JOÃO UBALDO RIBEIRO: UMA REFERÊNCIA- Sione Porto

Por Sione Porto

Não somos brancos, negros ou índios; somos baianos. Não pertencemos, no maior rigor da palavra, a nenhuma religião, nem mesmo somos ateus; somos baianos. Não pretendemos ser melhores que ninguém. Mas somos baianos. (Trecho do discurso de posse na Academia Baiana de Letras).

À exceção de Nélson Rodrigues, Fernando Sabino e Millôr Fernandes, o escritor e jornalista João Ubaldo Ribeiro foi um dos maiores cronistas, crítico/sátiro, da literatura brasileira.

Não queria ser lembrado com um mito, e sim companheiro de pessoas comuns e humildes, a exemplo dos velhos conhecidos com que se encontrava nas manhãs ensolaradas e nas tardes amenas na Ilha de Itaparica, Bahia, onde nasceu em 23 de janeiro de 1941, local em que se refugiava nas férias de janeiro e ali escreveu boa parte de uma das mais importantes obras: Viva o povo brasileiro (1984), considerada obra máxima, um clássico da literatura, romance histórico, conteúdo da ocupação portuguesa – Estado Novo e a Ditadura, trama passada também em outros cenários como o Rio de Janeiro, São Paulo e Lisboa, no período de 1647 a 1977.

Era comum ver o mago literário João Ubaldo Ribeiro no bar e restaurante Tio Sam, no Leblon, tomando o seu chope em tulipa, onde jogava fora conversa fiada e distraída, com velhos conhecidos daquele bairro carioca, onde residia, e seus admiradores, sempre solícito, com seu vasto bigode já grisalho e sorriso largo, idêntico ao seu pai, o ilustre professor Manoel Ribeiro, sempre aos sábados, domingos e feriados.

A influência do cotidiano brasileiro e do sociopolítico foi retratada em toda sua vasta produção literária, deixando um legado inexorável para os amantes da literatura e estudantes que tentam ingressar nas universidades brasileiras – uma referência.

O escritor baiano João Ubaldo Ribeiro revolucionou a literatura, com seu jeito crítico, sátiro, espirituoso, social e jornalístico.

O seu grande saber jurídico foi adquirido através do incentivo do seu pai Manoel Ribeiro, o qual era advogado, professor, jurista, político (deputado estadual em Sergipe, vereador e procurador de Salvador), além de ter feito parte da cúpula da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado baiano.

Não obstante bacharel em Direito, João Ubaldo lecionou Ciências Políticas em Salvador (BA), mas não quis seguir carreira de advogado, como o pai e o irmão Manoel Ribeiro Filho, renunciando a tudo para se tornar um escritor.

Multifacetado, amante da liberdade e das coisas simples, obteve sucesso, tornando-se um grande romancista, além de escrever livros infantis, com sabedoria e ironia, estilo singular, encontrando também em sua obra o lado lírico, telúrico e pornográfico, como no romance A casa dos budas ditosos, publicado em 1999, que inclusive foi proibido em alguns estabelecimentos.

Conheci indiretamente João Ubaldo Ribeiro através de seu pai Manoel Ribeiro, quando tive a honra de ser sua aluna, em 1980, no curso de Direito Administrativo da UCSAL (Universidade Católica de Salvador). Embora mestre rígido, exigente e sério, apresentava um humor inigualável, causando uma empatia mútua entre professor e aluna.

Criado esse elo carinhoso com o mestre Manoel Ribeiro, fumante inveterado e apreciador de um bom uísque, passamos a manter conversas sobre literatura, filosofia, economia e história, daí o seu desejo que eu viesse a conhecer o filho João Ubaldo, o qual teria afirmado o desejo de conhecer esta então estudante, a quem seu pai dedicara um carinho diferenciado, em razão de, com membro do Diretório Acadêmico da UCSAL, em 1979, termos lançado a coletânea de poema Poejusto, como também de lhe ter ofertado o meu primeiro livro editado, Mulher: poesias inéditas (1979), cujo prefácio foi do professor de Direito Internacional Público, seu conterrâneo Jayme Messeder de Suárez, exemplar esse que vi carregando várias vezes e ter me dito, pessoalmente, que o poema de folhas 29, tinha muita identificação com o seu pensamento, o que me deixou muito feliz e lisonjeada, com a certeza que está bem guardada em sua biblioteca.

Nas conversas entre aulas, aconselhava-me a seguir na carreira literária e me orientava ao hábito da leitura como aprendizado.

O desejo de Manoel Ribeiro em que eu conhecesse seu filho não foi realizado por outras circunstâncias, além de o mesmo morar em outro estado, com várias viagens pelo mundo afora. Todavia, como o destino tem os seus desígnios, através do encontro de Tadeu Ribeiro, sobrinho de João Ubaldo, com meu filho Maurício Pimenta, no Colégio Anchieta, pude manter contato com a família Ribeiro.

Traduzir João Ubaldo Ribeiro como cidadão comum é muito simples. Trabalhou na Prefeitura de Salvador como office-boy, até chegar à vaga da cadeira 34 na Academia Brasileira de Letras (ABL), antes ocupada por Carlos Alberto Castelo Branco.

Do mesmo modo, citar suas obras é perda de tempo, porque todos as conhecem. Mas vale destacar que muitas delas inspiraram outras artes como o cinema (Sargento Getúlio, 1983; Tieta do Agreste, 1996; Deus é brasileiro, 2003), a televisão (O sorriso do lagarto, 1991).

Todas e quaisquer homenagens ao grande escritor são justas, como as feitas no carnaval carioca, pela escola de samba Império da Tijuca, no desfile do ano de 1987, e o Bloco Areia, ano passado, além de lhe ser concedidos prêmios de tamanha importância, como o Prêmio Camões, em 2008.

Por tudo isso, Viva o povo brasileiro na pessoa de João Ubaldo Ribeiro, o grande, senão o maior brasileiro em seu gênero.

 

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A GRANDE ARAPUCA- Marcos Bandeira

A expressão “arapuca” ,segundo o dicionário Larouse Cultural origina-se do tupi e traduz “ armadilha para apanhar pássaros pequenos, formada por pauzinhos cada vez mais curtos, dispostos e amarrados em forma piramidial”. É assim – como passarinhos – que estão sendo tratados os motoristas que transitam em algumas vias da querida São Jorge dos Ilhéus, cidade belíssima que atrai a cada ano milhares de turistas de todo o Brasil, fascinados por sua prodigiosa história e pelos encantos proporcionados por suas paisagens e praias maravilhosas.

O texto de uma lei, consoante o entendimento do jurista Humberto Ávila não passa de um ponto de partida para que o intérprete construa a norma que vai incidir sobre determinado fato social. O consórcio entre o texto e contexto é que vai gerar a norma aplicável a determinado fato concreto . Com efeito, quando se trata de disciplinar o trânsito, impõe-se admitir que o legislador buscou teleologicamente a proteção e a segurança das pessoas, enfatizando o caráter preventivo da legislação, no sentido de aumentar a segurança no trânsito, promover a educação para o trânsito e assegurar a mobilidade e acessibilidade com segurança de todas as pessoas da comunidade. Logo, ao sancionar o infrator buscou a lei precipuamente fazê-lo refletir sobre o ato culposo ou doloso praticado, aplicando-lhe a multa ou outras sanções prevista na legislação de trânsito. Destarte, a sanção aplicada em decorrência da violação de alguma regra de trânsito deve ter o caráter retributivo – o infrator deve sofrer alguma restrição em seus direitos pelo mal praticado –, por exemplo, pagar a multa, e também deve ser revestido do caráter educativo e preventivo, para fazê-lo refletir e evitar que reincida, servindo de prevenção geral para os demais membros da comunidade, como a dizer, se alguém praticar fato similar sofrerá uma resposta coativa do Estado. Daí, porque em se tratando de leis de trânsito, muitas cidades no Brasil, antes de colocar em prática determinada regra de trânsito na cidade, promovem com certa antecedência uma campanha educativa de conscientização para os condutores de veículos, como está acontecendo atualmente em São Paulo, que está tentando conscientizar os condutores de veículos automotores da preferência que deve ser dispensada aos pedestres, quando estão atravessando a faixa branca nas ruas. Tudo isso constitui educação para o trânsito. Após o esgotamento da campanha educativa tem início a fiscalização rigorosa, todavia, antecedida de uma ampla mobilização de consciência da população. Assim, o resultado alvitrado pela lei certamente será alcançado, pois o objetivo não é punir por punir.

Na cidade de Ilhéus ocorre precisamente o contrário. Os motoristas, principalmente, turistas e oirundos de cidades vizinhas estão sendo surpreendidos pelas centenas de multas de trânsito que estão sendo autuadas pela Secretaria de Transporte do Município. O que chama a atenção é que centenas de pessoas estão sendo autuadas sem saber o motivo ou sem ter a sensação de que esteja infringindo algum dispositivo legal, ou seja, sem que tivesse agido com imprudência, imperícia ou negligência, muito menos com dolo em violar qualquer regra de trânsito, pois simplesmente são surpreendidos como passarinhos que caem inocentemente numa arapuca. Alguns deles, ao trafegar numa via que antecede a uma rodovia, onde 60 ou 70 km pode ser considerada uma velocidade razoável ou compatível com o trecho,entretanto, sem que houvesse sinalização suficiente ou adequada, são autuados porquanto uma placa “tímida” colocada estrategicamente bem próximo do “pardal” indica que a velocidade máxima não poderá ultrapassar 50km/h. Qual o sentido educativo de tais multas? A quem está servindo essas multas? A resposta é simples. Esse tipo de multa não tem qualquer caráter educativo e só contribui para afastar os turistas e pessoas de cidades vizinhas da cidade de Ilhéus. O objetivo é simples: arrecadar por arrecadar, punir por punir. Pode até servir imediatamente aos cofres do município, mas mediatamente poderá se transformar num desserviço á população ilheense e a todos que visitam ou passam por Ilhéus.

O que se observa é que o Estado policialesco tenta sobrepor-se ao Estado Democrático de Direito, no qual são assegurados aos cidadãos os direitos e garantias individuais. Não somos simples súditos de um Estado autoritário que passa como um rolo compressor sobre os direitos dos cidadãos. A nossa CF de 1988 estabelece no seu art. 5º que “ Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.O grito do cidadão Ilheense, Marcio Madureira, que colou no fundo de seu carro “ Visite Ilhéus e ganhe uma multa” não deve ser desprezado, pois ele representa a voz de centenas ou milhares de motoristas que caíram nessa arapuca que a Secretaria de Trânsito espalhou por Ilhéus, escondida em várias partes da cidade.

Na verdade, contra o arbítrio do Estado, termo aqui empregado na sua acepção lata -, compreendendo as várias esferas de poder – município, Estado, União e Distrito Federal -, cabe ao cidadão bater ás portas do Poder Judiciário para fazer valer os seus direitos. Pode-se adiantar que além da falta de sinalização adequada em alguns lugares, a autuação dessas multas padece de alguns vícios que ferem de morte o princípio da legalidade e da proporcionalidade. Portanto, se você está inserido nessa situação, tendo sido surpreendido por essa forma absurda e arbitrária de aplicação de multa, constitui um advogado ou se não reunir as condições mínimas para constituir um advogado sem prejuízo do sustento próprio ,procure a Defensoria Pública para fazer valer os seus direitos junto a Vara da Fazenda Pública de Ilhéus, competente para apreciar os pedidos de violação a direito individual perpetrada pelo Município Ilheense. O Poder Judiciário é a última trincheira que o cidadão dispõe contra a arbitrariedade do Estado. Não somos passarinhos para cairmos em arapuca, somos cidadãos e o município de Ilhéus deve respeitar esse direito fundamental, que nos diferencia como seres humanos.

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A AVENIDA CINQUENTENÁRIO – CORAÇÃO DA CIDADE DE ITABUNA- Lurdes Bertol Rocha  

Até a década de 1960, as casas comerciais da hoje Avenida Cinquentenário eram muito simples, não havendo preocupação com o visual. Eram bazares onde se encontrava de tudo um pouco. Mas, também, era nesta avenida que as decisões mais importantes eram tomadas pela classe dirigente, os desfiles cívicos passavam, os comícios políticos arrebanhavam seus eleitores, os carnavais tinham seu palco e sua festa. 

A Avenida Cinquentenário continua sendo considerada o coração econômico da cidade, local de compras, de bancos, do comércio em geral.

Durante a semana, no horário comercial, a avenida está sempre muito movimentada: congestionamento de carros, pedestres acotovelando-se nas calçadas disputando espaço, clientes de bancos, pessoas que vão às compras, enfim, um vai-e-vem de cidadãos que buscam resolver seus problemas ou os dos outros. No entanto, esta movimentação ocorre mais no trecho compreendido entre a Praça Camacan e a Rua Adolfo Maron, próxima ao Banco Bradesco onde, principalmente em época de festas como o Natal, pedestres, ambulantes e motoristas disputam cada pedaço de chão. Observando-se as pessoas de um lado a outro na avenida, tem-se a sensação de que andam sempre apressadas, na azáfama de descobrir o sentido da vida, correndo na direção de seu infinito.

A Avenida Cinquentenário, coração econômico da cidade, esteticamente deixa a desejar. Como já foi uma rua onde a maioria das edificações não passava do segundo pavimento, a parte superior era residência e a parte inferior era ocupada por algum tipo de comércio. A maioria das famílias não reside mais em cima das lojas. Hoje as construções desta avenida, em sua maioria, ainda são de dois ou três pavimentos, poucas têm de quatro a seis andares. Somente os edifícios Cabral, Benjamim de Andrade e São Judas têm mais de cinco andares. Em toda a extensão da avenida, as construções formam um verdadeiro muro. Não há espaço entre elas. A parte superior das casas, em sua maioria, tem aspecto sombrio, desleixado.

A parte inferior das casas comerciais, também, em sua maioria, são apenas portas abertas que dão para os produtos a serem comercializados. Isto fica bem visível ao se andar pela avenida pela manhã, antes da cidade acordar. O que se observa, então, é uma fileira de edificações de um lado e do outro da avenida, coladas umas nas outras, no meio de um emaranhado de fios e cabos, postes escuros e poluídos com propagandas das mais variadas espécies. Pode-se dizer que a avenida não apresenta um aspecto dos mais agradáveis, faltando, aos comerciantes, preocupação com o visual de seus estabelecimentos.

Avenida Cinquentenário – foto antiga

A Avenida Cinquentenário, na atualidade é uma avenida de tumulto, feia, de notória especulação imobiliária e financeira,

inchada, confusa, envergonhada. (…) A cidade tinha (…) lojas com suas vitrines bonitas, suntuosas, bem decoradas. Era uma atração todas as noites. (…) Hoje é um núcleo de desempregados, de camelôs, de pedintes, de mendigos. É nossa vergonha” (Jornal Agora, 28 de julho a 2 de agosto de 1997. Edição especial, p. 7). 

À noite, nos feriados e nos finais de semana, toda esta movimentação cessa. A avenida fica praticamente vazia: poucos carros, alguns pedestres andando despreocupadamente pelas calçadas. A calma e o sossego imperam. Tem-se a impressão de que os responsáveis pela azáfama da semana estão dormindo ou se mudaram. As casas comerciais ficam fechadas, a não ser que seja uma data especial como Natal, Dia dos Namorados, Dia das Mães, quando tudo continua em atividade. Os jovens que, durante a semana, andam em grupos ou solitários pela avenida, não são vistos, pois, normalmente, vão às praias de Ilhéus e, a partir do ano 2000, com inauguração do Shopping Jequitibá passaram a fazer deste equipamento urbano seu ponto de encontro.

As calçadas da Avenida foram refeitas no governo do prefeito Capitão Azevedo, como presente entregue à cidade em 28 de julho de 2010, por ocasião de seu centenário. Ficaram mais largas, com piso tátil para deficientes visuais, alguns bancos ao longo do percurso e caqueiros com plantas. Contudo, o novo calçamento, feito de tijolos intertravados, não oferecem conforto para se caminhar nelas, principalmente para as mulheres, quando estão de sapato de salto.

Além disso, as pedras do calçamento estão se soltando, os vasos com plantas, em muitos lugares, transformaram-se em depósito de lixo, pois, não há cuidado por parte dos transeuntes nem dos lojistas, que não têm a cultura do cuidado com os equipamentos públicos.

Na verdade, o que falta à Avenida Cinquentenário é o charme da arborização, do jardim, de edificações de bom gosto arquitetônico, da conservação das construções antigas e a preocupação, principalmente por parte dos lojistas, de tornar seu estabelecimento um ambiente convidativo, agradável, com fachadas de bom gosto, mantendo assim a tradição de ser a rua mais importante para o comércio da cidade.

De qualquer forma, pode-se dizer que a Avenida Cinquentenário “(…) além de ser um lugar por onde se passa ou se deixa de passar [é] uma rua [que] está carregada de história, está carregada de memória, está carregada de experiências que o sujeito teve, que seu grupo teve e que a história de seu grupo naquele espaço teve [e tem]” (ROLNIK, 1992, p. 28).

*Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Sergipe (2006). Licenciada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Teófilo Otoni (1974), Pós-graduação lato sensu em Geografia Humana (FAFITO) e Desenvolvimento e Gestão Ambiental (UESC). Mestrado em Geografia, na área de Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal da Bahia (2001). Professora titular da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, desde 1988. Pesquisadora na área de Geografia com ênfase na Fenomenologia, Semiótica, Geografia Humana e Cultural. Atua nas disciplinas de Metodologia e Prática de Ensino em Geografia.

Texto revisado, baseado na dissertação de Mestrado.

Avenida Cinquentenário – foto atual

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DISCURSO DE POSSE- Silmara Santos Oliveira

Academia De Letras De Itabuna Em 27 De Novembro De 2012

Senhores acadêmicos e convidados,

Dois são os escritores que trato, extraordinariamente, nessa noite: Adonias Filho, pela sua cidadania natural de itajuipense – e devido a ser hoje, 27 de novembro, a data de aniversário de seu nascimento – e Sosígenes Costa, patrono que nomeia a cadeira de número 02 da Academia de Letras de Itabuna – ALITA, que ora passo a ocupar.

Literatura… Quem melhor que ela, para trazer à tona o valor humano e sua realidade vivida? Seja na palavra romanceada com personagens históricos nos quais nos vemos em sua largueza, nos gestos maiores de liberdade e absolvição, benevolência e redenção ou inversamente, na condenação, no movimento mesquinho e apequenado da alma daquele que julga, que se imiscui – e detona a pólvora, seja na poesia, terreno sagrado do poeta. O poema segundo, Octavio Paz é “língua dos escolhidos… Palavra do solitário.”

É a literatura que trata desse complexo tesouro chamado “vida”. E para que possa existir, ela reclama o escritor, o trabalhador das palavras que labora pensamento e forma. O autor é uma espécie de “raio-X” da alma humana e, ao elaborar personagens que comovem ou assustam possibilita ao leitor, burilar a sua própria alma. No eixo dessa literatura, o homem. A órbita humana rege o papel da literatura e do escritor, aquele que anima e dá o sopro inicial a palavra que põe a circular o sentimento vário da pessoa e seu entorno.

É nesse sentido, que Adonias Filho pertencente à Academia Brasileira de Letras, patrono do Memorial e da Academia de Letras de Itabuna movimenta sua escrita, preenchendo-a com personagens bravios e assombrosos, porque o faz à guisa da tragédia e dos conflitos maiores do indivíduo humano. Adonias localiza e ressalta, em grande parte deles, o verniz da Mata Atlântica do Sul da Bahia, realçando-os com o tingir do sangue na fundação dessa terra.

Trabalha cada palmo e légua dessa gleba advinda do zoneamento das capitanias com o tema da implantação da cultura do cacau, inscrevendo como o fruto maior da natureza, o próprio homem em cuja humanidade reside céu e o inferno dantesco, a um só tempo. Seu discurso e seu ser político sinalizam a gravidade das ações praticadas pelos habitantes que fundaram essa região com o ceifar de vidas nas demandas da lida diária nas brenhas da mata fechada.

De seus romances, desfilam dezenas de personagens agigantados pelo destemor, na conquistas de terras e manutenção de suas famílias. Cajango e seu tio, Inuri, em Corpo Vivo; Tari Januária, Zefa Cinco, Lina de Todos e Zonga em, As Velhas;Jerônimo, Abílio, em Memórias de Lázaro e Paulino Duarte, em Os Servos da Morte, para citar apenas alguns poucos. Homens e mulheres, com apenas um sentido: a defesa da vida. A escrita adoniana é fomentada pela memória do menino e alçada pela liberdade, como bem o disse em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras:

Seria imperdoável não mover o tempo… 

O menino está deitado na terra, sombras nas roças de cacau, os homens cortam os frutos. O agreste de Ilhéus, Itabuna e Itajuípe… A saga é violenta, guerra e ódio, também piedade e amor a carga humana pesa como o chão das árvores. Ouviu, o menino ouviu.”

Um escritor de muitas histórias, o Adonias Filho.

Adonias e Sosígenes, vizinhos na geografia e em universos semelhantes na arena do tempo, alinham-se em pensamento e escrita, no que tange ao problema de fundação das terras regionais. Ambos escrevem suas memórias de menino, experiência correlatas no tempo cronológico, Sosígenes nascido em 1901 e Adonias, em 1915, vivenciaram paisagens ainda intactas que tornaram robustas as suas escritas. A terra, o cheiro, o som, os animais, sabores e cores permearam suas mentes, particularizando a aldeia de cada um, em seus cantos e contos.

O patrono da cadeira de nº 02, o poeta Sosígenes Costa nasceu em Belmonte, na Bahia, terra de águas doces e salgadas e amplas paisagens, propícias à contemplação e à inspiração, geradoras de obras como o poema Iararana, que significa “Uma falsa Iara”, uma arquitetura regional sobre como esta região foi colonizada. Claro que sua observação de historiador não se reduziu apenas aos fatos. Antes, mesclou-se ao sentimento poético, ou, ao contrário, o pulsar da poesia se fez maior na atitude narrativa.

Iararana dá conta da colonização brasileira, da miscigenação primitiva na mata brasileira e da invenção de um mito de origem para o surgimento do cultivo do cacau na região” (Malafaia. 2008, p.145).

José Paulo Paes, escritor e crítico literário de grande magnitude, considerouIararana, o “mais extenso, o mais ambicioso e o mais sustentável dos poemas narrativos de Sosígenes”. Dentre outros estudiosos de sua obra, presentes aqui, o escritor Cyro de Mattos e Prof. Aleilton Fonseca, prefaciado por Jorge Amado, é festejado pela crítica por sua linguagem diversificada e paisagens imagéticas pinçadas da natureza exuberante.

Para ilustrar essas imagens, apresento um pequeno trecho de Iararana,

… Mas a alma lá do mato

Me chamou me sossegou:

Não corra meu filho

Que eu sou teu avô,

E em contou a história

E me deu esta flor.

Me levou pela mão

Para o tempo do onça.

Assisti essa história

Do tempo do onça

No tempo em que o rio

Não tinha cacau

E nem frota-pão

Só tinha quiçare

Velame, cajá

Sosígenes gosta das cores de tons rubros, vermelhos lilases, róseos. E como são mágicos esses matizes, violetamente purpúreos, assim como os vitrais da Igreja Matriz da cidade de Itajuípe, transparentes e voláteis na sua penetrabilidade do ambiente. Além de tais cores, os sabores e cheiros de países por onde não andou, o que torna mais bonito e curiosa a sua obra, falar de paisagens não vistas, nem visitadas.

A poesia de Sosígenes celebra a diversidade temática e reúne elementos que vão da literatura clássica ao conteúdo tropical de mata fechada. Fala de deuses, da Grécia, do Japão, universaliza o local, aplica a fábula para engendrar o nacionalismo, utiliza como recursos, textos da bíblia. Portanto, Sosígenes é um tradutor da natureza fundada pelo ser aventureiro, nas suas viagens ao mundo dos pavões que se insurgem no descortinar do amarelo ensolarado.  E como é poderoso o sol para Sosígenes. A gradação do amarelo quente em seus diversos momentos do dia, completando a elegância das imagens e perfumes no poema:

Tornou-me o pôr-do-sol um nobre entre os rapazes

Queima sândalo e incenso o poente amarelo

perfumando a vereda, encantando o caminho.

Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.

A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.

tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo

e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.

Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo

de coral com portões de pedra cor de vinho.

O pavão vermelho

Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.

Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.

É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.

Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.

Ao adentrar no conjunto dessas obras primorosas devemos a esses escritores nas suas diversas formas regionais, nas palavras e articulações semânticas e sintáticas que construíram, o extrapolar de si as lembranças permitindo a nós, leitores, o vislumbre das nossas próprias reminiscências.

Adonias, hoje dia 27 de novembro, completaria 97 anos de idade, se vivo estivesse. É o escritor que Itajuípe homenageia e, agradecemos a todos pela delicadeza do deslocamento da ALITA para esta cidade, como prova de desprendimento e consideração ao seu patrono, bem como a todos que aqui estão presentes.

Nesta noite memorável, nossos agradecimentos mais uma vez aos presentes, a Academia de Letras de Itabuna, ao escritor Cyro de Matos pelo convite que me foi feito para ingressar nesta casa e aos amigos presentes com a satisfação de oferecer o que melhor de mim houver para trabalhar pelas letras e artes do Sul da Bahia.

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DISCURSO DE RUY PÓVOAS NO LANÇAMENTO DO LIVRO O CANTO CONTIDO

Lançamento de livro O canto contido de Valdelice Soares Pinheiro

Coletânea organizada por Cyro de Mattos

Itabuna, 26 de março de 2015

Senhora Sônia Maron, DD Presidente da ALITA

Senhoras e Senhores Acadêmicos,

Senhoras, Senhores e Jovens,

Amigas e Amigos, aqui presentes ou representados.

Sejamos todos bem-vindos com a graça de Deus.

Permitam que lhes conte um itan, isto é, uma história nagô. Trata-se de

A CILADA CONTRA IKU

Contam os mais velhos que havia uma cidade que estava sendo castigada por epidemia. Era uma festa para Iku, que andava atarefado em levar tanta gente para fora deste mundo. Mas havia um homem que resolveu fazer diferente. Ele foi em busca de um conselho de Orumilá. Então, ele procurou um babalaô para fazer uma consulta, saber o que o Pai Maior tinha para lhe dizer. Não deu outra: o babalaô jogou o opelé e Orumilá respondeu direitinho ao que o homem queria saber.

Foi recomendado que o homem fizesse um ebó com certos objetos de segredo e seguisse todo o preceito. Também conseguisse um quati vivo e amarrasse o bicho acima da porta de sua casa. O homem voltou de lá muito confiante e foi providenciar os objetos necessários. Encomendou um quati vivo a um caçador e amarrou o bicho pendurado acima da porta, para que todo mundo visse aquilo.

Vai daí que Iku entendeu de fazer uma visitinha à família do homem. Foi chegando, todo enrolado em seu manto preto, porrete na mão, seguro de si, confiante no seu poder. De repente, ele suspendeu a cabeça e viu o bicho pendurado acima da porta. Disse para si mesmo:

Coisa boa! Vou ter até uma sobremesa…

Foi se aproximando, se aproximando… E o quati bem quieto, pendurado. E quando Iku estirou o braço para pegar o quati, o bicho deu um bote na cara de Iku. Todo mundo sabe que as garras de um quati cortam igual a navalha. Quando um caçador vai para o mato e que seus cachorros avistam um bicho desse, a primeira coisa que ele faz é chamar os cachorros de volta. Do contrário, o quati deixa os cachorros em pedaços. Pois bem: as garras do quati lanharam a cara de Iku. Com o porrete que levava, Iku tentou acertar o quati, mas errou o golpe e acertou na corda. O bicho se soltou e pulou na cabeça de Iku, que saiu em desabalada carreira pelo mundo a fora, prometendo tão cedo não voltar ali.

         Pois é: para espantar a morte basta reinventar a vida.

         Iku é a palavra nagô designativa para a Morte e pertence ao gênero masculino. Pois é: para os nagôs, a Morte não é feminina. É ele. E o que nos ensina o itan narrado agora? Simples assim: para espantar a morte basta reinventar a vida. E todos sabem: a simplicidade é o último degrau da sabedoria. Vale, então, por isso mesmo, revisitar Mateus 10: 16: “Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas.” Sonho maior de todos os viventes é, pelo menos, adiar a morte. Ou como querem os nagôs, espantá-la.

Justamente isso estamos fazendo aqui e agora: espantando a morte, isto é, reinventando a vida. Justamente agora estamos amarrando nosso quati e pendurando o bicho acima da nossa porta. Isso, porém, ainda não é o bastante. É necessário que todo mundo veja isso.

Mas em que, amigas e amigos, o itan sobre o quati se encaixa neste evento acadêmico, do lançamento de um livro, que é uma coletânea de poemas de Valdelice Pinheiro, que nos deixou desde1993? É porque ela acreditou sempre que, para espantar a morte basta reinventar a vida. Ela construiu-se, e propiciou aos que viveram ao seu redor, num viver de prudência igual às cobras e de simplicidade igual aos pombos. Eis aqui, então, a concretude de tal viver: O canto contido. Trata-se de um livro que é uma coletânea coordenada pelo escritor e poeta Cyro de Mattos. Os poemas foram recolhidos dos dois livros que Valdelice publicou em vida: De dentro de mim (1961), Pacto (1977), além de poemas dispersos. Nessas fontes, o coordenador bebeu e traz para nós esse canto contido. Milagrentos, milagreiros e milagrosos, Cyro de Mattos, Sônia Maron, a ALITA, o Laboratório LIDI, a Giostrieditora, a FTC, a família Pinheiro, no seu campo de atuação cada qual fez com que todo mundo veja isso, conforme nos ensina o itan.

Este não é o momento para as análises literárias acadêmicas. É momento de degustação, de vida, porque Iku foi espantado, banido para longe, bem longe. Fiquemos, pois, com o legado poético de Valdelice. Melhor do que descrever como se faz um bom prato é degustá-lo. Poemas arrebatadores, versos que nos fazem caminhar pelos meandros de nós mesmos em busca do encontro consigo mesmo, com o outro, com a vida, com Deus que, afinal, é tudo isso. Por isso vale a pena rever duas de suas magistrais produções:

RETRATO

O canto contido

no centro do corpo,

o pranto pasmado,

perdido de dor,

o gesto partido

nos dedos sem fé,

o peito matado

nas ânsias do amor.

E os pés sem caminho

marcando,

sem passo,

um destino sem traço,

sem voz

e sem cor.

PACTO

Poeta, vamos fazer um pacto?

Vamos praticar o gesto que traduz o poema,

que tira o poema da palavra

e o coloca no ato, e o faz pedra,

ou faz da palavra o gesto e o ato?

Vamos entrar no grande salão vermelho do rei

e entregar nossas vestes douradas, nossas plumas,

nossas rodas, nossos pecados?

Vamos enlouquecer, nus, pelos caminhos,

os pés descalços, as mãos vazias,

repetir a festa do primeiro dia

e reinaugurar a razão?

Vamos chegar na praça e dividir o pão,

dividir o amor, dividir a mão, dividir o sorriso,

o gesto, a palavra, a cor?

Vamos reencontrar o Homem perdido?

Vamos recuperar o ritmo e o Paraíso?

Vamos ser no gesto e na palavra pensamento

e ato sem tempo, sem espaço, eternos?

Vamos quebrar esse campo de força

que separa poema e ato, verso e matéria?

Se os donos do mundo, prefeitos, governadores, presidentes, primeiros-ministros, reis e assemelhados assumissem tal desafio e firmassem o pacto proposto por Valdelice, certamente o Reino do Céu se estabeleceria sobre a terra. Mas podemos, é bem verdade, cada um de nós, a seu modo, num movimento de vaivém, ora na condição de indivíduo, ora juntando-se coletivamente, construir pequenos pedaços de paraíso. Se agirmos assim, o divino fará o resto.

Muito obrigado.

Ruy Póvoas

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PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DE ITABUNA – Janete Ruiz de Macêdo

*Janete Ruiz de Macedo

A modernização das cidades condicionou um processo de destruição do patrimônio histórico-cultural, levado a cabo pela ação humana e legitimado, muitas vezes, por conceitos de progresso e desenvolvimento que tendem a excluir a fruição cultural das comunidades.

Esse processo tem afligido sobremodo os povoados e vilas que surgem inopinadamente, crescem em processo acelerado e, rapidamente, tornam-se cidades para em seguida transmudarem-se em polos regionais, a exemplo de Itabuna.

A cidade foi expandindo o seu corpo, a início tortuoso, de casas de tetos de zinco em ruas de areia fina que margeavam o rio para mais tarde tornar-se o concreto e argamassa e espraiar-se ao longo do rio Cachoeira, galgando colinas, avançando, abrindo espaço através dos campos que a circundam.

Já vai longe o tempo que se podia ouvir o tilintar sonoro do peitoral festivo das madrinhas das tropas estimuladas pelo estalar agressivo do chicote, o apito estridente do trem que convocava aqueles que partiam para Mutuns ou Ilhéus ou ainda a rouca buzina das marinetes pertencentes à Viação Sul Baiana que desbravavam as estradas lamacentas das terras do cacau.

Os anos passaram depressa… O roncar estridente dos carros, ônibus, motos e caminhões, as buzinas insistentes, os agudos apitos a disciplinar o congestionado vai e vem, os sons intermitentes dos anúncios, as rádios e televisões enchendo o espaço e violentando o silêncio das coisas. Por toda parte o agitar constante, o comércio trepidante, a circulação de riquezas na pressa de crescer, de somar prosperidade.            

O frêmito de modernização percorre a sociedade itabunense, fazendo-a esquecer os traços definidores de sua identidade. Aos poucos seu patrimônio histórico-cultural vai sendo dilapidado, a estandardização de valores gerados pela massificação e globalização substituem as particularidades locais.

Algumas poucas vozes levantam em espasmos longínquos a bandeira do preservacionismo. Mas, defender patrimônio é, antes de tudo, conhecê-lo. E conhecer o patrimônio implica conhecer o percurso histórico em que ele se enquadra e fora do qual perde todo o significado.

A história é esse fio que busca fundamentalmente compreender e viver o presente através da observação do passado, permitindo-nos encontrar formas corretas de movimentarmo-nos no espaço e no tempo em que vivemos.

Não há dúvida de que as realidades patrimoniais são instrumentos preciosos para o estabelecimento do diálogo com o passado. Elas se impõem pela intensidade de sua presença concreta, colocam-nos em comunicação direta com ele. Qualquer racionalização do passado é  codificada por um sistema de referências dependentes da interceptação de vários discursos sobre as realidades vividas pelos nossos antepassados. Ora, o patrimônio assume o papel relevante e insubstituível enquanto referencial observável que permite obter respostas para muitas questões relativas às sociedades que nos precederam permitindo ao indivíduo confrontar-se com as realidades pretéritas e encontrar pistas para a compreensão do seu próprio tempo.

Onde estão esses referenciais em nossa cidade? O que foi feito dos nossos marcos identificadores?

Antes de prosseguir, seria interessante lembrar que a UNESCO tipifica os bens patrimoniais imóveis em: monumentos, conjuntos e sítios. 

Por monumentos entende-se não só as obras de arquitetura e composições importantes como também criações mais modestas, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, técnico ou social, incluindo instalações e elementos decorativos que delas fazem parte, bem como obras de escultura ou pintura monumental. 

Os conjuntos são definidos como agrupamentos arquitetônicos, urbanos ou rurais, de suficiente coesão, de modo a poderem ser delimitados geograficamente, e notáveis, simultaneamente, pela sua unidade ou integração na paisagem pelo interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, técnico ou social.

Quanto aos sítios, são obras do homem e da natureza, espaços suficientemente característicos e homogêneos, igualmente notáveis pelo seu interesse quer histórico, arqueológico, artístico-científico, quer social.

O lato conceito de patrimônio legalmente consagrado está, portanto, muito longe da tradicional ideia de que só os grandes monumentos têm significado histórico. É hoje possível e desejável integrar no patrimônio cultural não apenas os produtos da cultura erudita, mas também a herança cultural popular, traduzida em inúmeras manifestações e objetos com que cotidianamente nos deparamos.

Pensando como a UNESCO, resta-nos ainda muita coisa a preservar e defender. É tempo de repensar Itabuna e este refletir passa antes de mais nada pela educação, pela sensibilização das jovens gerações, tornando-os cidadãos conscientes de sua identidade e defensores da memória coletiva regional.

Diante desta constatação e compreensão a Universidade Estadual de Santa Cruz não pode omitir-se na busca das raízes, da concepção e das formas de expressão da comunidade que a construiu e constrói e vem desenvolvendo o Projeto Levantamento do Patrimônio Histórico-Cultural da Área de Inserção da Universidade Estadual de Santa Cruz do qual apresentamos o relatório referente aos estudos desenvolvidos na cidade de Itabuna.

 *Janete Ruiz de Macedo é doutora em História, historiadora e membro da ALITA

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DESCOBERTA DE CASTRO ALVES – Cyro de Mattos

Cyro de Mattos

Saltou do bonde na parada próxima ao Restaurante Cacique e Cine Guarani, com o firme propósito de conhecer aquele monumento de mais de dez metros, um homem lá no alto encimando o pedestal. Aquele homem de cabeleira negra e basta devia ser muito importante para que fosse homenageado em monumento tão grandioso. 

 Atravessou a rua e se aproximou do monumento. O olhar curioso viu que em um dos lados estava um livro aberto  com um sabre atravessado, tendo em letras douradas os versos:  “Não cora o sabre do ombrear com o livro”. Em placa de mármore,  numa das faces da base, lia-se:  “A Bahia a Castro Alves.” 

Aquela estátua de bronze  assentada no alto representava  um poeta, muito querido pelo povo baiano, estava ali na atitude de fala, de quem declamava, tendo a cabeça descoberta, fronte erguida, olhar perdido no infinito, chapéu mole de estudante à mão esquerda, braço direito estendido. De um lado da coluna, viu um grupo em bronze, representando um anjo em posição de voo, a levantar uma mulher escrava pelo braço, erguendo-a ao alto.  Viu também um casal de escravos.

Quem era esse poeta que a Bahia dedicava imenso amor? Lembrou da biblioteca da agremiação estudantil no Colégio dos Irmãos Maristas. E foi lá,  durante a semana, na hora do recreio, folheando o livro ABC de Castro Alves, de Jorge Amado, que ficou conhecendo a vida e a obra daquele grande poeta. 

Era um rapaz esbelto, que vivera pouco. Nasceu na fazenda Cabaceiras, próxima a Curralinhos, na  Bahia, em  14 de março de 1847. Tinha grandes olhos vivos, maneiras que impressionavam a quem o assistisse declamando versos de amor, às flores e em solidariedade aos escravos. Causava admiração aos homens e arrebatava paixões às mulheres. Seu estilo contestador contra a situação da escravidão dos negros na Bahia o tornou conhecido como O Poeta dos Escravos. Além de abolicionista exaltado,  foi um liberal atuante, que clamava  pela instalação da República no Brasil. Teve como colega Rui Barbosa no Colégio Abílio Borges, em Salvador, e na Faculdade de Direito do Recife. Faleceu aos 6 de julho de 1847, aos 24 anos, em Salvador, vítima de tuberculose. 

Depois de conhecer um pouco  a vida do poeta romântico, interessou-se por sua poesia. Foi ler, um a um, os livros desse poeta cantor do amor, da água, das pétalas, dos negros escravos e da liberdade. Publicara em vida apenas um livro: Espumas Flutuantes, em 1870. Seus outros livros,  A Cachoeira de Paulo Afonso, 1876 ,  Os Escravos, 1883,  Hinos do Equador, 1921, tiveram edição póstuma. 

Na medida em que fazia a leitura duma  poesia cativante e libertária, ia anotando alguns versos no caderno, que lhe enriqueciam a sensibilidade.   

Como esses: 

Senhor Deus dos desgraçados! 

Dizei-me vós, Senhor Deus, 

Se eu deliro… ou se é verdade 

Tanto horror perante os céus?!… 

Ó mar, por que não apagas 

Co’a esponja de tuas vagas 

Do teu manto este borrão? 

Astros! noites! tempestades! 

Rolai das imensidades! 

Varrei os mares, tufão! …

Ou esses:

Oh! Bendito o que semeia

Livros à mão cheia

E manda o povo pensar!

O livro, caindo n’alma

É germe – que faz a palma,

É chuva – que faz o mar!

Ou ainda esses, escritos com graça e leveza:

Prendi meus afetos, formosa Pepita…

mas, onde?

No tempo? No espaço? Nas névoas?

Não rias…

Prendi-me num laço de fita!

Perguntava-se como era que no coração de um poeta tão jovem como Castro Alves  cabia tanta afetividade e solidariedade aos excluídos.  Com a leitura de cada livro, sua alma foi-se impregnando da beleza e da verdade postas pelo poeta maior  em versos comoventes, escorridos com amor e talento raro, que só os gênios possuem. 

Castro Alves tornou-se em pouco tempo  um ídolo para o jovem do interior,  desses em que  a marca de uma época ou de um tema brilha com a individualidade manifestada numa espécie de criador que permanece sempre ante a vida que passa.  

Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Membro efetivo do Pen Clube do Brasil, Academias de Letras da Bahia, de Ilhéus e de Itabuna. Primeiro Doutor Honoris Causa  da Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado em Portugal, Itália e México.  Publicado em francês, italiano, inglês, russo, espanhol e dinamarquês. 

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CARTA A UM JOVEM POETA- Aleilton Fonseca

Releio sempre a carta que o poeta Carlos Drummond de Andrade me enviou em 1981. Naquele tempo eu tinha 22 anos e havia publicado o primeiro livro de poemas. A idade ardia numa vontade doida de traduzir a vida em versos. Hoje, após tantos janeiros, as musas me cutucam e esbravejam, mas já sei que é difícil comover o vasto mundo, este vale de lágrimas, desamor e enormes cifras.

O poeta gostou do livro e me mandou, em sua letra e estilo inconfundíveis, um voto de confiança, um estímulo, um sopro de vida numa chama que mal balbuciava. Com o envelope inesperado na mão, fiquei atônito entre a alegria trêmula e uma súbita responsabilidade. O carteiro não estivesse já longe e eu o abraçaria, convidá-lo-ia a entrar, conversaríamos sobre o autor daquela carta, eu lhe recitaria os poemas da Rosa do Povo.

Planejei responder ao poeta, mas a surpresa me ofuscou as idéias. E agora, José? Eu lia e relia a mensagem, lembrava de minhas primeiras incursões por sua poesia no ginásio e na biblioteca pública. Aquele nome tão longínquo agora me parecia estranhamente tão próximo. Não consegui inventar palavras para expressar o meu estado de espírito. A missiva, hoje amorosamente amarelada, ficou sem resposta para sempre.

No final daquele ano fui ao Rio e planejei fazer uma visita de surpresa ao poeta. Um dia, saí com o endereço anotado, decidido a ir bater em sua residência. Mas, à medida que avançava pelas ruas, a coragem se perdia pelas esquinas. Acabei perambulando o dia todo, sem encarar o caminho definitivo de um encontro com o admirado autor de Boitempo. E se ele não me atendesse? E se não passasse de um “como vai?”, um “prazer em conhecê-lo” formais? Seria uma situação constrangedora, – o poeta diante de um jovem desconhecido que vinha de certa forma importuná-lo, logo ele, tão discreto e avesso aos cultos da personalidade. Não fui.

Até hoje oscilo quanto ao acerto daquela decisão: ora me arrependo de haver desistido, ora acho que assim foi melhor. O encontro poderia ter sido a quebra de todo encanto. Guardei na distância a admiração e a gratidão pelo gesto de incentivo, embora sentisse também um enorme vazio. Em 1987, quando recebi a notícia de que o poeta havia falecido, senti um choque, uma sensação pontiaguda de perda irreparável, um abismo me engolia e as lágrimas brotavam de meu olhar fatigado. 

O poeta se foi e eu fiquei cativo de minha não-resposta, da perda de sua presença e de sua palavra. Mas, por outro lado, algo valioso eu ganhei: o sentido poético dessa falta, que se conforma e se alimenta na leitura da velha carta, na lembrança de uma resposta não escrita, de uma visita não realizada, de um poema-homenagem que se escreve para sempre em minha memória.

Drummond encantado

Há tantos anos,
o coração do poeta desistiu
de lutar com palavras.

Não lhe mandei minha letra,
nem recolhi sua imagem viva
em meu olhar.

O poeta encantou-se,
liberto de nós e de si mesmo.

E a mim só me resta
a letra íntima da página muda
que nunca lhe escrevi.

Salvador, 13/02/2000

 *Aleilton Fonseca, escritor e poeta é membro do Pen Clube do Brasil e das Academias de Letras da Bahia e de Itabuna.

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CEM ANOS DE SAUDADE- Raquel Rocha

Por Raquel Rocha

Algumas pessoas não deveriam morrer. Pessoas que dedicam sua vida a fazer o bem, pessoas que dedicam sua vida ao conhecimento e pessoas que dedicam sua vida à arte. Gabriel Garcia Márquez se encaixa nesta última. Cada livro seu era uma verdadeira obra de arte que mudava a nossa forma de ver e sentir o mundo.

Nasceu no início do século passado, em 1927 na pequena cidade de Aracataca, Colômbia. Cresceu ouvindo as histórias do seu avô que havia lutado na Guerra dos Mil Dias. Passou a juventude mergulhado em livros. Era leitor de Franz Kafka… Mais tarde, abandonou o curso de Direito para trabalhar como Jornalista.

Publicou seu primeiro livro “A Revoada (O Enterro do Diabo)” aos 28 anos em 1955. Mas foi 12 anos depois, em 1967 que se tornou conhecido mundialmente com “Cem Anos de Solidão”. Ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1982 pelo conjunto de sua obra. Foi traduzido para 36 idiomas com mais de 40 milhões de livros vendidos.

Em 2012 seu irmão anunciou que Gabriel fora diagnosticado com demência e por isso não voltaria a escrever. Aquela foi a primeira morte do escritor, que diante da impossibilidade de exercer sua arte deixou um pouco de viver. No entanto, confesso que durante esses dois anos nutri a esperança de que ele, num surto de lucidez, escrevesse ainda alguma coisa, um conto, algumas linhas, algumas palavras… E talvez essas palavras o curassem, porque as palavras são mágicas quando escritas por um gênio.

Gabriel Garcia Márquez é um dos responsáveis pela minha adoração a literatura.  Li “Cem anos de Solidão” aos 11 anos e fiquei encantada. Passei noites sem dormir agarrada a “Do Amor e Outros Demônios“,  quis me molhar com a chuva de “La Mala Hora”, me diverti com as Memórias de suas Putas Tristes e “O amor nos Tempos do Cólera” mudou o meu conceito de amor verdadeiro.

No dia 17 de abril de 2014, aos 87 anos, Gabriel Garcia Marquez morreu em sua casa, na Cidade do México, onde morou nos últimos 30 anos. Nem depois de ler a notícia diversas vezes consegui escrever esse texto com os verbos no passado, porque pessoas como ele nunca vão embora, atingem a imortalidade através de sua obra e permanecem sempre conosco.

A Saudade, título desse texto, não  é pela sua partida é saudade de tudo que ele poderia ter escrito mas o tempo não permitiu.

Vai em Paz Gabo. 

“Não senti dor nem medo, mas a emoção arrasadora de ter conseguido viver até ali.”     (Gabriel Garcia Márquez)

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VIDA LONGA AO LIVRO- Ceres Marylise

No próximo dia 23 de abril comemora-se mais uma vez o Dia Mundial do Livro, oficializado pela UNESCO em 1996 e festejado em mais de cem países. 

Com o surgimento de novas formas de leitura e de novas tecnologias, a edição de livros na forma convencional tem suscitado amplos debates evidenciando preocupação com o futuro do livro impresso. Já possuímos o livro digital: nunca tantas ideias foram escritas e divulgadas quanto agora, na era digital. Lê-se cada vez mais em tablets e celulares.

Sejam quais forem as suas formas, os livros sempre serão a celebração do conhecimento e do registro da memória da humanidade. Como amigos nos proporcionam diálogos e questionamentos constantes e a boa leitura é uma experiência mágica, um ato de prazer e de paixão.

A globalização só nos trouxe maior exclusão social e solidão. O mundo atual é permeado pelo paradoxo da incomunicabilidade e nessa epidemia de contradições e incertezas o livro ainda é a maior arma para manutenção dos valores essenciais do homem colocando-se acima de todas as guerras, modelos econômicos e credos.

Desejo vida longa ao livro!

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