Produção Literaria

A Garota Ideal- Afeto, empatia e cura

A Garota Ideal- Afeto, empatia e cura


*Por Raquel Rocha

Dirigido por Craig Gillespie, Lars and the Real Girl, em português:  A Garota Ideal de 2007, é uma obra delicada, inesperada e humana. Estrelado por Ryan Gosling em uma das performances mais sutis e comoventes de sua carreira, o filme nos convida a mergulhar nos silêncios e nas dores de um personagem cuja fantasia não é fuga, mas sobrevivência.

A história parte de uma premissa que, a princípio, parece absurda: Lars, um jovem tímido e retraído, apresenta à família sua nova namorada, Bianca, uma boneca inflável adquirida pela internet. O que poderia facilmente descambar para a comédia grotesca ou para o humor fácil, se transforma, sob a direção sensível de Gillespie e o roteiro inteligente de Nancy Oliver, em uma fábula moderna sobre solidão, saúde mental, vínculo e, sobretudo, empatia.

Não sabemos se Lars acredita genuinamente que Bianca é real. Talvez ele tenha algum nível de consciência de que Bianca não é real, um tipo de insight fragmentado, mas prefere manter a ilusão como uma forma de se proteger emocionalmente. Bianca simboliza tudo o que ele nunca teve: uma figura de cuidado, acolhimento e aceitação incondicional. Para ele, que apresenta características compatíveis com um transtorno de personalidade esquizoide, a boneca não é um fetiche, mas um objeto transicional tardio, nos termos de Winnicott: uma ponte simbólica entre o isolamento e a possibilidade de se vincular ao outro.

A atuação de Gosling é comedida e cativante. Com gestos mínimos, olhares perdidos e falas pausadas, ele constrói um personagem que, mesmo preso em seu mundo interno, comove profundamente o espectador, despertando compaixão sem jamais recorrer ao sensacionalismo.

Outro acerto do filme é a forma como retrata a psicoterapia. A médica Dagmar (Patricia Clarkson) compreende o delírio não como algo a ser reprimido, mas como um pedido de ajuda. Em vez de confrontar Lars com a “verdade”, ela propõe que a família e a comunidade entrem na fantasia, não para sustentá-la indefinidamente, mas para permitir que ele, no tempo dele, reencontre a realidade.

E a comunidade acolhe a fantasia de Lars. Esse talvez o elemento mais utópico e mais bonito do filme. Os vizinhos, colegas de trabalho e membros da igreja decidem não ridicularizar Lars, mas abraçá-lo. Levam Bianca ao salão, à escola, à festa, aos encontros sociais. A boneca é tratada como um ser humano, e esse gesto, que beira o absurdo, revela a beleza do cuidado coletivo.

No clímax do filme, quando Lars começa a se despedir de Bianca, é como se estivesse finalmente pronto para nascer para o mundo . Um nascimento simbólico, doloroso, mas possível, porque foi gestado no útero do acolhimento, da aceitação e do amor.

A Garota Ideal é um filme que desarma. O que parece ser uma bizarrice se revela uma prece. Um lembrete de que há, sim, muitos Lars entre nós, pessoas que silenciosamente carregam traumas, medos, dificuldades de se vincular. E que não precisam de confronto ou exclusão, mas de acolhimento e tempo. Em um mundo apressado para julgar, A Garota Ideal pede paciência. E nos mostra, com poesia e compaixão, que amar alguém, mesmo quando é difícil compreendê-lo, pode ser o início de toda cura.

 

*Raquel Rocha é Psicanalista, Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia, Saúde Mental,  Neuropsicologia e Terapia Familiar.

 

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DISCURSO DA PROFESSORA RENÉE ALBAGLI NOGUEIRA QUANDO DO RECEBIMENTO DA COMENDA JORGE AMADO, OUTORGADA PELA ALITA.

DISCURSO DA PROFESSORA RENÉE ALBAGLI NOGUEIRA QUANDO DO RECEBIMENTO DA COMENDA JORGE AMADO, OUTORGADA PELA ALITA.

Local: Auditório do Centro de Arte e Cultura Governador Paulo Souto, na Uesc, campus Soane Nazaré de Andrade

Data: 11 de outubro de 2024.

  1. Senhora Presidente da Academia de Letras de Itabuna, Raquel Rocha, através da qual cumprimento os componentes da mesa,
  2. Senhor Presidente de Honra desta academia, Cyro de Mattos, através de quem cumprimento os demais acadêmicos,
  3. Senhoras e senhores,

       Boa noite!!!!

O momento é de Gratidão e Compartilhamento.

Gratidão à Academia de Letras de Itabuna – ALITA -, sob a liderança de Rachel Rocha, sua ilustre Presidente, que me concede esta homenagem através da sua mais alta honraria, a Medalha Jorge Amado, ícone da cultura regional, cujas obras literárias traduzidas em muitos idiomas, são conhecidas nacional e internacionalmente.

Tenho a intenção de ser objetiva, mas não perder o essencial.

Nesta fala de hoje, pretendo me concentrar na “Responsabilidade Social da Universidade”, com um recorte dos principais projetos desenvolvidos nas minhas gestões como Reitora da UESC (1996/2000 e (2000 /2004) e a participação de alguns colegas, cuja atuação tem expressão para a ALITA, por estarem entre os seus integrantes.

É mister aplaudirmos os pioneiros da Educação Superior de nossa Região, que sob a liderança de Soane Nazaré de Andrade constituíram uma Comissão para elaborar o projeto da FESPI, Érito Francisco Machado, Flávio José Simões Costa, Helena dos Anjos Souza, Manoel Simeão da Silva, Rosalina Molfi de Lima e a grande poeta Valdelice Soares Pinheiro.

E tantos outros pioneiros da Educação Superior da região que eram docentes das unidades isoladas e que se tornaram os primeiros professores da FESPI, nos idos de 1974.

Quero também compartilhar este reconhecimento com a Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, instituição que dediquei muitos anos da minha vida.

A grandiosidade desta obra se eterniza como símbolo de esperança para as gerações sucessivas de jovens que buscam o conhecimento, como forma de autoafirmação e conquista de um futuro melhor

Convidada por Soane Nazaré de Andrade, ingressei na FESPI, em 1974. Fui sua assessora por dez anos, integrando a Comissão de Assessoria e Planejamento – CAP.

A história da Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, tem seu marco fundamental quando, em 1974, as faculdades isoladas existentes em Ilhéus e Itabuna, ou seja, Faculdade de Direito de Ilhéus, mantida pela Sociedade Sul Bahiana de Cultura (criada em 1960), Faculdade de Filosofia de Itabuna – FAFI (criada também em 1960) e a Faculdade de Ciências Econômicas de Itabuna (1970) decidem reunir-se numa Federação de Escolas Superiores.

A Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna, então denominada FESPI, teve o funcionamento aprovado por decisão do antigo Conselho Federal de Educação – CFE.

A época, para o reconhecimento de toda a região e um compromisso com a história, merece destaque José Haroldo de Castro Vieira, então Secretário-Geral da CEPLAC. Ele era incansável no apoio à FESPI e foi o responsável por suas primeiras edificações, onde se inclui a torre de seis andares, que abriga a administração superior da UESC, e que Soane Nazaré de Andrade, com muita justiça, o denominou Edifício José Haroldo de Castro Vieira.

Nos idos de 1988, a região cacaueira foi abatida por forte crise financeira, em decorrência da “vassoura de bruxa”, e esta crise teve repercussões, também, na FESPI. Foi quando, em 1989, ocorreu a estatização da FESPI, com a criação de uma fundação de direito público, a Fundação Santa Cruz – FUNCRUZ, no governo Waldir Pires, fundação esta que realizava a transferência de recursos financeiros para a FESPI. Era a transitoriedade de um modelo original de fundação privada para fundação pública.

Mas foi em 1991, através de uma mensagem à Assembleia Legislativa do estado da Bahia, que o Governador Antônio Carlos Magalhães assina em 5 de novembro, no Dia da Cultura, a extinção da FESPI e a criação da Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, incorporando a manutenção da Universidade ao orçamento do estado da Bahia.

A missão da nossa gestão era preparar a UESC para seu primeiro Credenciamento como Universidade pelo Conselho Estadual de Educação CEE/BA, honrosamente presidido pelo Conselheiro Rogério Vargens.

No período da nossa gestão de 1996/2004 foram implantados os seguintes Cursos de Graduação:

Em 1997, Medicina Veterinária;

Em 1999, Ciência da Computação, Ciências Biológicas, Comunicação Social e os Bacharelados de Física, Matemática e Química;

Em 2000, Ciências Contábeis;

Em 2001, Medicina;

Em 2003, Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais;

Em 2004, Biomedicina, Educação Física e Engenharia de Produção e Sistemas.

A implantação do Curso de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais (LEA), na UESC, em Convênio com a Universidade La Rochelle, na França, constitui-se uma experiência pioneira para ambas as partes, já que o eixo da cooperação, totalmente inovador, sendo o primeiro curso, no Brasil e na América Latina, a apresentar particular flexibilidade em seu desenvolvimento. Visa preparar profissionais com formação linguística, humanística e técnica.

Com o Curso de Engenharia de Produção e Sistemas, a UESC inaugurou uma nova vertente no campo científico e tecnológico. Com isso, habilitou-se a promover iniciativas conjuntas com o setor produtivo, visando a inovação de serviços e produtos.

Dirijo-me agora ao Senhor Francisco Valdece Ferreira de Souza, Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna, instituição que tenho a honra de compartilhar este reconhecimento. A importância dessa instituição foi muito bem destacada pela ALITA.

Neste momento, eu compartilho o reconhecimento, falando da grande contribuição da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna, em 2001, e em todos os anos subsequentes, para a implantação do Curso de Medicina na UESC.

Foi a primeira instituição que fizemos a parceria e o Senhor Edmar Margotto, Provedor em 2001, foi incansável no seu apoio.

Merece registro, também, a Professora Dra. Mércia Margotto, que como primeira Coordenadora do Curso de Medicina, reuniu uma equipe médica exemplar, que possibilitou a implantação do curso, o primeiro em uma instituição pública, depois da UFBA.

O Diretor-Médico à época era Paulo Bicalho, que integrou o corpo docente do Curso de Medicina e muito se empenhou para sua implantação.

Destaco primeiro, a Professora Margarida Cordeiro Fahel, Vice-Reitora da UESC, em dois períodos consecutivos, de 1996 a 2004, com quem compartilhei todas as lutas e todas as conquistas para a UESC. Além de Vice-Reitora, havia atribuições de acompanhamento de projetos importantes em desenvolvimento na UESC, que exigiam um olhar cuidadoso da administração superior.

Desde a antiga FAFI, Margarida Cordeiro Fahel foi Professora Titular de Literatura Brasileira.

Foi Coordenadora Editorial da Revista FESPI e da Revista Especiaria, periódicos científicos da Universidade.

No Conselho Estadual de Educação, CEE-BA, de 1998 a 2006, onde compunha a Câmara de Educação Superior, foi Vice-Presidente.

Margarida Cordeiro Fahel ocupa a cadeira nº 12 da Academia de Letras de Itabuna, ALITA.

É escritora, romancista. Tem várias obras publicadas, e aqui, eu destaco o romance A Casa da Esperança não era Verde, uma história ficcional, amparada em bases históricas, no que se refere ao tema, e que acompanha a humanidade em sua trajetória. O tema da orfandade ou da “pseudo-orfandade”. Neste romance percebemos inteligência, profunda sensibilidade e humanidade, qualidades que se parecem muito com as qualidades da autora.

Destaco o Professor Dr. Alessandro Fernandes, Reitor da Universidade Estadual de Santa Cruz. Ele é poeta e sob seu comando caminha com galhardia a UESC, pela sua competência, desvelo e grande compromisso institucional.

Podemos dizer que tudo valeu a pena. A Região Cacaueira, embora com percalços econômicos, ostenta um dos seus grandes patrimônios: a Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC.

Na UESC, depositam seus sonhos 12.237 estudantes de graduação; 666 de pós-graduação, em nível de mestrado; e 481 estudantes de doutorado.

A UESC oferece 34 Cursos de Graduação, sendo 12 licenciaturas e 22 bacharelados.

Desenvolvem as atividades acadêmicas de Ensino, Pesquisa e Extensão 749 professores, sendo 549 doutores e 200 mestres.

Avaliada positivamente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), vinculada ao Ministério da Educação, a UESC tem, entre seus programas, um com nota 6 e oito programas com nota 5.

Trabalha com a universalidade do conhecimento, destacando-se, na pesquisa, com projetos importantes de inserção regional, sem perder a perspectiva dos temas globais.

Sua produção científica, em 2023, foi de 753 artigos e 390 Anais de Eventos.

Número de dissertações e teses defendidas nos Programas de Pós-Graduação da UESC: no mestrado 2904 e no doutorado 473.

Outro ponto a ser destacado na administração do Professor Alessandro Fernandes é o seu cuidado com a preservação da história e memória institucional, inaugurando na sua primeira gestão, uma galeria dos  ex-dirigentes da FESPI/UESC, ponto que considero relevante e uma importante responsabilidade social da Universidade.

Maria de Lourdes Netto Simões (Tica Simões) é pesquisadora e ensaísta, Doutora e Pós-Doutora em Literatura Comparada e Turismo Cultural (UNL, Portugal). Tem produção científica com livros, artigos e documentários na sua área de atuação.

Na nossa primeira gestão foi Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação (1996/2000.) Coordenou o Programa de Absorção de Doutores (PAD), primeira política pública responsável pelo fortalecimento científico e tecnológico da UESC, importante responsabilidade social da Universidade.

Ao Programa de Absorção de Doutores somou-se o primeiro concurso público da UESC, exclusivamente, para mestres e doutores, com 150 vagas, considerado, à época, o maior Concurso Público Universitário no País. Esse concurso foi liderado pela querida Professora Norma Vídero, Pró-Reitora de Graduação, aqui presente, e pelos Departamentos da UESC.

Nesse período de 1996/2004, foi impulsionada a pós-graduação, implantando-se seis mestrados: Cultura e Turismo; Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente; Genética e Biologia Molecular; Zoologia Aplicada; Produção Vegetal; e Sistemas Aquáticos; e mais dois doutorados, os primeiros da UESC: Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente; e Genética e Biologia Molecular.

Maria Luíza Nora de Andrade é pedagoga, com área de concentração em Sociologia, Mestra em Cultura e Turismo. Foi a primeira Diretora da Editus, Editora Universitária, implantada na nossa gestão.  A Editus foi pensada não só para a produção acadêmica, sua principal missão, mas também para atender a escritores regionais.

Ruy do Carmo Póvoas é licenciado em Letras, Mestre em Letras Vernáculas, Doutor Honoris Causa pela UESC.

Na nossa gestão, Ruy do Carmo Póvoas fundou o Laboratório de Redação e o Núcleo de Estudos Afro-Baianos Regionais – Kàwé, da Universidade Estadual de Santa Cruz, do qual foi coordenador durante dezesseis anos, sendo editor do Jornal Takada, do Caderno Kàwé e da Revista Kàwé.

Com vasta produção literária, que inclui prosa e verso, Ruy Póvoas ocupa a cadeira 18 da Academia de Letras de Ilhéus e é membro-fundador da Academia de Letras de Itabuna.

Em conformidade com as posturas sugeridas em nível nacional, a UESC manteve a política de participação dos Programas Extensionistas Interinstitucionais que estabelecem o intercâmbio entre o conhecimento científico e as práticas sociais, contribuindo com os processos de desenvolvimento humano, socioeconômico e cultural da sociedade sul-baiana.

Destaca-se a linha programática Extensionista “Cultura e Memória Social” com um trabalho coordenado pelo Centro de Documentação e Memória Regional – CEDOC, dirigido pela Professora Dra. Janete Macêdo, com doutorado na Universidad de León, na Espanha. A Professora Janete Ruiz de Macêdo é mais uma Alitana, aqui presente, e ocupa a cadeira número 39, na ALITA.

Na nossa gestão, o CEDOC, visando o resgate e preservação do patrimônio, realizou vários programas. Organizamos arquivos públicos de 23 municípios, e coordenamos as atividades do Centro de Documentação e Memória da Costa do Descobrimento, na cidade histórica de Porto Seguro, o Museu da Casa Verde, em Itabuna, em convênio com a Fundação Henrique Alves, e o Museu da Casa Colônia, em Porto Seguro.

Aqui, presente também a Professora Dra. Lurdes Bertol Rocha, geógrafa, e a Dra. Raimunda Alves Moreira de Assis, Professora Emérita da UESC, cuja área de atuação é a Educação.

É imensa a responsabilidade com a comunidade, porque não dizer grapiúna, que há alguns anos, me distinguiu com o título de Cidadã Itabunense.

Gostaria de Compartilhar com todos os meus colegas professores desta casa, os de ontem, e os de hoje, que com competência e idealismo dignificam o papel social da Universidade.

Aos meus Familiares Cláudio, Claudinha, Cyro, Luís Fernando e Isabel o meu eterno reconhecimento pela força, coragem e compreensão na caminhada profissional.

E a todos os demais membros da minha família, este é o legado que lhes ofereço, um trabalho apaixonante e profícuo para o bem da sociedade, aspiração de todo cidadão.

Concluo o meu pronunciamento com a voz de Cyro de Matos, primeiro Doutor Honoris Causa da UESC, título concedido em 19 de setembro de 2016.

Ele traz uma mensagem de esperança, no seu poema Eu creio nessa manhã. E a Cyro de Matos, Presidente de Honra desta Academia, quero expressar a minha profunda gratidão pela indicação do meu nome, aprovado, por unanimidade, pelos acadêmicos da ALITA, para ostentar tamanha honraria.

 

Eu creio nessa manhã

Cyro de Mattos

Por que os homens

Amam a droga

E não como a abelha

Os favos de mel?

Por que os homens

Amam as balas

E não a paz

Sem nenhum fuzil?

Por que os homens

Só enxergam o chão

E não a estrela

Em seus caminhos?

Por que os homens

Perfuram a rosa

Com a ponta aguda

E mais dura do espinho?

Viver amargos, sozinhos,

Viver nos escombros,

Viver na vida desigual,

É do que os homens gostam?

Mas eu creio nessa manhã

Anunciada pelo menino

Nascido na manjedoura.

No brilho dessa estrela

Espalhando o amor no chão.

Eu gosto de ouvir nesta hora

Essa canção que me afaga

Falando duma união geral,

Que viver vale a pena

Quando a vida é uma dança.

Com os homens como irmãos

No doce fruto da ternura,

No doce fruto da alegria

Sorrindo como criança.

Muito obrigada!

[i]  Renée Albagli Nogueira, Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Mestra em Gestão Universitária pela Universidade Estácio de Sá, Especialista em Gestão Universitária na DePaul University, Chicago. Especialista em Genética Molecular.

Discurso proferido em 11/10/24, na cerimônia de Outorga da Medalha Jorge Amado.

Notícia e fotos do Evento: https://academiadeletrasdeitabuna.com.br/2024/10/14/alita-homenagem-renee-albagli-e-a-santa-casa-de-misericordia-de-itabuna-com-a-medalha-jorge-amado/

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DISCURSO RELATIVO AO RECEBIMENTO DO TÍTULO DE CIDADÃO DE XIQUE- XIQUE -Marcos Bandeira

DISCURSO RELATIVO AO RECEBIMENTO DO TÍTULO DE CIDADÃO DE XIQUE- XIQUE

MARCOS BANDEIRA

 

SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE XIQUE-XIQUE, SR. DELMARTIN NOGUEIRA, EM NOME DE QUEM SAÚDO A TODOS OS EDIS DESSA EGRÉGIA CÂMARA.
GOSTARIA DE AGRADECER ESPECIALMENTE AO MEU AMIGO, GILMAR LUSTOSA, GRANDE FIADOR DESTE HONROSO TÍTULO, AO LADO DO VEREADOR, NINO MEIRA, AUTOR DO PROJETO, BEM COMO A TODOS OS VEREADORES QUE APROVARAM ESSA COMENDA.
GOSTARIA TAMBÉM DE AGRADECER A TODOS OS FAMILIARES E AMIGOS QUE VIERAM ME PRESTIGIAR, ALGUNS QUE VIERAM DE MUITO LONGE.
“ EU E TANTOS OUTROS XIQUEXIQUENSES DE NASCIMENTO SEMPRE QUE A OPORTUNIDADE NOS OFERECE RESSALTAMOS O MAIS PROFUNDO DOS ORGULHOS E NOS UFANAMOS DE SERMOS NATIVOS DESSA TERRA ESPECIAL..
SER XIQUEXIQUENSE POR OPÇÃO, POR LIVRE ESCOLHA OU POR DETERMINAÇÃO DE UMA FORÇA MAIOR, TALVEZ SEJA MAIS MERITÓRIO E MUITO MAIS NOBRE DO QUE AQUELA CONDIÇÃO DE SER ILHO NATO” ( Carlos Santos, in Crônicas Xique Xiquíssimas, vol II, 2011).
MAS SENHORES E SENHORAS, JÁ QUERO LHES ADIANTAR, QUE SIMBOLICAMENTE ESTE É O TÍTULO MAIS IMPORTANTE DA MINHA VIDA. DEVIDO AS MINHAS INÚMERAS ATIVIDADES, PRINCIPALMENTE EM FACE DA CARREIRA DE MAGISTRADO, ADQURI OS TÍTULOS DE CIDADANIA DE ITABUNA, ILHÉUS, MASCOTE, CAMACAN, URANDI, PAU BRASIL E SANTA LUZIA, PELO RECONHECIMENTO DOS RELEVANTES SERVIÇOS PRESTADOS A ESSAS COMUNIDADES. TÍTULOS IMPORTANTES E DE ELEVADA HONRA PARA MIM, MAS ESTE É O MAIS IMPORTANTE, POIS RESGATA A MINHA PRÓPRIA IDENTIDADE.
MEU PAI, SEBASTIÃO BANDEIRA, NO FINAL DOS ANOS 50 VEIO DE BELMONTE, EXTREMO SUL DA BAHIA, PARA XIQUE-XIQUE, ACOMPANHADO DE DOIS IRMÃOS: SILVIO BANDEIRA E ANTONIO BANDEIRA.
TODOS, AEROVIÁRIOS, VIERAM TRABALHAR NA EMPRESA AÉREA REAL, DEPOIS TRANSFORMADA NA VARIG, QUE AQUI FAZIA LINHA, E ONDE CONSTRUÍRAM FAMÍLIAS E HISTÓRIAS. MEU TIO SILVIO BANDEIRA, QUE AQUI ESCOLHEU PARA VIVER, FUNDOU PIONEIRAMENTE AO LADO DOS IRMÃOS SEBASTIÃO E ANTONIO, DE PEDRO CACHAÇA, GORDINHO E OUTROS A BATUCADA RITMOS DO SAMBA.
MEU PAI SE CASOU COM MARLUCE ( CONHECIDA COMO LUCY), XIQUEXIQUENSE NATA E FILHA DA CONHECIDA PROFESSORA EMIDIA LACERDA SANTOS, QUE CONTRIBUIU NA FORMAÇÃO DE VARIOS XIQUEXIQUENSES ILUSTRES.
E ASSIM, NO DIA 24 DE JANEIRO DE 1961 MINHA MÃE LUCY DÁ LUZ AO PRIMOGÊNITO, MARCOS BANDEIRA, QUE POR UM CAPRICHO DO DESTINO, NASCEU EM BOM JESUS DA LAPA. MEU AVÔ MATERNO, NESTOR, QUE DETINHA UMA BOA CONDIÇÃO ECONÕMICA Á ÉPOCA, COLOCOU TODA A FAMÍLIA NO AVIÃO DA VARIG E FEZ COM QUE SUA FILHA DESSE A LUZ DO SEU PRIMEIRO NETO NO MELHOR HOSPITAL DA REGIÃO: O HOSPITAL CARMELA DUTRA EM BOM JESUS DA LAPA. DEPOIS DO RESGUARDO DE 30 DIAS, MINHA MÃE E TODA A FAMÍLIA RETORNARAM PARA XIQUE-XIQUE, ONDE MORAMOS ATÉ O DIA 06/12/1974, QUANDO MEU PAI FOI PROMOVIDO PELA VARIG PARA A CIDADE DE ILHÉUS. ALÉM DE MIM, O CASAL SEBASTIÃO E LUCY TEVE OS SEGUINTES FILHOS: MARCELLO BANDEIRA ( IN MEMORIAM), NASCIDO EM XIQUE-XIQUE;MAURICIO BANDEIRA, NASCIDO EM BOM JESUS DA LAPA; VANESSA BANDEIRA E MARCIO RIVELINO, NASCIDOS TAMBÉM EM XIQUE-XIQUE.
ENTÃO, QUANDO ME PERGUNTAVAM DE ONDE SOU , ONDE NASCI, EU TINHA ALGUMAS DIFICULDADES EM RESPONDER E DIZIA MAIS OU MENOS ASSIM: FUI CONCEBIDO EM XIQUE-XIQUE E NASCI EM BOM JESUS DA LAPA..
AGORA, COM ESSE TÍTULO, ELE ME DÁ A CONDIÇÃO DE PERTENCIMENTO, DE RESGATE DA MINHA IDENTIDADE, POIS AQUI VIVENCIEI TODA A MINHA INFÂNCIA E PARTE DA ADOLESCENCIA. AQUI CONSTRUÍ A MINHA MEMÓRIA AFETIVA. AGORA, POSSO DIZER QUE SOU XIQUEXIQUENSE
EXISTE UMA TRADIÇÃO DA TRIBO MÃORI DA NOVA ZELÂNDIA, QUE TODA CRIANÇA AO NASCER RECEBIA UM PRESENTE SAGRADO: UMA CANÇÃO ÚNICA, QUE CARREGAVA O RITMO DO SEU CORAÇÃO, O SOM DA SUA ALMA E O SOPRO DA TERRA ONDE PISAVA. ERA A CANÇÃO DO CORAÇÃO OU DO RETORNO, POIS ERA ENTOADA NOS RITOS DE PASSAGEM, NOS SONHOS, NAS FOGUEIRAS DAS HISTÓRIAS E NOS DIAS EM QUE O MUNDO PESAVA DEMAIS SOBRE OS OMBROS DE ALGUÉM.
MAS HAVIA TEMPOS EM QUE UM DOS FILHOS DESSA TRIBO SAÍA DE SUA TERRA E SE PERDIA MUNDO AFORA, EM OUTRAS TERRAS, AFASTANDO ASSIM DA SUA RAIZ, ESQUECENDO QUEM ERA, DE ONDE VINHA E QUAL ERA A SUA CANÇÃO.
QUANDO ISSO ACONTECIA UM ANCIÃO, UM AMIGO OU PARENTE IA ATRÁS PARA CANTAR A CANÇÃO DO CORAÇÃO E ASSIM RESGATAR A SUA IDENTIDADE ESQUECIDA. FOI ASSIM, QUE O AMIGO DE INFÂNCIA, GILMAR LUSTOSA BARETO, FOI ATRÁS DE MIM PARA QUE EU PUDESSE NOVAMENTE OUVIR A CANÇÃO DO CORAÇÃO E ASSIM LEMBRAR DA MINHA INFANCIA, DA MINHA ADOLESCENCIA, DA MINHA RAIZ, DO MEU POVO E DA ESSENCIA DA MINHA ALMA.
MARCEL PROUST EM SUA VASTA OBRA INTITULADA “ EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO” TRABALHAVA BASTANTE COM A IDEIA DA MEMÓRIA INVOLUNTÁRIA. NUM FRAGMENTO DE SUA OBRA ELE DIZ:
“E, DE REPENTE, A LEMBRANÇA ME SURGIU. ESSE GOSTO ERA O DO PEDACINHO DE MADELEINE QUE MINHA TIA ME OFERECIA, DEPOIS DE TÊ-LO MOLHADO NO CHÁ DE TÍLIA..”
E EU DIGO, QUANDO MEU PAI OU MINHA NETA HANNAH MOLHAVA O PEDAÇO DE PÃO COM MANTEIGA NO CAFÉ EU LEMBRAVA DE XIQUE- XIQUE…
LEMBRAVA DA PRAÇA DO GINÁSIO HELCIO BESSA JOGANDO BOLA COM HELDINHO, FILHO DE TINU, XANDU, JOÃO DE SAMUEL, DUDU, JORGINHO DE SINHOZINHO, EDIVALDO DA TIRIRICA E TANTOS OUTROS;
LEMBRAVA DA SORVETERIA “O CANECÃO” DE ZÉ REIS E AS CONVERSAS E HISTÓRIA TRAVADAS COM OS MEUS SAUDOSOS AMIGOS, GIBSONS E GILMAR, FILHOS DO DONO. ENTRE UMA PROSA E OUTRA, SEMPRE TINHA UM PICOLÉ OU UM SORVETE DE GRAÇA;
LEMBRO TAMBEM DO BAR E SORVETEIRA DO SAUDOSO QUINCAS ( QUE NOS DEIXOU ESSA SEMANA- MEUS SENTIMENTOS A FAMILIA ENLUTADA) E O SEU FAMOSO SINUQUE.
LEMBRAVA DAS AVENTURAS COM MEU AMIGO, MANUEL AMANCIO, NOS PASSEIOS DO PRIMEIRO CARRO ELÉTRICO VERMELHO DE XIQUE-XIQUE A DESFILAR NO JARDIM DA PRAÇA DA MATRIZ COM GILMAR LUSTOSA OU NA VEZ QUE FOMOS DE BICICLETA MONARETA TOMAR BANHO NO RIACHO NA CARNAÚBA E QUANDO CHEGUEI EM CASA, JÁ TARDE, MEU PAI JÁ ESTAVA ME ESPERANDO E ME DEU UM SURRA
LEMBRAVA DE PESCAR MANDIN NO VELHO CHICO, ANTIGO CAIS DA CIDADE, PRÓXIMO DO “BAZAR DAS NOVIDADES” DE FLORZINHO, OUVINDO O SAUDOSO MARIO VELHO, SOLTANDO AS CANÇÕES ROMANTICAS E DIZER COM SUA AVELUDADA E BELA VOZ NO ALTO FALANTE QUE COBRIA TODA A CIDADE: “ AQUI É A VOZ DA LIBERDADE TRANSMITINDO DIRETAMENTE DE NOSSO STUDIO PARA TODA A CIDADE”.
LEMBRAVA DO FUTEBOL DE XIQUE-XIQUE , DO BRASINHA, DO BOTAFOGO OU DO FLAMENGO DE JOÃO PACHECO. LEMBRO DE CABEÇA A SELEÇÃO DE XIQUE-XIQUE NOS ANOS 70: CARLINHO BARBOSA, BENJAMIM, NEO BALÃO, CANGURU E REIZINHO, JOÃO DE DIDI, RAIMUNDINHO ( OU PAULO NERES), JOAO GRILO, ZE DE HELENA, AILTON MARÇAL E ONALDO. AINDA JOGAVA ZAMBA, PERNETA, GILBERTO “ BOSTINHA”, KINKINHA E O SAUDOSO “PINHEIRINHO”, JOGADOR DO BAHIA ESPORTE CLUBE, QUANDO VINHA PASSAR AS FÉRIAS EM XIQUE-XIQUE;
LEMBRAVA DA CASA DAS CRIANÇAS, DOS RECREIOS, E DAS BRINCADEIRAS COM AFRANIO, SAUDOSO TABAJARA, MARGARETE E OUTROS COLEGAS;
LEMBRAVA DOS EVENTOS, PRINCIPAMENTE CARNAVAL, NO CLUBE 7 DE SETEMBRO E DO CONJUNTO DOS IRMÃOS JETSON A EMBALAR OS BAILES NAQUELE CLUBE
LEMBRO-ME DO DR. HELCIO BESSA E SEU PASTOR ALEMÃO, DEITADO NUMA REDE NA VARANDA DA TUA CASA, OUVINDO AS RESENHAS ESPORTIVAS DO SEU BOTAFOGO. UM MÉDICO EXEMPLAR, UM SER HUMANO INCRÍVEL E UM EXCELENTE ORADOR;
LEMBRO-ME DO JARDIM DA PRAÇA DA MATRIZ EM DIA DE FLA FLU, QUANDO FICAVA UM GRUPO DO FLAMENGO NUM LADO, E DO FLUMINENSE DO OUTRO, TODOS COM AQUELES RADIOS ENORMES. LEMBRO-ME DO RADIO DE EBIVALIO. NAQUELA EPÓCA NÃO HAVIA TELEVISÃO AINDA EM XIQUE- XIQUE; CRESCI OUVINDO VALDIR AMARAL, JORGE CURY, LUIZ MENDES E JOÃO SALDANHA, ATRAVÉS DA RADIO GLOBO DO RIO DE JANEIRO.
QUANDO OUÇO A MÚSICA “ OS MILIONÁRIOS” DO CONJUNTO INCRÍVEL, LEMBRO-EM QUE ERA O PREFIXO DO CINEMA, E QUE TERIAMOS QUE CORRER PARA ASSISTIR O FILME DE “DJANGO”, MAS TINHA QUE CHEGAR MAIS CEDO PARA ASSISTIR O CANAL 100 E VER AQUELE LANCE DO NOSSO TIME QUE OUVIAMOS NO RADIO.. E COMO ERA DIFERENTE!
LEMBRO-ME DO COLÉGIO POLIVALENTE E DOS MEUS PROFESSORES RUI SANTANA E DINORÁ. TEMPOS BONS , TEMPO DE UMA INFANCIA E ADOLESCENCIA MARAVILHOSAS.
ENTÃO, ESSE MARCOS, ADOLESCENTE, QUE VIVE DENTRO DE MIM, NÃO MORREU. EU DIALOGO DIARIAMENTE COM ELE PARA MOSTRAR , COMO DISSE O AUTOR MARCEL PROUST, QUE O TEMPO NÃO ESTÁ PERDIDO, MAS APENAS ADORMECIDO DENTRO DE NÓS. NÃO ESTOU FALANDO DE UM SAUDOSISMO PIEGAS, MAS DE UM TEMPO QUALITATIVO, EXISTENCIAL, NÃO CRONOLÓGICO, QUE SEJA CAPAZ DE RECONSTRUIR A NOSSA SUBJETIVIDADE, POIS SOMOS FEITOS DE NOSSA SENSAÇÕES E REVIVÊ-LAS É REVIVER A ESSENCIA DO NOSSO EU.
FINALMENTE, AQUELE ADOLESCENTE, QUE ESTAVA SENTADO NUM BANCO DO JARDIM, EM FRENTE A IGREJA SENHOR DO BONFIM, PADROEIRO DESTA CIDADE, OU QUANDO ESTAVA SENTADO NA ARQUIBANCADA DO ESTADIO DE XIQUE-XIQUE E OLHAVA PARA O HORIZONTE, VISUALIZANDO NUVENS E MONTANHAS, A IMAGINAR QUE FUTURO ESTAVA A ESPERAR… QUAIS OS DESAFIOS QUE ESTAVAM POR VIR… COMO SERIA ESSA NOVA VIDA….
EVIDENTEMENTE, QUE A NOSSA CONSCIENCIA, ASSIM COMO FOGO, SE EXPANDE, E VOCE SE TRANSFORMA NUMA METAMORFOSE AMBULANTE E VAI SE REIVENTANDO NESSE MUNDO
HOJE, APÓS O DECURSO DE 50 ANOS, RETORNO A MINHA TERRA ABENÇOADA, AO LADO DA MINHA ESPOSA, ROSANA, COMPANHEIRA INSEPARAVEL QUE ME ACOMPANHA HÁ MAIS DE 43 ANOS, E QUE ME AJUDOU A CONQUISTAR COISAS IMPORANTES NA VIDA, SEJA NO ESPORTE, NA MAGISSTRATURA, NA DOCENCIA, NA ADVOCACIA, NA LITERATURA, NA VIDA. HOJE TEMOS QUATRO FILHOS, MICHELLE( JUÍZA DO TRABALHO EM SALVADOR), DANIELLE( ADVOGADA, MORANDO ATUALMENTE EM ORLANDO, ESTADOS UNIDOS), MARCOS BANDEIRA JUNIOR, EMPRESÁRIO E ADVOGADO) E FRANCIELLE, ATUALMENTE COM 27 ANOS. TEMOS TAMBÉM QUATRO NETOS: HANNAH, GABRIEL, FILIPE E MARINA.
NESSAS MINHAS ANDANÇAS, FUI JOGADOR DE FUTEBOL, BANCÁRIO, JUIZ DE DIREITO, ESCRITOR, PRIMEIRO PRESIDENTE E FUNDADOR DA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA, MEMBRO DA ACADEMIA DE LETRAS JURÍDICAS DE ILHÉUS, MEMBRO DO INSTITUTO GEOGRAFICO E HISTÓRICO DA BAHIA. ATUALMENTE SOU PROFESSOR DE DIREITO DA UESC HÁ MAIS DE 20 ANOS, ADVOGADO E SÓCIO DO ESCRITÓRIO BANDEIRA ADVOCACIA E DOUTORANDO EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA.
AQUELE ADOLESCENTE SONHADOR ESTÁ AQUI AGORA, DE RETORNO AO SEU TORRÃO QUERIDO, PARA OUVIR A CANÇÃO DO CORAÇÃO E REVER SEUS FAMILIARES E AMIGOS E DIZER QUE SUBIU MONTANHAS E ENFRENTOU MUITO DESAFIOS, MAS A SUA VERVE DE SERTANEJO DESTEMIDO E QUE NUNCA DESISTE DOS SEUS SONHOS PREPONDEROU NESSA CAMINHADA!
E COMO O APÓSTOLO PAULO NA CARTA A TIMÓTEO POSSO DIZER:“ COMBATI O BOM COMBATE, ACABEI A CARREIRA E GUARDEI A FÉ”.
OBRIGADO!

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TRIBUTO A CARLOS VALDER- Por Raquel Rocha

Carlos Valder e sua família fizeram parte da minha trajetória de forma afetuosa, com vínculos marcados por admiração e respeito.

Fui aluna de seu irmão, o professor Fernando Rios, na UESC, logo ao chegar a Itabuna. Fui também orientanda de sua esposa, Dinalva Melo, hoje minha colega psicanalista.

Conheci Carlos Valder em 2013, ao ingressar na Academia de Letras de Itabuna. A partir de então, encontrávamo-nos com frequência nos eventos acadêmicos e, também, em eventos na casa de nossa querida amiga Sônia Maron, com quem ele cultivava uma amizade de longa data.

Carlos Valder era presença de vigor e alegria. Sua palavra era sempre firme, lúcida e bem-humorada. Ele sabia ocupar os espaços e sua ausência, nos últimos tempos, foi sentida como um silêncio que culmina neste momento de saudade. Aquela saudade que só permanece quando partem os que preenchiam os lugares com presença viva.

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em 1978, Carlos Valder construiu uma trajetória notável no campo jurídico, acadêmico e institucional. No serviço público, foi Procurador Seccional da Advocacia-Geral da União (1993–2003) e, posteriormente, Procurador-Chefe da Procuradoria Federal da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Atuou também como parecerista, sendo referência em sua área de atuação.

Jurista de pensamento crítico e inovador, defendeu propostas consistentes de reforma tributária, com foco na eficiência do Estado e na justiça fiscal. Dedicou-se à produção e à difusão do conhecimento jurídico com admirável rigor intelectual, deixando como legado mais de 30 livros publicados, mais de 60 obras coordenadas ou em coautoria, além de mais de 200 trabalhos técnicos e científicos.

Carlos Valder foi membro atuante da Academia de Letras de Itabuna – ALITA, onde ocupava a Cadeira nº 23, cujo patrono é Sabóia Ribeiro. Também integrou a Academia de Letras de Ilhéus, o Instituto Ibero-Americano de Direito Público e a International Fiscal Association, com sede na Holanda.

Contudo, para além das credenciais e da vasta produção intelectual, Carlos Valder foi um homem de espírito cordial e generoso. Sua participação em nossas reuniões era sempre leve e bem-humorada.

Tive a honra de acompanhar, de perto, o cuidado amoroso de Dinalva durante o processo de adoecimento do confrade. Recebi, com frequência, notícias cheias de fé e ternura. Foi um privilégio testemunhar esse gesto contínuo de amor, entrega e dignidade, que é também parte da biografia dele.

Hoje, minha homenagem não é apenas como presidente da Academia de Letras de Itabuna. Ela vem, sobretudo, como amiga e admiradora. Despeço-me de Carlos Valder com reverência, com carinho e com a certeza de que sua vida foi fecunda, sua obra permanece, e sua memória seguirá nos inspirando.

4 de maio de 2025
Raquel Rocha
Presidente da Academia de Letras de Itabuna – ALITA

 

 

 

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VÓ CARMINHA- Por Ceres Marylise

VÓ CARMINHA

Ceres Marylise*

Caminhava apressadamente, pois recebera o chamado que tentava evitar havia muitos dias. Uma chuva fina tamborilava no guarda-chuva da mocinha que seguia à minha frente, dispersando um pouco meu pensamento. Finalmente, e com um nó a paralisar-me a garganta, parei diante da casa que me era tão familiar e toquei a campainha. A gentil cuidadora recebeume em silêncio e, vagarosamente, dirigi-me para o quarto.

No silêncio daquela manhã em que a percepção da morte rondava por dentro despedaçando o melhor de mim, olhei para a frágil e pálida mulher reclinada na cama com gestos e voz enfraquecidos, cuja presença aos poucos se findava.

Mantive-me de pé refletindo sobre o tênue fio de vida que a prendia a este mundo, onde entre os seres vivos, só o homem tem consciência de sua própria finitude. Sentindo-se finito, desmorona seu mundo de certezas ao imaginar-se em algum momento, na iminência do limiar dessa outra realidade. Existencialista, o homem tem dificuldade de lidar com a morte, exatamente pela sua incapacidade de conviver com as circunstâncias da vida de tantos significados e tantas insignificâncias.

Olhei mais uma vez para aquela mulher de tantos anos: minha querida Vó Carminha, a mulher que ainda chamava a atenção pelo contraste do seu olhar transbordando candura e firmeza, quando nada mais poderia ser feito; a mulher marcada pela simplicidade e pela fortaleza que a faziam saltitar como uma menina sobre a trilha dos dias e ao mesmo tempo, agigantar-se diante dos desafios, sabendo-se envelhecer; a mulher de sóis e chuvas que nunca se intimidou diante do difícil e do improvável; ao contrário, fez deles seus motivos para sonhar, lutar e viver, doando-se sem descanso à sua família.

 Nessa perda prenunciada, senti-me sozinha sem o dedo e o olhar que sempre me apontaram os caminhos por onde deveria transitar na outra margem. Uma sensação de incompletude apossou-se de mim ao perceber-me nela e saber que ela também carregava parte  mim. Beijei-a ternamente na fronte, tomei suas mãos entre as minhas e orei ao Nosso Pai. Confortei-me na fé e me amparei entre a dor e a certeza de que nunca mais a teria ao meu lado vivendo pedacinhos soltos de felicidade.

Com esses pensamentos, e sob o pesado silêncio do ambiente, revi-me ainda muito pequena, quando ela segurava minhas mãos e me dizia de coisas grandiosas que eu poderia ser e que eu nada entendia, pois o tempo e a conquista de algo, nada significavam para mim naquela idade; lembrei-me de quando se punha a rezar mostrando a fé de sua alma pura; de quando me ensinava deveres e direitos e me dava conselhos, dos quais nunca poderei esquecer; também das valsas e de algumas canções, principalmente Menino de Braçanã e Guarânia da Lua Nova, eu já adolescente, que entoávamos juntas e ela se fazia acompanhar de batidas suaves na mesa; da traquinagem de algum neto que a fazia ameaçá-lo de mentirinha com um abano nas mãos; da poesia que escreveu e me presenteou no aniversário de 15 anos, da qual ainda lembro a primeira estrofe: “Quinze anos hoje completas / alvorecer do existir / quantas esperanças adejam / em teus lábios a sorrir.”

Entre chorosa e meio perdida dentro de mim mesma, baixei minha cabeça e meus olhos se fixaram no chão. Ficaram os chinelos debaixo da cama… sem ela. Haveria algo mais triste naquele momento? Saí do quarto e me refugiei num local mais afastado da casa tendo a certeza definitiva de que só o tempo é eterno e deixa as marcas inexoráveis de seus passos em cada um de nós; que é na triste experiência da perda do outro que podemos refletir e entender sobre a vida dando-lhe valor e novo significado.

 

  • Natural de Ubaitaba, Sul da Bahia, é graduada em Pedagogia e Letras, pós-graduada lato sensu em Alfabetização com concentração na área de Linguística e pós-graduada stricto sensu em Linguística. Docente aposentada pela Universidade do Estado da Bahia, onde também ocupou os cargos administrativos de Coordenadora de GT de Implantação dos Campi XIII e XX, Diretora do Campus XIII, Chefe de Departamento do Campus XIII e Coordenadora de Colegiado de Curso no Campus XX. Possui produção literária publicada no Brasil e no exterior em várias antologias, inclusive bilíngues, e é autora do livro Atalhos e Descaminhos lançado em Brasília no XI Encontro Internacional de Escritoras, no Salão do Livro em Paris – França e nas Bienais do Rio de Janeiro e São Paulo. É associada efetiva do Rotary International, onde assumiu os cargos de Presidente de Clube, Presidente de Imagem Pública, Presidente de Desenvolvimento do Quadro Associativo, International President District Scolarship Subcommittee Chair – District 4391 and Honorary Member. Membro efetivo da Academia Brasileira Rotária de Letras – ABROL, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – IGHB, da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia da Bahia e faz parte de diversas instituições literárias no Brasil e no exterior. Na Academia de Letras de Itabuna – ALITA, ocupa a Cadeira 16 e tem como patrono, Abel Pereira.

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MENSAGEM DO IJEXÁ- Ruy Póvoas

Entre muitas belezas que o pintor Carybé produziu, há uma imagem de Oxalufã, numa recriação artística de admirar. Dobrado sobre si mesmo, segurando o opá do mistério, Oxalufã, o mais velho de todos os Orixás,  representa a busca do autoconhecimento que, inevitavelmente, nos leva de volta a nós mesmos. Ele é o senhor das nuvens que cobrem o mundo. Por isso, está permanentemente rebuçado por uma toalha branca, o Alá da Paz.

E sob essa toalha, está a busca do oculto, o encontro marcado com o Destino, a aceitação de si mesmo, o olhar voltado para aquelas áreas da natureza humana, onde a luz é rarefeita ou nenhuma. Daí, o seu poder de revelar o que está oculto nas profundezas de nossa personalidade. E pleno de compaixão, ele abraça a nossa humanidade e nos socorre com as suas bênçãos, numa profunda compreensão da fragilidade e finitude dos humanos.

Então, através de Oxalufã, podemos nos dar conta de alguns fundamentos nos quais é possível basear nossa existência.

Esta época em que vivemos nos obriga mergulhar em constante estado de vigilância, mas também em perspectivas, E por que não dizer? Também em expectativas, pois somos filhos da Luz; não somos filhos da Sombra. Podemos tomar o Oxalufã de Carybé como uma motivação e imaginarmos reflexões.

Os iluminados escolhem, embora muitos ainda estejam na fase de quem precisa esperar para ser escolhido. Por isso mesmo, é necessário render graças por todas as oportunidades que a vida nos oferece, num ato de reconhecimento e gratidão. Não escolhemos ninguém. Os parceiros e parceiras, amigos e companheiros já foram escolhidos pela própria vida, desde que fizemos nossas escolhas.

Cumprir a destinação é nossa tarefa na existência, através das várias experiências, preferências, orientações e tendências nossas. Ocorre, porém, que cumprir o destino nem sempre é fazer aquilo que desejamos. Aliás, muitas vezes, para cumprirmos o nosso destino, é necessário sacrificar alguns sonhos, desejos e vontades. E quem segue um caminho onde suas coisas não estão jamais em tal caminho suas coisas acharão.

Nós somos Luz e Sombra e tudo tem o seu contrário. E só podemos nos encontrar conosco, se aceitarmos essa dualidade em nós. Tomar consciência de nossa Sombra é o marco inicial da grande viagem para além dos nossos próprios limites. A maioria, no entanto, sempre necessita vivenciar muitos altos e baixos na caminhada escolhida.

Na convivência, não podemos condenar os outros por causa de seus pontos de vista. Não devemos julgar o outro, se não o entendemos e desconhecemos sua história.

No grande inimigo de hoje, pode estar o irmão ou o amor de outras vivências, pois não há mistérios apenas no amanhã; o ontem também tem os seus. Por isso, é regra de ouro não odiar pessoa alguma. E afinal, como disse Shakespeare, “há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa pensar nossa vã filosofia.”

Aprendemos muito mais com aqueles que nos condenam do que com os que nos elogiam. Para isso, no entanto, é necessário humildade.

Na existência humana, todas as alegrias desejam ser eternas, mas não são. Todas as tristezas se julgam infinitas; também não são.

Nenhum saber supera as ações de um coração movido pelos sentimentos de misericórdia, compaixão e generosidade. Ai de nós, em nossas limitações, quando não recebemos a misericórdia do outro. Ai do outro, quando ele não é alvejado por nossa misericórdia. Eis uma das grandes causas de tanto sofrimento no mundo.

É necessário que estejamos atentos às bênçãos e oportunidades oferecidas pelo Universo e assumi-las com reconhecimento e gratidão. Quem não agradece o que recebeu não é digno do recebido. Podemos até não as aceitar, mas a cada bênção ou oportunidade rejeitada, cresce o débito consigo mesmo, a ser pago mais tarde, com maiores sacrifícios, inevitavelmente. Na existência, quem quer alcançar a Luz, termina escolhendo muito pouco, o demais é mera aceitação. E quando tomamos consciência disso, a vida se torna um fardo leve, pontuada de momentos de felicidade. Não significa, porém, combinarmos com o erro, o engano ou a estupidez.

Mais cedo ou mais tarde, a vida nos impõe sob forma de destino tudo aquilo que rejeitamos de nós mesmos, mas não é nada fácil tomar consciência de si próprio.

O que  afirmamos constantemente como âncora de nossa fé, não raro,  pode ser indício do que não cremos. Acreditar no que seja falso como se verdadeiro fosse só nos leva até à escuridão.

Só é possível aceitarmos o outro, se tivermos plena aceitação de nós mesmos e isso significa reconhecer nossa própria Sombra. Aí, então é possível pensar em iluminação.

Na labuta da existência, corremos o risco de eleger como tesouros as mesquinharias do cotidiano. Vale, então, lembrar o fundamento: “Onde estiver o teu tesouro, aí estará teu coração.” É necessário, portanto, a constante avaliação daquilo que imaginamos ser nosso tesouro.

Por último, cumpre lembrar o ensinamento de Otura, o décimo quinto Odu de Ifá: “Fale comigo para que eu possa falar com você. Pelas nossas vozes, reconhecemos um ao outro, mesmo que seja na escuridão.”

No mais, Oxalufã nos abençoe e nos guarde hoje e sempre. Que o Alá da Paz nos rebuce com vida, vigor e vitalidade. Axé!

Ruy Póvoas

Ajalá Deré

Babalorixá

Abril 2025

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A FIXAÇÃO DO LUGAR EM FLORISVALDO MATTOS- Por Heloísa Prazeres        

A FIXAÇÃO DO LUGAR EM FLORISVALDO MATTOS

                                                                                   Heloísa Prazeres        

O poeta explora o seu tema mais uma vez, referindo identidade e tradição na poesia da região da Sul da Bahia. Reflete poeticamente sobre a construção do mundo grapiúna, em sua relação com a cultura rural, que é a residência originária do escritor, natural de Água Preta do Mocambo, hoje Uruçuca.
O poema “Só para quem tem mais de 90 anos”, inédito*, resulta da fusão de uma memória lírica associada a pinceladas épicas, que narram e descrevem, com minúcia, e relatam vivências rurais.
O topônimo ‘Barro Vermelho’ é reino preservado pela potência poética. O poeta recupera, com sensibilidade e destreza de recursos, terra, ar, ares, águas fluviais, mundo rural, lugar de encantamento, nomeado, retratado e monumentalizado pela escrita poética. O autor dispõe para o leitor um mundo pleno de ações, pessoas, rituais, objetos e paisagens entronizadas e pacientemente refeitas, a modo de preservá-las. Cito:

Lanço-me para a rua, de cordames
E de moirões ausentes de alimárias
(Cadê Cuscuz, Gasosa e Fortaleza?).
Lá vem chegando a tarde e, dentro em pouco,
Com a brisa de memórias renovadas,
Um amigo, de loiras confidências
Doutros saudosos dias, o crepúsculo.
Chega a hora de voltar para Ubaitaba.

O reinado, o filtro textual é a subjetividade em perspectiva artístico literária; o eu lírico dispõe lembranças (pela determinação descritiva e detalhe construído), nas quais, tudo nos familiariza com o tempo, recuperado pela consagração da memória daquelas vivências idas e vividas.

Mas, essa matéria assim tratada não afasta o autor de sua aparelhagem teórico-crítica de leitor inscrito na tradição moderna. Estamos diante de um intelectual consciente dos seus recursos, sustentado por um edifício de leituras e contínuas apreciações e releituras de modelos da tradição clássica,bucólica, e moderna.
A exemplo de Borges, um intelectual cosmopolita, que se interessou pela poesia da fronteira, pelos gêneros literários da região dos pampas, especialmente argentinos e uruguaios: a vida do gaúcho, mediante o uso de vocabulário e ritmos próprios.

Não surpreende, assim, na poesia de Florisvaldo Mattos o ouvido do escritor. Afeito a modulações sofisticadas e a um imaginário liberto, afim de metáforas singulares, impregnadas de seiva local, em recordações amparadas pelo frescor de vivências e percepções inéditas, conforme fragmento, que exibe a inesperada personificação de acidentes botânicos e geográficos:

 

Hora de beber Água de Meninos,
Grindélia e Biotônico Fontoura,
Com o almanaque de Jeca Tatu,
Que sóis, frondes e riachos receitavam.

 

Arranjado em metro decassílabo e ritmado em rimas toantes, o poema nem necessita assinatura para quem for minimamente familiarizado com esta poética de um mestre da lírica nacional.

 

* SÓ PARA QUEM TEM MAIS DE 90 ANOS

Nunca pensé, creédmelo, un instante
Volver a ver esta querida tierra,
Pero ahora que he vuelto no compreendo
Cómo pude alejarme de su puerta.
Nada ha cambiado, ni sus casas blancas
Ni sus viejos portones de madera.
*
Nicanor Parra (Chile, 1914-2018)

Saudades, lá, do meu Barro Vermelho.
Memória é o que me prende a esta manhã.

Deixo Ubaitaba rumo à estrada rude,
De pedras e cascalho imorredouros,
E volto ao chão, que antigo sonho aduba.
Desço a ladeira que antes me levava,
Pela jindiba, à mata e ao jaqueiral,
E avisto a casa branca (a que voava),
A do armazém de secos e molhados,
Com suas quatro portas e janela,
Onde meu pai, sentado, repassava
Um borderô de muitos devedores.

À minha frente, a mesma serrania,
Os campos das alegres cavalgadas,
De caçar saracuras pelos brejos;
(Filho de um ano, junto a mim, sorri).
Perto, o quintal de porcos e galinhas,
Da gestação de pintos e leitões,
Como também a sombra do arvoredo,
De onde cantos, em sinfonia, vinham,
De guriatãs, sabiás e bem-te-vis.
O terreiro dos gritos do tropeiro,
Arreando burros, neste tempo novo,
De levar e trazer mercadorias.

Sobre cercas de arame, enfileirados,
Postam-se curiós, pardais e anus,
Junto ao curral do gado de matança.
Preso ao guiso de alegres aventuras,
Por ali, tomo o rumo das pastagens,
De capim verde e mulas de bom passo.
Lá está o cajueiro farto de cajus,
Com os sanhaços, de pronto, a devorá-los.
Deixo de lado as canas do alambique
E sigo pelo riacho a pescar piabas.

Lembro os meus cinco irmãos, infantes todos,
(Duas irmãs), sem roupas remendadas.
As noites de São João, de muitos fogos,
E a fogueira estalando no terreiro.
Tardes sem chuva, de poentes fulvos,
Que me embeveciam, no jardim com flores;
Casas de palha e de amassado barro,
De onde a alegria nunca se ausentava;
Garotos correm, com seus alçapões,
Dentro da mata, à caça de saruês.

De noite, sobre os mudos cacaueiros,
A lua, abandonando o firmamento,
Vem segredar-se com a mamãe Gertrudes
E vai dormir no colo de Mãe-Dé.
Hora de beber Água de Meninos,
Grindélia e Biotônico Fontoura,
Com o almanaque de Jeca Tatu,
Que sóis, frondes e riachos receitavam.

Encosto numa porta e escuto o som
Do rádio, com seus sambas e emboladas.
Penetro no armazém, outrora um luxo,
Sem prateleiras nas paredes lisas.
Piso o chão de cimento envelhecido
E de couros de boi despedaçados.

Lanço-me para a rua, de cordames
E de moirões ausentes de alimárias
(Cadê Cuscuz, Gasosa e Fortaleza?).
Lá vem chegando a tarde e, dentro em pouco,
Com a brisa de memórias renovadas,
Um amigo, de loiras confidências
Doutros saudosos dias, o crepúsculo.
Chega a hora de voltar para Ubaitaba.

Paro o carro nas abas da jindiba
E miro o vasto prado verdejante.
Já disse um dia, de passar sereno:
Vindo do amanhecer, sonhar é tudo,
Sem abrir portas para o esquecimento.
Tempos de amor e de sentir vividos,
Num dilúvio de ardências e clamores,
Que me abarrota o coração de sonhos!

Obrigado, amado Barro Vermelho,
Por esse dia que me fez feliz!

(Florisvaldo Mattos. Salvador-BA, quarta-feira, 29/04/2025)

Heloísa Prazeres é professora adjunta, aposentada do IL, UFBA. Ocupa a cadeira nº 26 da Academia das Letras da Bahia e é membro titular, Cadeira n° 14, da Alita, Academia de Letras de Itabuna. Life member of the International Alumni Association. Membro da União Brasileira de Escritores, ensaísta e poeta. Obra principal: PRAZERES, Heloísa. Temas e teimas em narrativas baianas do Centro-Sul, 2000; Arcos de sentido: literatura, tradução e memória cultural, 2018. Poesia: Pequena História, 2014; Casa onde habitamos, 2016; Tenda acesa, 2020; A vigília dos Peixes, 2021; O tempo não detém a vida, 2023; Nossa casa alheia, 2024.

 

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CARLOS VALDER- Por Cyro de Mattos

Depois de sofrimento adiantado, recolhido em unidade hospitalar de terapia intensiva, nosso confrade Carlos Valder finalmente descansou e nos deixa para o repouso eterno. Homem atencioso, elegante no gesto e educado no trato. Vocação legítima de jurista e advogado de cabedal impecável.  Foi mais um notável que indiquei e convidei para fazer parte do corpo associativo da Academia de Letras de Itabuna.  Durante seu exercício de membro da entidade compareceu às sessões mensais, até na hora mais difícil que a instituição enfrentou e esteve prestes de fechar as portas. Foi no tempo em que Sônia Maron era a presidenta e não entregou os pontos, seguiu em frente na companhia de poucos abnegados.

Certa vez me convidou para que comparecesse a uma sessão solene de uma formatura de bacharéis em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz, da qual era o padrinho. Isso foi há muito tempo. Adiantou que eu não faltasse, queria me fazer uma surpresa. Tinha conhecimento que Carlos Valder era poeta bissexto, mas não sabia que era leitor de minha poética.  Sua fala de conteúdo rico e exortação aos afilhados para que fossem advogados eficientes e éticos, entre muitos que surgiam a cada ano, foi muito aplaudida pela numerosa plateia.  Foi encerrada com a récita do meu poema Do Viajante e do Tempo, do livro Lavrador Inventivo (1984). Seu gesto muito me comoveu. Agradeci entre alegre e sem saber se de fato merecia aquela lembrança, em momento tão dele e de seus filhados.

Com a sua partida, Carlos Valder deixa um legado jurídico magnífico. E assim procede quem tem algo para deixar de útil aos que ficam entre confortados e saudosos com o trânsito de um homem de vasto saber nesse velho e pobre mundo. Repercute dessa forma o legado com efeitos positivos de acordo o tamanho e riqueza de seu construtor. Não é preciso ser jurista para saber o quanto o legado de Carlos Valder é extenso e precioso. Há tempos alcançou os patamares nacionais.

Foi um autor incansável de livros jurídicos, possuía seguro conhecimento de Direito Tributário, Direito Financeiro, Direito Administrativo e Direito Constitucional. Tornou-se por isso uma das pilastras no ensino da nossa querida Universidade Estadual de Santa Cruz. Sua doutrinação sobre os conceitos do Direito e sua prática jurisdicional ecoou até no Supremo Tribunal Federal.

Ele me dava conhecimento de suas proezas, os acórdãos dos tribunais brasileiros com apoio na sua doutrinação do Direito. Não se apartava um só momento da luta pelo direito. Nascido e radicado nessas terras grapiúnas era um jurista conhecido lá fora, pois avançara demais no tempo em que os humanos sempre precisarão como seres gregários para sobreviver de normas que regrem e executem o estado de Direito. Para que a liberdade não desapareça e o sentimento do amor seja sempre forte.

Vai fazer grande falta. Com a lágrima presa no olho, dou meus sentimentos de pesar à esposa Dinalva e aos familiares, nessa hora de dor e saudade diante do inexorável. Deus derrame sua luz sobre esse confrade dileto, ético e erudito.

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RESENHA SONHOS DE VIVER- Tica Simões

Aleilton Fonseca.  Sonhos de Viver. Salvador: Camarurê Publicações, 2022.

Os seis contos que integram o livro Sonhos de Viver, de Aleilton Fonseca, são mesmo contos exemplares, como bem disse André Seffrin, no prefácio que abre o livro.

A dedicatória já dá pista ao leitor sobre o pessoano “fingimento” do narrador. E a “dor que deveras sente”  pode ser sentida ao longo dos contos, por nuances diversas: seja  na temática que evidencia sempre o singular  olhar de viveres diversos:  seja na linguagem lírica que  potencializa a sua observação da vida; seja nos temas de cada conto, temas esses relacionados, de uma forma ou outra, aos sonhos, às artes e à natureza.

Em todos os contos, forte é o sentimento do outro, a solidariedade, a humanidade. Assim, elegendo personagens menos favorecidos que, no entanto, habitam e convivem com a faixa mais abastada da sociedade, AF foca-os ressaltando, com especial sensibilidade, os abismos sociais, que  povoam sonhos de viver, na ficção e na vida…

O primeiro conto, Os Acordes da Banda, encanta pelo sentimento contido nas ações do maestro Chico Augusto; por seu grande amor à arte a ponto de perdoar uma tão grande traição do maestro Lídio.

As Lições do Jardineiro é conto que  faz pensar e entender como aprender a cultivar jardins de vida. Neles, lindas rosas que simbolizam sonhos, “o jardineiro é […] um poeta das plantas e das flores” (p.40).

O olhar pelo foco social – Vidas de Barro, O homem da Calçada e Diarista Exemplar – evidenciam a luta dos mais fracos, ressaltando o amor que dá força para vencer até intempéries, mesmo ante a indiferença dos mais aquinhoados.

Mas é o conto Dona Tute que fecha, com chave de ouro, a proposta anunciada na dedicatória e sutilmente revelada pelo narrador ao falar do “filho adotivo. Ele que agora reinventa, nesta escrita, as suas aventuras, com as cores e as metáforas do coração […] para celebrar a sua trajetória de vida” (p.62). Uma bela  homenagem  a quem o livro é dedicado!

                                                                               Maria de Lourdes Netto Simões (Tica Simões)

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RESENHA ORATÓRIO DAS ÁGUAS- Tica Simões

Gustavo Felicíssimo. Oratório das Águas. Itabuna: Mondrongo, 2021.

 

Poesia  “de insondável viço”, sinaliza o Epílogo  do livro.

A água, tomada como metáfora, faz fluir as reflexões sobre  a existência, a vida, o fazer poético.  Como esclarece na Nota ao Leitor, Gustavo Felicíssimo toma os mitos de Phaêton e Narciso para a sua postura poética, buscando afastar-se da vaidade ou individualidade. Toma para si o conselho de Helios a Phaêton: “voa no meio e correrás seguro”.

Nada excede no livro, que se estrutura  em Exórdio, Nascentes , Rios, Mares e Epílogo.

Desde o Exórdio,  anuncia os seus  propósitos metafóricos ”na condição de água […] apenas um mergulho, talvez” (p.16) . Intertextualidades atravessam os seus versos, com  presenças anunciadas em notas (Cecília Meireles, Jorge Araújo, Pablo Neruda, Sosígenes Costa, Aleilton Fonseca, dentre outros), ou sentidas em postura filosófica panteísta (Alberto Caeiro/ Fernando Pessoa, Espinosa, …): “[…] para que em águas puras eu me purifique […] a eles sempre rogo o próximo verso.” (p. 23)

As águas são muitas e infindas, diria Caminha. Desde Nascentes, as águas são dos rios e dos mares, o cerne poético.

Nascentes, em panteísmo, na metáfora da água,  realiza a metalinguagem dos seus versos:  “Minha palavra não é um badalar de sinos/ não se iguala  às árias dos pássaros/ não penetra a alma  das flores/ não reflete a claridade do infinito/ Minha palavra é essa nascente/ esse arroio no qual me assento […] (p.29).  Ou ainda: “[…] escrever é como percorrer/ a linha d’água que se derrama/ da ânfora infinita/ onde moram as palavras” (p. 33).

Em Rios, o poeta faz o correr da vida, pari passu, com o correr das águas doces, identificando o processo de criação poética com o da natureza,  “no rumor de todas as águas/ No canto de todos os pássaros/ na força do vento nos arvoredos” (p.36).  E afirma mesmo: “Esses rios sinuosos são a vida” (p. 37).  Ainda em postura panteísta, reafirma a metáfora: “Esses rios não são o que digo/ Às vezes o vento para de soprar/ e o rio se torna um espelho/ Nele vejo a face de todas as coisas / o que alguns chamariam de Deus”. (p.38).  Mas, se os rios correm naturalmente para o mar, para o poeta “eles correm é para dentro de mim/ e eu emudeço – remanso que sou/ Os deixo fluir em meus versos/ e os aceito como a mim se revelaram” (p.40).  Confirma a própria reflexão sobre a poesia, realizando um original  processo de metalinguagem, quando afirma: “Tudo aqui são águas e são também/ a mais perfeita definição de poesia” (p.45) . Como “uma ciranda” a água é devolvida para a água, a palavra é devolvida em poesia…

Mares, também metaforicamente, traz a história e o fazer poético: “Outrora aqui chegaram as naus/ que venceram os oceanos/ Agora  surgem esses versos/ como se fossem Argonautas” (p.51). Remete à Mensagem, de Fernando Pessoa: “Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.” (O Infante. Mar Portuguez. Obra Completa. Rio de Janeiro, Aguillar, 1986, P. 78).   Ainda, lembrando Fernando Pessoa   (“O’ MAR SALGADO, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal” Idem, p. 82),    diz: “Trago uma lágrima após outra lágrima/ que é como uma onda após outra onda” (p. 51). E em versos plásticos, intertextuais, visuais e múltiplos evidencia o avançar das naus; o avançar da sua poesia: “de lufada em lufada prossigo” (p.52); “ E se as ondas me levam/ o meu ser, refluente, navega” (p.55).

 Depois, a consciência do fazer poético, pois “quando tudo é calmaria […] o poema vai se construindo/ à revelia de toda efusão marítima” (p. 58)

O Epílogo, conclusão do livro, das reflexões metafóricas, do fazer poético. “Tenho o corpo coberto de água/ posto que nela me sepulto […] pois água é a vida que a tudo rege” (p.66).

O poeta “descobriu na linguagem/ a mais adequada medida do seu êxito” (p.67). Assim, dando a volta,  retoma o mito, conseguindo ouvir o conselho de Helios: “voa no meio e correrás seguro”.  E seguro corre esse belo texto, que é ORATÓRIO DAS ÁGUAS,  ilustrado por Gabriel Ferreira.

                                                               Maria de Lourdes Netto Simões (Tica Simões)

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