o mais velho de todos, falou que o bloco teria onze componentes, como num time de futebol, adiantando logo que eu não podia ficar de fora, já que participava de todas as aventuras e brincadeiras dos meninos lá da Rua do Quartel Velho.
O menino só podia brincar o Carnaval nas duas matinês que o clube social oferecia, no domingo e terça-feira, se o pai fosse um dos integrantes do quadro dos associados. Beto sabia que meu pai não era associado do clube, mas me prometeu que ia pedir ao pai dele que falasse com o meu para contornar o problema. Soube depois que meu pai se negou a se tornar sócio do clube.
A recusa de meu pai deixou-me triste e preocupado. Ficava sem sair no bloco “Os Marujos na Folia”, e, por isso mesmo, não ia brincar com os amigos o Carnaval nas duas matinês que o clube oferecia todos os anos. E uma das coisas que qualquer menino mais desejava era brincar o carnaval nas matinês do único clube social da cidade. Ali estava a grande oportunidade para conquistar uma namorada. Mesmo que o namoro durasse apenas aquelas duas animadas tardes de carnaval no salão do clube. Consistisse em pegar na mão da menina, de vez em quando passar o braço no ombro dela, trocar olhares ingênuos e sair cantando com a eleita, dando voltas e voltas pelo salão.
Nas matinês animadas, os foliões mirins jogavam serpentina para o alto, confete e lança-perfume uns nos outros. Cantavam as marchas ou sambas que eram tocados pela orquestra “Bambas da Alegria”.
Minha mãe pediu ao pai, insistentemente, que se tornasse sócio do clube. Adiantou-lhe que a fantasia ela mesmo fazia para o filho. Ele ficou irredutível, alegando que quando fosse pagar a mensalidade do clube podia não ter o dinheiro, ia passar vergonha. Não queria também sacrificar coisas mais importantes que a vida exigia para comprar, como comida, roupa, remédio e escola do filho, em razão de ter de saldar esse tipo de compromisso em todo mês com o clube.
– Eu é que sei o quanto me custa arranjar dinheiro para sustentar a família – dizia meu pai com o rosto sério. – Não quero falar mais sobre esse assunto – concluía, sem querer saber dos argumentos que a mãe alegava para fazer com que ele mudasse de atitude e desse aquele prazer ao filho – o de brincar pela primeira vez o Carnaval no clube com os amigos.
Quando parecia que tudo estava perdido, chegou-me não sei de onde aquela ideia como que acesa por uma pequena luz, que de repente passava a iluminar o caminho para que eu fosse brincar o carnaval no clube. Lembrei-me do porão da casa abandonada, vizinha do prédio do clube social. Era ali que fazia meu esconderijo quando brincava de mocinho e bandido com a turma. Havia no esconderijo aquele quadrado vazio na parede lateral, deixado provavelmente com a retirada duma janela carcomida pelos cupins. Sabia que por ali qualquer pessoa podia passar e, em poucos minutos, estava na quadra de basquete do clube. Tinha feito isso várias vezes, deixando os amigos a ver navios, quando eu era o mocinho perseguido por um bando de bandidos perigosos.
Falei com Beto sobre meu plano. Dez minutos antes de começar o baile, a turma do bloco “Os Marujos na Folia” devia estar na quadra de basquete do clube. Ficaria ali em frente ao buraco grande na parede lateral do porão da casa abandonada, como se estivesse tapando-o. Formaria um tapume humano, protegendo-me quando eu passasse pelo buraco e adentrasse naquela parte do clube. O plano era simples e seguro. Tinha tudo para dar certo.
Disse no outro dia à minha mãe que fizesse minha fantasia de marujo, tinha resolvido ir ver o Carnaval de rua com as caretas, os blocos, as batucadas e os afoxés de caboclo. Era melhor do que ficar em casa zangado porque não estava com os amigos lá no clube, caindo na folia. Ela fez a fantasia no mesmo dia em que lhe dei aquela notícia na segunda semana de fevereiro. Estava satisfeita, o dia inteiro dera vida à máquina de costura com as mãos e pernas ativas, enquanto fazia a minha fantasia. Cantava alegre, sabendo que o filho caçula não ia chorar nem tampouco ficar triste porque não ia brincar o Carnaval no clube com os amigos, fantasiado de marujo.
Ela sorriu quando soube pela mãe de Beto, na Quarta-Feira de Cinzas, como foi que eu tinha entrado no clube para brincar o Carnaval no bloco “Os Marujos na Folia”. Ficou sabendo ainda que o filho tinha sido o único dos meninos do bloco que namorou Glorinha, a filha de doutor Barreto, o médico que era diretor do Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Ela era a menina mais bonita da cidade, a mais cobiçada pelos meninos filhos das famílias ricas, revelou a mãe de Beto.
No namoro com a Glorinha, dava várias voltas de mãos dadas com a eleita pelo salão, cantando a todo pulmão, entre outras marchas, “Linda Lourinha”, “As Pastorinhas“, “Pirata da Perna de Pau”, “Chiquita Bacana”, “Jardineira” e a do gafanhoto, que era a minha preferida.
Gafanhoto
deu na minha roça,
comeu, comeu
toda minha plantação,
xô gafanhoto, xô, xô,
deixa um pé de agrião
para o meu pulmão,
gafanhoto, isso não se faz,
deixa minha roça em paz…
(Do livro Nada Era Melhor, infância romanceada)
UM MARUJO NA FOLIA- Cyro de Mattos Read More »
A poesia de Bira Lima me encantou, esta é a palavra, desde a sua primeira página. E foi encanto sobre encanto. Quase sem necessitar de interpretações ou elucubrações, ela vai se fazendo a cada palavra, pois que essas são exatas, simples, leves, insubstituíveis. Penetrantes. Então, faz-se bela em si mesma, pela imagem que se desenha limpa, pela precisão, pela força nela embutida. Sua poesia não precisa de esclarecimentos: é palavra em estado de clareza, de verdade. Palavra que vale, eu diria.
Mas, acostumados que somos ao explicar, ao interpretar, ao ressignificar, talvez mais que sentir, ou intuir, é preciso pontuar aspectos que a fazem especial, inovadora sob vários pontos de vista. Bira Lima não usa sinais de pontuação, quase não trabalha com orações encadeadas, nem com parágrafos compostos. Bastam espaços e cadência, ritmo, para dividir os versos. Tudo é simples, exato, lembrando-me um poema de Cecília Meireles:
Cada palavra uma folha
no lugar certo.
Uma flor de vez em quando
No ramo aberto.
Um pássaro parecia
Pousado e perto.
Mas não: que ia e vinha o verso pelo universo. *1
O poema “palavrão” (as aspas são minhas) começa a explicar a força e precisão da palavra poética de Bira Lima. Explica também, como aí diz o próprio poeta, de onde brotou sua poesia.
palavrão
analfabeta,
minha mãe xingava
com desenvoltura
entre uma palavra
e outra – um palavrão
foi assim que entendi
que a palavra diz
na fixidez burocrática do comunicar
mas que o palavrão
provoca, expõe e penetra
porque dialoga com as premissas da vida
sem mais palavras,
minha mãe
me fez poeta.
Este “palavrão,” observo, é um dos poucos poemas em que aparecem esparsos sinais de pontuação.
Pergunto-me se seria essa uma mãe real ou imaginada, afinal, estamos num mundo poético. Não importa isso, entretanto, pois, em qualquer dos casos, ela o fez poeta. E o poeta aí revela a profunda diferença entre palavra e palavrão, não pela grosseria e indelicadeza da segunda, mas porque este, o palavrão, é que contém e expressa a realidade dura da vida. Este contém e expressa a dor…
Nesta tentativa de demonstrar a força da palavra poética em Bira Lima, despido de artefatos e enfeites, muitas vezes parecendo brincar, anexo o seu:
flor de cacto
prometeu-me
mundos e fundos
deu-me amor
esse artigo de luxo
E assim segue essa poesia tão simples e despojada na forma, mas nem por isso deixando de enveredar pelo filosófico. Assim é o:
apois
das nossas incertezas
nascem:
as respostas
os silêncios
os poemas
os espaços
as filhas
os filhos
as flores
e algo
que ainda não sabemos
E o “apois,” (aspas minhas) aparentemente tão simples, traz-me a lembrança o grande Friedrich Nietzsche, quando sentenciou: “As convicções são inimigas mais poderosas da verdade do que as mentiras. *2
E nesse poetar que simplifica o que vai por dentro, talvez dolorido e profundo, como cortando com faca afiada, o poeta traz o seu:
older chest
nas minhas caminhanças
vou malocando o mundo
em fendas que só cabem o que sinto
não carrego baús
eu quero acabar
esvaziando as mochilas.
E agora, já nos cabe constatar que o poeta lança mão de vocábulos estrangeiros, alguns inventados talvez, para intitular muitos de seus poemas. Apenas um toque de sofisticação em poetar tão simples, porque as palavras em sua exatidão já não precisam de enfeites.
Assim, também, no “vide cor meum” (aspas minhas).
vide cor meum
quem tiver
o peito
carregado de pedras
que atire a primeira dor
Brincando com a conhecida cena do Novo Testamento … “Que atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado”, Bira troca pecado por dor e insufla uma nova interpretação da conhecida máxima. O criar novas conotações no discurso, recurso válido e oportuno, vejo como expressão do manancial de força da palavra poética. Bira as usa aqui como expressão que contém um sentido unificador da mensagem do poema. E aí confirma-se o inicialmente colocado: a perfeição no encontro palavra versus ideia. E isso convida linguistas e críticos a boas indagações, por certo.
O poema “perlífera” (aspas minhas) ele próprio diz do brincar poeticamente com as palavras, ao tempo em que elas remetem a graves questões existenciais, expressas em trocadilho vocabular.
perlífera
o que sinto por tu
não tem refúgio aqui
nesse eu-presente
antecede o disparo
e está bem antes do motivo
subtrai de mim
qualquer pronúncia
e tudo que penso já é depois
é o mavioso abismo
que em dias como hoje
aceita saudade como sinônimo
O magnífico jogo temporal operado por Bira Lima, muito especialmente marcado no verso “e tudo que penso já é depois”, faz-me lembrar versos inesquecíveis de Mário Sá- Carneiro, no seu antológico poema “Quase”, guardados, obviamente, os diferentes momentos literários e ímpetos dos dois poetas. Assim falou Mário Sá Carneiro:
Um pouco mais de sol – eu era brasa. / Um pouco mais de azul – eu era além. / Para atingir, faltou-me um golpe de asa… / Se ao menos eu permanecesse aquém… *3
E o poeta vai alargando seus espetros temáticos e nos chega em “matrioscas”. Evocando o símbolo da maternidade nas conhecidas bonecas russas, ele nos diz:
matrioscas
a gente
nasce estreito
e vai em cada amor
ou desamor
ganhando
largueza
assim a gente aprende
o que consegue abrigar
A comparação realizada poeticamente, o ventre que cresce pelo amor que chega, preenchendo, e aquele que vai embora, ou que nunca chegou, talvez estreitando, ensina-nos sobre nossas limitações e necessidades. Porém faz entender, demonstra o poeta, que amor e desamor são lições de vida.
Em momentos outros, Bira faz as palavras brincarem, num doce misturar de poesia, verdade e fantasia. Assim é em:
bailarina
a bailarina
da caixinha de música
me convidou pra uma voltinha
fiquei constrangido.
não sei lidar
com moças tão soltas.
Do mesmo calibre, com gosto de brincadeira, mas a mensagem firme e coerente em sua simplicidade, é o
L’ amour
enamorado aos oitenta
meu pai adolesceu-se
e fugiu de casa
contra o amor
não há argumentos.
A expressão poética de Bira Lima, seus temas e reflexões, seus muitos sentires, faltas e dores dão margem a muitos estudos. Muitos outros poemas deste Kúesis estão vivos à espera de novas observações ou até interpretações, se assim desejarmos. Preocupei-me, especialmente, nesse primeiro momento, em fixar aquilo que me marcou mais fortemente. Aquela leitura que bate antes do estudar, do explicar: a simplicidade, a exatidão palavra /ideia, a capacidade de fazer versos sem adornos ou aparentes reflexões, sem pontuação, sem uso de maiúsculas. Em versos curtos, raros períodos compostos, o poeta vai revelando, no entanto, dor, crises existenciais, saudade, tristeza, vazios… As palavras em sua inteireza, sem adornos ou adjetivações. Puras. Exatas. Na medida certa. Poesia para sentir.
Margarida Cordeiro Fahel.
Janeiro 2023.
Kúesis, Bira Lima. Ibicaraí, BA: Via Litterarum, 2022.
*1 Meireles, Cecília/ Obra Poética. Metal Rosicler. Poema 41. Companhia José Aguilar Editora, Rio de Janeiro, GB. 1972.
*2 Nietzsche, Friedrich. Demasiado Humano., SP: Cia das Letras, 2000.
*3 Mário de Sá- Carneiro. Dispersão. Colares Editora. Portugal.1993.
ALGUNS PRIMEIROS ACENTOS SOBRE KUÉSIS, DE BIRA LIMA- Margarida Fahel Read More »
Prefere-se esfacelar a aurora,
do amor a pauta é rasgada,
na vergonha a vida esmurrada.
A vida, ah, a vida, no derrame
do desamor assim estuprada,
as entranhas da urbe nas dores.
Ventos sangram a palavra
como expressão da liberdade,
a beleza em forma de arte.
Sepultam a pomba na selva,
a maldade nas horas devastadas
são cenas aramadas, amargas.
Deixam que eu me veja utópico,
cantor duma união geral antiga,
na flor que perfuma o meu sonho.
Capaz de derrotar todos os danos
urdidos há milênios por ódios
advindos de perversos confrontos.
Exala em amenidade de nuvem
do que hei de ser com verdes laços,
basta que tudo acresça e não subtraia.
Venerada mãe terra, nas tuas leis
basta ser os agrados que recebeste
dos céus, pois que dos céus és filha.
No som dessa música cativante
afloram anunciando a benção
essas rações de tudo para todos.
Apesar das botas impassíveis
há os verdes que despontam,
os maduros caindo nas rumas.
POEMA CONTRÁRIO AO VANDALISMO- Cyro de Mattos Read More »
Cruz de malta no coração,
Dinamite certeira nos pés,
O goleiro queria se esconder,
Daquela vez podia morrer.
Até as redes tremiam
Com o maior goleador,
Cada chute uma explosão
Que assombrava o torcedor.
Artilheiro como Roberto
No vitorioso Vasco da Gama
Outro igual pode até haver,
Outro maior não pode ter.
O Vasco, gigante da colina,
Teve o Ademir Queixada,
Quanto mais fazia gol
Mais queria ser goleador.
Teve o japonês Vavá,
Bicampeão mundial,
Um artilheiro perfeito,
Fazer gol era seu defeito.
Teve o Edmundo Animal,
Que tinha técnica apurada,
Mas sua fome de artilheiro
Fez do craque um matador.
Somente ele foi inimitável,
Agora joga com os anjos,
Seu petardo ultrapassa nuvens
Fazendo cair flores do céu.
POEMA DE ROBERTO DINAMITE- Cyro de Mattos Read More »