Produção Literaria

POEMAS de Gustavo Cunha

VÔO RASANTE

                                Gustavo Cunha

A travessa que atravesso traduz
Toda Tormenta da travessia
De quem travou tantas histórias
De páginas viradas ao dia,

Para a noite chegar em espasmos
De ausência de luz e de cor,
Onde então se escondeu o amor,
Extinto para nos deixar pasmos.

Grito: – dor, vai-se embora de mim,
Já não tenho mais o remédio!
Vai-se, medo! Vai-se tédio!
Vai-se logo, ó ave ruim.

 

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ORAÇÃO

                                Gustavo Cunha

Fechem as portas da Terra,
Não deixem vir mais ninguém!
Ouça, ouvido do além:
Encerra as portas! Encerra!

A guerra diverte a morte,
Na esquina mais um corpo cai.
A espada acerta o corte,
E mais uma vida se vai

Uma hora homem vivo:
Força, movimento e emoção.
Outra hora uma alma sem abrigo,
Um corpo degradado sob o chão.

Quem fere, quem mata,
Nasce , e por quê?
E de quem a vida escapa?
Por que nascer?

Por isso lhe peço esse feito,
Por isso lhe rogo em verso,
Tranca todas as portas do universo:
Esse mundo já não tem jeito.

 

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CASA DO NORTE

                                Gustavo Cunha

Nada vinga naquele lugar.
O agouro dos ventos fortes
Chega cheio de morte,
Ceifando as vidas de lá.

A água, sua vizinha,
Outrora azul e marinha
Hoje é caldo cinza de mar.

O branco alvo d’areia
Nem mesmo a lua cheia
Conseguiu fazer voltar.

E foi buscando melhor sorte,
Que tudo de lá que estava em mim
Correu em um caminho sem fim,
Para longe das agruras do norte.

 

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OMISSÃO NA CULTURA- Cyro de Mattos

A quem cabe zelar pela cultura de um povo e não corresponde aos seus apelos comete omissão imperdoável. A cultura alimenta a autoestima e reforça os laços identitários de uma sociedade nas suas relações com a vida.  Se a educação é o corpo da sociedade, que precisa ser bem alimentado, que dizer de sua alma, a cultura? Quem não valoriza a cultura de seu povo, contribui para que não haja resposta quando se pergunta qual é o seu nome, onde você nasceu e para onde você vai. Torna assim o ser humano um caminhante no vazio do estar para viver ou, se quiserem, cadáver ambulante que procria, como diz o poeta Fernando Pessoa.

O que vemos por aqui entristece. Ainda hoje viceja esse comportamento atávico para anular o que foi produzido para representar e permanecer como referência do nosso patrimônio cultural. O Museu da Casa Verde, por exemplo, que antes foi o espaço de convivência social da elite, com reuniões importantes de políticos, quando então eram debatidos assuntos relevantes de nossa cidade, encontra-se fechado há tempos. Seu patrimônio valioso, que muito diz sobre a história da burguesia cacaueira no tempo dos coronéis, está encoberto pelas sombras da indiferença do poder público. Assim contribui para que o visitante, o estudante e o habitante dessa terra desconheçam um capítulo importante da civilização do cacau, com seus costumes, valores, linguagens, suas relações políticas e sociais como marcas de uma maneira singular de proceder perante o mundo.  Não recebe o mínimo apoio do poder público, da classe empresarial e de clube de serviço, para que se torne um espaço movimentado com vistas ao conhecimento da história coletiva municipal e regional.

O quiosque Walter Moreira, na praça Olinto Leoni, obra realizada na gestão do professor Flávio Simões, quando presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania, foi demolido. Já serviu para exposições de artistas plásticos locais, comércio de artesanato, lançamento de livro e local como parte das comemorações no Dia de Cidade, com exposição de fotos históricas e dos prefeitos. Dá pena saber o destino que impuseram ao Quiosque Walter Moreira no jardim da Praça Olinto Leoni. A memória desse artista da cor, que passou uma vida retratando na tela a paisagem humana e física dessa terra, não merece essa pancada.

O Monumento da Saga Grapiúna, criado pelo artista Richard Wagner, itabunense de fama mundial, erguido nas proximidades do Supermercado Jequitibá, é uma homenagem aos elementos formadores da civilização grapiúna – o sergipano, o negro, o índio e o árabe, e não está tendo melhor destino. Monumento que remete as gerações de hoje e de amanhã à infância da civilização do cacau, em nossa cidade e na região, encontra-se também no descaso. O gradil protetor ao seu redor está danificado, lá dentro o seu interior serve de depósito de coisas imprestáveis e lixo. Não existe fiscalização nem proteção para preservar uma obra artística e cultural de valor inestimável.  Árvores cresceram ao seu redor, tirando-lhe a visibilidade.

Com sua beleza rica de significados, em que se retrata a história da civilização cacaueira baiana, representada em figuras, símbolos, cenas e paisagens, o painel composto de azulejos, criado pela arte genial de Genaro de Carvalho, instalado no prédio Comendador Firmino Alves, onde funcionava o antigo Banco Econômico, entre a avenida do Cinquentenário e a praça Adami, nos idos de 1953, é indiscutivelmente um dos patrimônios artísticos de incalculável valor dessa terra  onde nasceram o romancista Jorge Amado e o poeta  Telmo Padilha.

Essa obra de arte magnífica esteve entregue à indiferença de autoridades, ao longo dos anos.   Ficou sem alguns azulejos, na frente serviu para que camelôs fixassem seus produtos à venda no comércio informal. A FICC fez a reconstituição das avarias no painel, mas até hoje a valiosa obra de Genaro de Carvalho não teve a preservação merecida para que seu estado não volte como antes. Na frente dele, camelôs improvisam o gradil como expositor para vender seus produtos. Dentro do gradil protetor guardam a bicicleta.  A poluição visual do painel às vezes prossegue com a faixa estendida de um poste a outro, na frente, para anunciar a venda de um produto novo chegado ao comércio local.

O prédio do Colégio Divina Providência e o do Cine Itabuna tomaram uma destinação comercial, nem parece que ali a vida saudável fez morada, através de gerações que aprendiam com mestres do ensino em um e se divertiam com Oscarito e Grande Otelo, o Gordo e o Magro, no outro.

Perdemos o Castelinho, o Cine Itabuna, o prédio do Ginásio Divina Providência, o casarão do coronel Henrique Alves dos Reis, o Campo da Desportiva, o Teatrinho ABC na Praça Camacã, a fachada da residência onde morou o comendador Firmino Alves e sua família na praça Olinto Leoni está desfigurada. Até quando vamos continuar maltratando a nossa memória e o nosso patrimônio arquitetônico, portador de rico simbolismo em nossa história?

E o rio Cachoeira, que tanto contribuiu para a progressão da cidade, alimentou os pobres, forneceu ganho às gentes do povo, teve peixe em abundância quando as águas eram claras? Há tempos vem chorando água, virou um esgoto a céu aberto.

Estamos perto das eleições municipais. Será que com o prefeito que vai chegar, ou mesmo que o atual se reeleja, ocorrerá mudança nessa mentalidade tacanha? Tomara!  Ainda há tempo para amparar a nossa cultura, que é rica de conteúdo e história, e salvar o que resta. Basta boa vontade.

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 Cyro de Mattos nasceu em Itabuna, no Sul da Bahia, é autor de 67 livros pessoais, de diversos gêneros.  Editado e publicado também em Portugal, Itália, Espanha, França, Alemanha, Dinamarca, Rússia, México, Cuba e Estados Unidos. Premiado no Brasil, Portugal, Itália, México e Cuba. Conquistou o Prêmio Casa das Américas 2023. Membro das Academias de Letras da Bahia, Ilhéus e Itabuna. Presidente de Honra da Academia de Letras de Itabuna-ALITA. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz (Sul da Bahia). Distinguido com a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara de Vereadores de Salvador. Recebeu a Comenda Dois de Julho da Assembleia Legislativa da Bahia.

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MENSAGEM PARA RAQUEL- Silvio Porto

Discurso proferido na Posse da nova Diretoria  da Academia de Letras de Itabuna.

 

“Non vi, sed arte! (“Não pela força, sim pela arte!”)

“As virtudes do homem e da mulher superiores são como o vento, as virtudes de um homem e de uma mulher comum são como o capim; quando vento passa o capim se curva.”

Digníssima Senhora Raquel Rocha, Presidente empossada hoje da Academia de Letras de Itabuna.

Senhoras e Senhores Acadêmicos!

Minha família, meus amigos, autoridades aqui presentes, demais convidados para esta noite memorável.

Falar neste cenáculo literário, por onde passaram e ainda frequentam proeminentes figuras do ambiente acadêmico , artístico, intelectual e político da nossa terra , não apenas dignifica, como consagra a alma. Louvo o trabalho de todos que  produzem escritos, livros, artigos, discursos e que levam com certeza  a plenitude da vida.

É uma honra para mim, desfrutar da companhia de nobres e imortais confrades e confreiras e vir até aqui dar as boas vindas a nossa querida Presidente Raquel Rocha.

Austregésilo de Athayde ao se referir a Machado de Assis, pela iniciativa de fundar a Academia Brasileira  de Letras , patrono das letras brasileiras,  disse: “ Machado escolhe uma forma de aperfeiçoamento dos valores intelectuais que são os últimos vestígios que se apagam na história tormentosa da humanidade”.

Nesta Academia , minha Presidente espero que revigore sempre a palavra Liberdade.

Ainda na obra Machadiana, encontramos: “A liberdade não morre onde restar uma folha de papel para decreta-la”.

Que o amor a liberdade seja uma bandeira firme e sempre hasteada na sua jornada nesta Academia.

Que a sua gestão seja democrática.

Democracia como um valor , uma prática diária, um princípio ético para todos independente de suas crenças, ideologias e de seus conceitos.

Aprendi o que não se registra o tempo leva. É por isso e para isso que devemos escrever o que aprendemos de nossos avós e de nossos pais.

A transmissão oral pode ficar para sempre em algumas situações, mas muita coisa pode se perder.

É considerado imortal todo aquele que fez ou faz de sua vida uma obra a ser lida, a ser seguida, a ser admirada, a ser internalizada. É objetivo da Academia de Letras de Itabuna,  manter viva, na memória de todos, a contribuição que ilustres homens e mulheres deram, no sentido de colaborar para o aperfeiçoamento da sociedade e da humanidade.

A imortalidade de uma pessoa pode estar em sua vida, em sua arte, em sua obra, em sua descendência.

Francisca Praguer Fróes, foi uma das primeiras mulheres formadas em Medicina, pioneira em todas as áreas em que atuou, principalmente na defesa dos direitos femininos. Ela dizia: “Eu sou feminista por herança e convicção”; “A inferioridade da mulher não é fisiológica, nem psicológica; ela é social.”

Jorge Calmon um imortal, disse “é o principio que faz de qualquer pessoa, letrada ou não, um imortal.”

Ele diz: “Efetivamente, há homens e mulheres  que se tornam instituições. São Poucos e poucas.  Constituem exceções.

A regra geral é o lugar comum,  que a lei da vida vai tangendo, em marcha entre o nascimento e a morte. Nessa indistinta mediania, as inteligências não brilham, o esforço não avulta, o caráter não logra atingir forma, consistência. “

É a grande planície dos homens e mulheres comuns. Vez por outra, desse solo grapiuna nasce ou surge por adoção  uma mulher guerreira e que luta pelo que acredita.

O talento, a virtude, o mérito rompem a vulgaridade e projetam um futuro promissor para todos que amam a cultura e a arte.

Raquel essa é a casa de todos confrades e confreiras vivos da Alita e mais de Sônia Maron, de Delile Oliveira, de Adonias Filho, de Telmo Padilha, de Firmino Rocha, Valdelice Pinheiro, Jorge Amado, Carlos Eduardo Passos, Gil Nunes Maia, Sosigenes Costa, Hélio Pólvora, entre outros gigantes da nossa Academia. Você sempre estará bem acompanhada, seja com exemplos ou boas lembranças.

Você hoje assume um compromisso. Um compromisso de manter viva  a arte e a cultura no sul da Bahia, na Bahia e no Brasil.

De lutar pela Liberdade!

De lutar pela Democracia!

Meus agradecimentos pela oportunidade de falar para uma plateia tão distinta e culta.

Boa sorte Raquel ao lado dos confrades e confreiras:

Lurdes Bertol, nossa Vice-Presidente

Eliabe Izabel de Moraes, nossa 1°. Secretária

Maria Luisa Nora,  nossa 2°. Secretária

Gustavo Veloso, nosso 1°. Tesoureiro

Marcos Bandeira, nosso 2°. Tesoureiro

Margarida Fahel,  nossa Diretora da Revista

Sérgio Sepúlveda, nosso Diretor de Ações Culturais

Clovis Junior, nosso Diretor da Biblioteca

Heloísa Prazeres, como Diretora do Arquivo

Rafael Gama, nosso Diretor de Comunicação Social e Marketing

Gustavo Cunha, como nosso Diretor de Projetos e Pesquisas.

Raquel seja o farol da Liberdade na nossa Alita!

Deus seja louvado!

Silvio Porto de Oliveira.

Presidente da Academia de Medicina de Itabuna.

Em 20/04/2024.

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INOCÊNCIA SEM FLOR- Cyro de Mattos

Inocência sem Flor
Conto de Cyro de Mattos

A história do Brasil pode ser considerada pelo lado do negro com três pês: pão, pano, pancada. Pelo lado do indígena, entram nessa história feita de assombros nas caçadas humanas três emes: missa, miçanga, mato.
Capítulos dessa história, impregnada de usurpação e açoite, dizem que o Brasil Colonial formou uma dívida com o negro e o indígena que de tão grande nas léguas da desgraça tornou-se impagável.
Em algumas paragens desse Brasil continental, pisado pelo colonizador ávido, chegou-se ao ponto de terem desaparecido populações indígenas que viviam em perfeito entendimento com a natureza, tirando dela apenas o necessário para a sobrevivência.
Às vezes, escuto vozes que rolam dos longes nesses rastros da desgraça. Como acreditar? Houve uma mancha que envergonha. A fuga em desespero tingiu a manhã do horror na taba queimada. Por entre as sombras do que é perverso e não se apaga, remorso não existiu dos que feriram os hábitos da inocência irmanados com o verdor da mata, dizimaram a aldeia, forjaram a chacina, denominando as cenas insanas de façanhas.
Quem saberá quantos ventos na fuga de uma gente sem rumo entoaram lamentos de uma triste música? Gemidos produzidos nas entranhas da selva impenetrável? Como se nada de horror acontecesse num mundo que amanhecia cheio de passaradas, brilhos e fragrâncias.
Pasmem os céus, até hoje sentimentos que escorrem em dó e lágrima ressurgem desses rastros que machucam. Tive conhecimento que a virgindade de meninas indígenas vale pouco, muito pouco, em São Mateus, município situado nos confins do braço norte do território do Japará. Lá um homem branco compra a virgindade de uma menina indígena também com aparelho celular, peça de roupa de marca e com uma caixa de bombom.
As mães das vítimas pediram à polícia há um ano para apurar o caso. Nenhum suspeito foi preso até agora.
Doze meninas já prestaram depoimento. Elas relataram que foram exploradas sexualmente e indicaram nove homens como os autores do crime. Entre eles, há comerciantes locais, um ex-vereador, um médico chamado Pedro de Deus, um farmacêutico, dois sargentos e um açougueiro.
As vítimas vivem na periferia de São Mateus do Japará, município de baixa renda, que vive das atividades agrícolas, com base em lavouras primárias, de pouca duração, nas estações temperadas de sol e chuva. São Mateus do Japará tem quase cem por cento da população formada por gente indígena. Calcula-se que a população seja de quinze mil pessoas.
Entre as meninas exploradas, há as que foram ameaçadas pelos suspeitos. Algumas foram obrigadas a se mudar para casa de familiares, na esperança de ficarem seguras. O repórter da revista “O Planeta” ficou interessado pelo caso logo que tomou conhecimento.
Conversou com algumas dessas meninas. Criou inicial fictícia para cada uma delas, querendo com isso dificultar a identificação.
B, de 12 anos, conta que vendeu a virgindade para um vereador. O acerto, afirmou, ocorreu por meio de uma prima dela, que é também adolescente.
“Ele me levou para o quarto e tirou minha roupa. Foi a primeira vez, fiquei depois sem saber o que fazer.”
A menina informou que uma amiga dela esteve duas vezes com um comerciante.
“Na primeira vez, ela também foi obrigada. Ele deu um celular.”
Já L, de 11 anos, disse que ela e outras meninas ganharam chocolates, dinheiro e roupa de marca em troca da virgindade. Como aconteceu com as outras na primeira vez, ela foi também obrigada. Recebeu trinta reais e uma caixa de chocolates.
Outra menina, S, de 13 anos, disse que presenciou encontros de sete homens com meninas de até dez anos.
“Eu vi meninas passando aquela situação, sem poder fazer nada.” Comentou que eles sempre dão dinheiro em troca disso (da virgindade).
Ela aceitou falar ao repórter porque já tinha denunciado tudo à polícia federal. Sabia que o pior podia acontecer, mas não tinha medo de nada.
“O homem que me usou primeiro falou que se continuasse denunciando eu iria junto com ele pra cadeia.”
A mãe de S disse que, se ela abrir a boca, o homem que tirou a virgindade da filha vai mandar matar ela.
Não é difícil imaginar que a menina S tinha os olhos sumidos no rosto sem brilho, durante a entrevista que deu ao repórter de “O Planeta”.
Quase não saiu o que disse no final:
“Na primeira vez senti as coxas doloridas. A boca com um gosto de coisa ruim. Depois fiquei triste”.

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VERBALIDADE, EDITAL E APALAVRANDRO- Ruy Póvoas

VERBALIDADE

Oh, verbo defectivo,
me valha mesmo
com seus defeitos.
Ensina-me não ter
todas as pessoas.
Algumas bastam
para um viver tranquilo.
Teu parente,
o impessoal,
é por demais arrogante
e atua sem pessoa alguma.
Diferente dele,
sou a própria pessoa
que precisa de pessoas
no meu viver em rumas.

Ruy Póvoas
13/4/24

 

EDITAL

“Va, pensiero!”
Vá, piseiro,
vá, sonâmbulo,
e acabe esta dormência.

Ultrapasse a inocência
e peça à saudade exótica
um pouco de clemência
para este viver impenitente.

A depender da resposta,
vá, pensamento,
leve também sentimento.

E me traga qualquer notícia
do arquivo sepultado
sob a laje do esquecimento.

Ruy Póvoas
11/4/24

 

APALAVANDRO

Sou eterno viajor
da estrela guia,
cuja luz é a palavra.
Nela, me envolvo,
buscando afungentar
sombras do descalabro.
Na invasão por ela provocada,
nos meandros de mim mesmo,
entro em convulsão
e nem em mim mesmo
me caibo.
Ela me carrega
pelos nove espaços do Orun,
onde se dissipa qualquer treva
e todo medo se acaba.

Ruy Póvoas
15/03/24

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PARA ANDRÉ ROSA, COM UM POUCO DA SUA POESIA SÉPIA- Baisa Nora

André, Andante, Cantabile… e a sua vontade de ir embora, de perder vínculos conosco e criá- los com” pedras e algas”. Ele quis ir com” mãos feridas e sujas de destino”, cheio de ” coragem e medo” porque “lugar algum o esperava”. E tantos o esperaram, André, tantas pessoas e tantos lugares.
Você se dizia ” duna e movediço”. E era. Quem seria capaz de segurá- lo, amigo, se você ” acatava todos os desapegos”?
” Vou- me embora: soluço e tempestade”.
Será que foi assim, André, ou seu espírito livre o fazia escapar, não admitia amarras?
Nunca mais” soluço e tempestade”. Chegou o tempo da calmaria, de estar sempre com seu sorriso meio tímido e meio sonso, com sua gentileza, este traço tão seu. Ela, a gentileza,
abrirá todas as portas e todos os braços para o aconchego.
Você chegará ao som de atabaques, mas a música será um acalanto e a letra lhe dirá: dorme, menino grande, pois os que o precederam estarão perto de você e não sairão até que você entenda que fez a passagem, que deixou muita tristeza, muita saudade, mas deixou também uma vida que fez a diferença na história da nossa Região e as melhores lembranças nos seus muitos amigos.

Baisa Nora

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ANDRÉ ROSA: NOS TRILHOS DA MEMÓRIA– Raquel Rocha

Hoje nos despedimos de uma figura inestimável não só para Ilhéus, para toda a região sul da Bahia. André Rosa, professor, pesquisador e escritor excepcional, deixa um legado profundamente enraizado na pesquisa histórica, na educação e na preservação cultural. Com uma formação sólida, adquirida através de sua graduação e pós-graduação em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz, seguidas de um mestrado e doutorado pela Universidade Federal da Bahia, onde também completou seu pós-doutorado, André se estabeleceu como uma autoridade em sua área. Ele era apaixonado por estudar, ensinar e narrar a história.

Conheci André em 2009, durante as filmagens do meu primeiro documentário, “Nos Trilhos do Tempo”, que conta a história da esquecida ferrovia da cidade de Ilhéus, desativada em 1964. Nesse filme, André não foi apenas um entrevistado; ele foi uma voz guia que, com profundo conhecimento, conduziu a narrativa acadêmica, entrelaçando-a com as experiências de quem viveu às margens da ferrovia. Seu depoimento, feito ao lado do último vagão abandonado, ajudou a resgatar a memória da ferrovia como um símbolo de identidades e história.

André partiu cedo, aos 57 anos, no dia 07 de abril de 2024, devido a uma parada cardiorrespiratória. Mesmo partindo prematuramente, deixou um vasto legado. Suas obras incluem títulos como “Ilhéus: Tempo, Espaço e Cultura” (1999), “Família, poder e mito” (2001), “Memória e Identidade” (2005), “Morte e Gênero: estudos sobre a obra de Jorge Amado” (2012), “In Memoriam: urbanismo, literatura e morte” (2018) e a cartilha “Samba de Terreiro: memória e identidade afro-brasileira no litoral sul da Bahia” (2015), além de “Quintais do Tempo” (2012) e “Inventário do Caos” (2019), na área da literatura. Como membro da Academia de Letras de Ilhéus e do Instituto Histórico e Geográfico de Ilhéus. Membro da Academia de Letras de Ilhéus e do Instituto Histórico e Geográfico de Ilhéus.

André Rosa deixa para trás não apenas um arquivo de publicações e um impacto na comunidade acadêmica, mas também um exemplo de dedicação. Através de seu trabalho como historiador e educador, ele inspirou inúmeras pessoas a olharem para o passado com curiosidade e respeito, buscando compreender melhor as narrativas que compõem nossa identidade coletiva.

Que sua memória continue a inspirar futuras gerações a preservar e valorizar nossa rica herança cultural. Descanse em paz, André.

Raquel Rocha

07 de abril de 2024

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