DISCURSO DE POSSE- Silmara Santos Oliveira

Academia De Letras De Itabuna Em 27 De Novembro De 2012

Senhores acadêmicos e convidados,

Dois são os escritores que trato, extraordinariamente, nessa noite: Adonias Filho, pela sua cidadania natural de itajuipense – e devido a ser hoje, 27 de novembro, a data de aniversário de seu nascimento – e Sosígenes Costa, patrono que nomeia a cadeira de número 02 da Academia de Letras de Itabuna – ALITA, que ora passo a ocupar.

Literatura… Quem melhor que ela, para trazer à tona o valor humano e sua realidade vivida? Seja na palavra romanceada com personagens históricos nos quais nos vemos em sua largueza, nos gestos maiores de liberdade e absolvição, benevolência e redenção ou inversamente, na condenação, no movimento mesquinho e apequenado da alma daquele que julga, que se imiscui – e detona a pólvora, seja na poesia, terreno sagrado do poeta. O poema segundo, Octavio Paz é “língua dos escolhidos… Palavra do solitário.”

É a literatura que trata desse complexo tesouro chamado “vida”. E para que possa existir, ela reclama o escritor, o trabalhador das palavras que labora pensamento e forma. O autor é uma espécie de “raio-X” da alma humana e, ao elaborar personagens que comovem ou assustam possibilita ao leitor, burilar a sua própria alma. No eixo dessa literatura, o homem. A órbita humana rege o papel da literatura e do escritor, aquele que anima e dá o sopro inicial a palavra que põe a circular o sentimento vário da pessoa e seu entorno.

É nesse sentido, que Adonias Filho pertencente à Academia Brasileira de Letras, patrono do Memorial e da Academia de Letras de Itabuna movimenta sua escrita, preenchendo-a com personagens bravios e assombrosos, porque o faz à guisa da tragédia e dos conflitos maiores do indivíduo humano. Adonias localiza e ressalta, em grande parte deles, o verniz da Mata Atlântica do Sul da Bahia, realçando-os com o tingir do sangue na fundação dessa terra.

Trabalha cada palmo e légua dessa gleba advinda do zoneamento das capitanias com o tema da implantação da cultura do cacau, inscrevendo como o fruto maior da natureza, o próprio homem em cuja humanidade reside céu e o inferno dantesco, a um só tempo. Seu discurso e seu ser político sinalizam a gravidade das ações praticadas pelos habitantes que fundaram essa região com o ceifar de vidas nas demandas da lida diária nas brenhas da mata fechada.

De seus romances, desfilam dezenas de personagens agigantados pelo destemor, na conquistas de terras e manutenção de suas famílias. Cajango e seu tio, Inuri, em Corpo Vivo; Tari Januária, Zefa Cinco, Lina de Todos e Zonga em, As Velhas;Jerônimo, Abílio, em Memórias de Lázaro e Paulino Duarte, em Os Servos da Morte, para citar apenas alguns poucos. Homens e mulheres, com apenas um sentido: a defesa da vida. A escrita adoniana é fomentada pela memória do menino e alçada pela liberdade, como bem o disse em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras:

Seria imperdoável não mover o tempo… 

O menino está deitado na terra, sombras nas roças de cacau, os homens cortam os frutos. O agreste de Ilhéus, Itabuna e Itajuípe… A saga é violenta, guerra e ódio, também piedade e amor a carga humana pesa como o chão das árvores. Ouviu, o menino ouviu.”

Um escritor de muitas histórias, o Adonias Filho.

Adonias e Sosígenes, vizinhos na geografia e em universos semelhantes na arena do tempo, alinham-se em pensamento e escrita, no que tange ao problema de fundação das terras regionais. Ambos escrevem suas memórias de menino, experiência correlatas no tempo cronológico, Sosígenes nascido em 1901 e Adonias, em 1915, vivenciaram paisagens ainda intactas que tornaram robustas as suas escritas. A terra, o cheiro, o som, os animais, sabores e cores permearam suas mentes, particularizando a aldeia de cada um, em seus cantos e contos.

O patrono da cadeira de nº 02, o poeta Sosígenes Costa nasceu em Belmonte, na Bahia, terra de águas doces e salgadas e amplas paisagens, propícias à contemplação e à inspiração, geradoras de obras como o poema Iararana, que significa “Uma falsa Iara”, uma arquitetura regional sobre como esta região foi colonizada. Claro que sua observação de historiador não se reduziu apenas aos fatos. Antes, mesclou-se ao sentimento poético, ou, ao contrário, o pulsar da poesia se fez maior na atitude narrativa.

Iararana dá conta da colonização brasileira, da miscigenação primitiva na mata brasileira e da invenção de um mito de origem para o surgimento do cultivo do cacau na região” (Malafaia. 2008, p.145).

José Paulo Paes, escritor e crítico literário de grande magnitude, considerouIararana, o “mais extenso, o mais ambicioso e o mais sustentável dos poemas narrativos de Sosígenes”. Dentre outros estudiosos de sua obra, presentes aqui, o escritor Cyro de Mattos e Prof. Aleilton Fonseca, prefaciado por Jorge Amado, é festejado pela crítica por sua linguagem diversificada e paisagens imagéticas pinçadas da natureza exuberante.

Para ilustrar essas imagens, apresento um pequeno trecho de Iararana,

… Mas a alma lá do mato

Me chamou me sossegou:

Não corra meu filho

Que eu sou teu avô,

E em contou a história

E me deu esta flor.

Me levou pela mão

Para o tempo do onça.

Assisti essa história

Do tempo do onça

No tempo em que o rio

Não tinha cacau

E nem frota-pão

Só tinha quiçare

Velame, cajá

Sosígenes gosta das cores de tons rubros, vermelhos lilases, róseos. E como são mágicos esses matizes, violetamente purpúreos, assim como os vitrais da Igreja Matriz da cidade de Itajuípe, transparentes e voláteis na sua penetrabilidade do ambiente. Além de tais cores, os sabores e cheiros de países por onde não andou, o que torna mais bonito e curiosa a sua obra, falar de paisagens não vistas, nem visitadas.

A poesia de Sosígenes celebra a diversidade temática e reúne elementos que vão da literatura clássica ao conteúdo tropical de mata fechada. Fala de deuses, da Grécia, do Japão, universaliza o local, aplica a fábula para engendrar o nacionalismo, utiliza como recursos, textos da bíblia. Portanto, Sosígenes é um tradutor da natureza fundada pelo ser aventureiro, nas suas viagens ao mundo dos pavões que se insurgem no descortinar do amarelo ensolarado.  E como é poderoso o sol para Sosígenes. A gradação do amarelo quente em seus diversos momentos do dia, completando a elegância das imagens e perfumes no poema:

Tornou-me o pôr-do-sol um nobre entre os rapazes

Queima sândalo e incenso o poente amarelo

perfumando a vereda, encantando o caminho.

Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.

A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.

tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo

e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.

Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo

de coral com portões de pedra cor de vinho.

O pavão vermelho

Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.

Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.

É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.

Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.

Ao adentrar no conjunto dessas obras primorosas devemos a esses escritores nas suas diversas formas regionais, nas palavras e articulações semânticas e sintáticas que construíram, o extrapolar de si as lembranças permitindo a nós, leitores, o vislumbre das nossas próprias reminiscências.

Adonias, hoje dia 27 de novembro, completaria 97 anos de idade, se vivo estivesse. É o escritor que Itajuípe homenageia e, agradecemos a todos pela delicadeza do deslocamento da ALITA para esta cidade, como prova de desprendimento e consideração ao seu patrono, bem como a todos que aqui estão presentes.

Nesta noite memorável, nossos agradecimentos mais uma vez aos presentes, a Academia de Letras de Itabuna, ao escritor Cyro de Matos pelo convite que me foi feito para ingressar nesta casa e aos amigos presentes com a satisfação de oferecer o que melhor de mim houver para trabalhar pelas letras e artes do Sul da Bahia.

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