NOTA DE REPÚDIO- Contra toda forma de violência contra a mulher

NOTA DE REPÚDIO

Contra toda forma de violência contra a mulher

A Academia de Letras de Itabuna – ALITA vem a público manifestar profundo pesar e total repúdio ao crime bárbaro que vitimou três mulheres — Maria Helena do Nascimento Bastos, Mariana Bastos da Silva e Alexsandra Oliveira Suzart — brutalmente assassinadas no município de Ilhéus, no último dia 16 de agosto de 2025.

As vítimas, conhecidas por sua contribuição à educação e à vida comunitária, foram violentamente retiradas do convívio de seus familiares, amigos e da sociedade, em um episódio que choca não apenas pela crueldade dos atos, mas por revelar, mais uma vez, o cenário alarmante da violência contra a mulher no Brasil.

Como instituição dedicada à cultura, ao pensamento e à dignidade humana, a ALITA reafirma seu compromisso com os direitos das mulheres, com a justiça e com o respeito à vida. Não podemos nos calar diante de tamanha brutalidade. A palavra, que é nossa essência, se torna também instrumento de denúncia e de consciência.

Nos solidarizamos com as famílias e comunidades enlutadas, com os profissionais da educação de Ilhéus e com todas as mulheres que seguem enfrentando os riscos e marcas da violência todos os dias.

Conclamamos as autoridades para que conduzam as investigações com celeridade e rigor, para que os responsáveis sejam identificados e punidos com todo o peso da lei.

Itabuna, 19 de agosto de 2025

Raquel Rocha

Presidente

Academia de Letras de Itabuna – ALITA

 

 

 

 

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O AMIGO JORGE AMADO – Por Cyro de Mattos

Enviei o primeiro livro que escrevi para Jorge Amado, seguindo conselho do amigo João Ubaldo Ribeiro, companheiro de geração. Não esperava que viesse alguma opinião dele sobre o meu pequeno volume de contos, riscado anos depois de minha bibliografia por ter sido escrito por autor imaturo. O texto envelheceu cedo. Fiquei surpreso por ver um livro de autor desconhecido ser apresentado à Academia Brasileira de Letras com palavras favoráveis do consagrado romancista Jorge Amado.

Outros livros meus foram merecedores de artigos com elogio por parte de Jorge Amado. Eram opiniões impressionistas, mas abonadas com a sensibilidade de quem mais conhece os caminhos do fazer literário na recriação da vida. E mais: ele publicava os artigos que escrevia sobre meus livros em jornais importantes como A Tarde, Jornal de Letras (Rio), Suplemento do Jornal do Brasil, Jornal do Comércio (Rio) e Suplemento Literário de Minas Gerais.

Esses gestos do criador de Tocaia Grande (Record,1984) aconteceram com outros escritores, emergentes, com obra em andamento, consagrados, baianos ou não. Ele sempre enriquecia o companheiro de letras com suas opiniões, sem esperar nada em troca. Prefácios, orelhas, artigos, depoimentos, apresentações à Academia Brasileira de Letras, um legado literário da melhor qualidade está aí espalhado com o abono do escritor tão lido e traduzido em língua portuguesa sobre livros de nossos escritores. Textos que formam um valioso legado, se coligidos, servindo como importante contribuição à nossa literatura.

Com João Ubaldo Ribeiro era diferente. Certa vez, o autor maiúsculo do romance Viva o povo brasileiro (Nova Fronteira, 1984), disse-me que não escrevia prefácio ou artigo para quem recorresse aos seus préstimos porque podia não gostar do livro e aí o suplicante, que certamente queria receber elogio, poderia com a sua sinceridade se tornar um inimigo dele. Além disso, não queria se desconcentrar de seu ofício, sempre estava escrevendo um livro ou texto, não ia deixar de lado o que estava escrevendo e centrar-se sobre quem devia abrir seus próprios caminhos com suas ferramentas e crenças, sem se apegar na muleta alheia, mas acreditando nas suas qualidades.

Neste sentido, sempre concordei e respeitei as atitudes de João Ubaldo. Ele se tornou um dos meus amigos prediletos, criatura do bem, espírito alegre, colega inesquecível da turma de 1962, na Faculdade de Direito da UFBA. Nunca quis me aproveitar de meu bom relacionamento com o consagrado ficcionista e receber dele a opinião favorável de meus escritos. Fiz minha carreira literária com os meus textos publicados em livros, meus prêmios relevantes, que tornaram minha obra com mais visibilidade. Enviei em vários casos os originais de meus livros para as editoras, sem temer que fossem aprovados ou não para publicação, depois da leitura crítica do conselho editorial.

Ao escrever sobre Palhaço Bom de Briga (L&PM Editores, 1993), um dos meus livros para as crianças, em artigo publicado em forma de missiva, dirigida ao romancista Josué Montelo, então presidente da Academia Brasileira de Letras, Jorge Amado chegou ao ponto de lembrar meu nome para fazer parte daquela importante instituição das letras brasileiras. Houve exagero. Só mesmo Jorge, com o seu coração doce como mel de cacau, podia distinguir assim meu nome, em gesto que comovia, servia como incentivo para que eu nunca desistisse em minha jornada literária. Embora eu já fosse autor nessa época de mais de vinte livros, entre volumes de contos, poesia e literatura infantojuvenil. Havia conquistado alguns prêmios literários importantes e, entre eles, o Prêmio Nacional Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, por unanimidade, para o meu livro Os Brabos (Civilização Brasileira, 1979), o da Associação Paulista dos Críticos de Artes para O Menino Camelô (Atual Editora, 1992, 12ª. Edição), Menção Honrosa do Jabuti para Os Recuados (Editora Tchê!1987) e várias vezes fui agraciado com o primeiro lugar nos certames promovidos pela União Brasileira de Escritores (RJ).

Jorge Amado exercia a amizade como uma coisa nata, tão dele. E me mostrava sempre que com as mãos nas mãos, o gesto desprovido de interesses pessoais, desligado da religião do egoísmo, tudo fica mais fácil. Com ele não entravam no exercício da vida a inveja e a intriga. Dava-me conta por isso que existia ainda o homem simples como o artista, embora fosse comum encontrar na vida o artista vaidoso e invejoso como o homem.

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CONVOCAÇÃO – ASSEMBLEIA GERAL

EDITAL DE CONVOCAÇÃO – ASSEMBLEIA GERAL

A Academia de Letras de Itabuna, com sede na Reitoria da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), situada à Praça Jose Bastos s/n, Centro, Itabuna Estado da Bahia, por ordem da presidente Raquel Silva Rocha, no uso de suas atribuições, convoca os membros efetivos para a assembleia  geral  ordinária, a realizar-se no dia 16 de setembro de 2025, na modalidade online, 19:00, em primeira convocação, com a presença da maioria absoluta dos votantes e, em segunda convocação, 20:00 com qualquer número de presentes conforme preceitua  o artigo 12, parágrafo único do Regimento da ALITA , com a seguinte Ordem do Dia:

  1. Leitura e aprovação da ata da reunião anterior.
  2. Atualizações sobre a gravação dos documentários com os membros.
  3. Informativo: redução do valor da mensalidade.
  4. Informativo: compêndio Biográfico- Volume 1
  5. Informativo: posse dos Novos Membros
  6. Informativo: conquista da Utilidade Pública
  7. Informativo: medalha Jorge Amado
  8. Membros Ausentes
  9. Informativo da Tesouraria: inadimplência
  10. Declaração de vacância
  11. Assuntos gerais (O que ocorrer).

Este Edital será publicado no site Academia de Letras de Itabuna.

Itabuna, 15 de agosto

 

Eliabe Izabel de Moraes

Primeira Secretária

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SEMPRE ALERTA – Por Silvio Porto de Oliveira

Sempre Alerta!

Naquele tempo em que a infância ainda cabia nos pés descalços e nos olhos curiosos, eu fui Lobinho. Tinha dez anos e o mundo era uma grande trilha a ser desbravada com coragem e alegria. Nosso Akelá – o guia da alcateia, o sábio da floresta das histórias de Kipling – chamava-se Baracat. Nome forte, rosto severo, mas com um coração que sabia sorrir quando via um de nós aprender algo novo.

Aos sábados, vestíamos o uniforme como quem se revestia de um sonho. Lenço no pescoço, meias até o joelho, boné com a insígnia bordada. Aquilo não era só pano e emblemas: era símbolo de pertencimento, de honra infantil. A disciplina vinha como vento que molda, e nossos pequenos corpos aprendiam o valor do esforço, do cuidado, da prontidão.

A estrutura dos Escoteiros da época era firme como tronco de jequitibá. O Major Dórea, figura imponente, coordenava tudo com olhar atento, disciplina militar, mas sempre justo. Sob seu comando, aprendíamos que a obediência não era submissão, mas escolha de caminho.

Foi como Lobinho que fiz minha primeira comunhão. Um momento sagrado vivido entre irmãos de lenço e promessas. Lá estavam Wandick, Bob, Nando, Carlos Auad, Samuel Luna… Nomes que ainda hoje sopram lembranças doces. A celebração foi na capela da Ação Fraternal de Itabuna — templo simples, mas repleto de fé e vozes suaves. A luz da manhã atravessava os vitrais e repousava sobre nossas cabeças como bênção invisível.

Lembro que, antes de comungar, revimos o nosso lema: “Sempre Alerta!”. Palavras curtas, mas com a força de um grito de vida. Estar alerta era mais do que vigiar: era viver com presença, respeitar o outro, estar pronto para servir.

Não foram apenas nós que crescemos naquela época. Foi também o caráter, a amizade, o espírito de coletividade. Fomos moldados na madeira dos bons valores, na rocha da fraternidade e no riso que brotava fácil, mesmo depois de uma trilha difícil ou uma tarefa malfeita.

Hoje, ao lembrar daquela alcateia, meu coração ainda se põe em formação. E o menino que fui continua ali, com o lenço no pescoço e os olhos brilhando, pronto para repetir o grito de guerra da infância que nunca nos deixou:

— Sempre Alerta!

Silvio Porto de Oliveira.
Em 02/08/2025

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GURIATÃ, O INTÉRPRETE (II) – Por Rilvan Santana

Guriatã, o intérprete (II)

R. Santana 

 

    Os poetas cantaram muito em seus versos o sabiá, o bem-te-vi, o zabelê, o curió, o beija-flor, o colibri, asa-branca, pombo-correio, pássaro-preto, rouxinol, mas eles foram um pouco injusto com o único intérprete da mata, para uns, guriatã, gurinhatã, guriatã-de-coqueiro; para outros, tico-tico-do-campo, gaturamo e baíra-amarela e para o douto: “Euphonia violacea”, Ammodramus humeraralis”, “Tangara cayana”, a mim que não sou doutor nem regionalista: “Guriatã, o intérprete”, pois o pequenino pássaro, o cantor da orla e da mata, imita com perfeição todos os outros.

     Em 1610, o padre português Jacome Monteiro, escreve ao rei de Portugal: “É o pássaro mais músico de quanto há nesta Província, porque arremeda a todos os mais, e por isso o chamaram de “guiranheenguetá”, que quer dizer pássaro que fala todas as línguas de todos os mais pássaros”. São mui prezados. Estes são os que de ordinário se conservam cá em gaiolas”.
     Moleques, nós embrenhávamos nas matas do cacau com gaiola de talas de bambu ou gaiolas de cortiça e taquara, pendurada no dedo ou na palma de uma das mãos e alçapão na outra. Quando não tínhamos dinheiro para comprar alçapão, lambuzávamos um galho com visgo de jaca com iscas de banana, milho ou milho-alpiste, escondíamos à distância, não levava muito tempo, o passarinho esperneava-se grudado no visgo pedindo socorro!…

      Naquela época, os moleques se dividiam em grupo de ideias de gente grande e o grupo de amadores. O grupo mais profissional, o de gente grande, só criava curió, canário, pássaro preto, sabiá; o outro, o amador, que valorizava o prazer, o divertimento, a brincadeira e não o dinheiro, pegava o pintassilgo, a rolinha, o bem-te-vi, o sanhaço e o guriatã… caiu na rede era peixe, minto, caiu no alçapão era passarinho…

      Não me incomodava com a sujeira (cocô) que o guriatã fazia na gaiola, a minha mãe Judite é que não ficava prosa, porém, o seu canto quebrantava-lhe o ânimo. Se por descuido deixasse a gaiola aberta e o guriatã batesse asas, ela rendia homenagem ao pássaro, cantarolando a composição “Guriatã de Coqueiro” de Severino Rangel de Carvalho, o Ratinho, cantor e compositor paraibano da dupla Jararaca e Ratinho de tempos idos:

 

“… Eu não sei por que motivo
     Guriatã foi-se embora
     Foi-se embora e me deixou
     Também a minha viola
     Companheira inseparável
     Que minha mágoa consola”

      Porém, se a minha intrusa peraltice invadisse esse momento, corrigia-a para distante ouvir a minha musa, a minha tia, a mulher que me criou voltar a cantarolar:


     “…Vou fazer uma promessa
     Ao meu santo protetor
     Pra fazer ele voltar
     Esse pássaro cantador
     Pra alegria do meu rancho
     Que nunca mais se alegrou”,

          Hoje, os tempos se foram, os cabelos loiros encaneceram, mas no espírito o moleque permanece, também, os cuidados daquela avezinha de muitos cantos, de penas de azul escuro brilhante em cima e penas amarelas ao longo do corpo e na fronte da cabecinha, uma coroinha de penugens cor de ouro que Deus colocou, longe no tempo, ouço viva a voz de minha mãe Judite:

 

  “Guriatã de coqueiro
     Bateu asas e foi-se embora…”

 

 

Autor: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons

Membro da Academia de Letras de Itabuna – ALITA

Imagem: Google

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VERSOS DESNUDOS — POEMAS EM TEMPOS TENSOS, DE AGENOR GASPARETTO – Por Tica Simões

Maria de Lourdes Netto Simões

 

São 40 poemas ‘desnudos’,  com olhares sobre esses ‘tempos tensos’.    E como? ‘Desnudo’ é mesmo palavra-chave. Seja pela apresentação despojada do livro  com uma capa branca, sem desenhos ou outras cores;  seja por uma estrutura sem os paratextos costumeiros; seja pelos versos livres. Esses são, já, uma forma de  “fala” do olhar.  

  O processo de criação poética ocorre sem consultar, como revelado em  Inspiração, poema que abre o livro.  Surge   Musa atrevida ,   pedra bruta a versejar.  Assim  acontece a Poesia, inesperadamente, motivada por questões muitas, fruto de observações, sensações, sentidos…  Esses dois primeiros poemas  sinalizam o processo criador,   e como que anunciam, introduzem o subtítulo:  poemas em tempos tensos.

Daí, a estrutura do livro  vai se configurando em relação à proposta “desnuda” do fazer literário.  Tematicamente, os poemas dizem das linguagens, dos materiais, dos temas, dos focos das problemáticas que os olhares enxergam no processo da vida, e em tempos difíceis…

A  cada foco, a linguagem cresce em possibilidades que provocam:  nuances, sentidos, intertextualidades, “ditos” que se aproximam da oralidade…     E a estrutura do livro se resolve entre os focos dos elementos da natureza: Terra, Agua, Fogo e Ar, intercalados por poemas acrescentadores do tema geral.  Cinco  poemas  integram  cada foco que formam os blocos temáticos. Caminhos é um bloco que se acrescenta aos quatro elementos,  enfatizando as escolhas  nos tempos difíceis.    

Nos poemas do elemento Terra, titulado  Pedras,  destacam-se  recursos de sinonímia, comparação por metáfora ou analogia, oralidade: …Rocha…Calhau…Cascalho… ‘Dormir como pedra’…. As intertextualidades acrescentam a significação, como no poema IV, com Drummond, Pedra no Caminho ;  pedra sobre pedra .

A seguir esse primeiro foco, outros poemas apresentam títulos temáticos que provocam analogias e promovem reflexões:    ProfundezasInfinitos profundos/ Abismos sem fim […] SolidãoDistânciasDa indiferença humana  […]  Da ausência de sentido. Pesado e LevePesado/ qual  consciência […] Leve / qual sono inocente; E os poemas abordam também as formas de espiritualidade e religiões que, para alguns, funcionam como muletas.  Tábuas da Lei:  Duas pedras,  dez mandamentos […] frágeis, quebradiças; Vida PenitenteReligião/ Pecado […] Condenação / Penitência. Estado de Graça: Alma flutuando […] Andar leve. Velhice Abandonada: Labuta incansável […] Rugas na alma. Magia e Milagre: Divino milagre da vida.  Somente, aqui, citando alguns poemas.  Os demais seguem em similar estratégia de produção textual, aprofundando o foco da existência sobre questões éticas, do mundo virtual fachada esplendorosa. O sem sentido da guerra, mortal, desalmada.  Reflexão sobre o Tempo,  momentos de uma vida que é  tão breve. Se cicatriza rusgas, também  cria memórias. E observando a natureza, vê nela  divino milagre da vida

No  segundo bloco,  Águas, a oralidade fica também ressaltada pelos ditos populares   –  tirar água de pedra -, nos  cinco poemas.  As intertextualidades, com propriedade,  remetem a Fernando Pessoa (“Rio da minha aldeia”), Heráclito,  Baumman, Tom Jobim… nesses poemas de Águas, associações intertextuais  com Aguas de março,  induzem ao olhar político:  Águas rasas, profundas [..]  Lavagem de roupa suja

Daí, os Caminhos suscitam reflexões existenciais, relacionados à inexorabilidade da vida, às buscas de cada um:  Ser feliz; escolha de caminhos, incerto risco/ Descaminho ou fortuna ; Fé na Ciência/ Fé na religião.  Dois poemas sobre Guerra traduzem  o seu sentido avassalador, mortal/ desalmada. A perplexidade de pensar: Por quem matar? […] Por quem morrer?…

 Fogo, mais um bloco  tematizado,  é chama de vida;  lutas de cada um: Histórias recontadas/ Memórias revividas. E os “ditos” enriquecem as reflexões: Brincar com fogo/ Lenha na fogueira/A ferro e fogo, e a voz de Guimarães Rosa é chamada em conclusão: Perigoso é viver .  Mas,  do mesmo autor G Rosa,  enquanto leitora, digo: “o que a vida quer da gente é coragem!”.  E parecendo responder, o poema V, com otimismo,  traz Camões – amor é fogo – e também  Raul Seixas: Tente outra vez...

Ar, o último bloco temático:  É bandeira tremulando;  é  Fúria, força, energia é  Don Quixote e os Moinhos de Ventos . Depois, ainda intertextualizando e concluindo, é Mudar de ares … E o Vento Levou .   Entre o céu e a terra, Shakespeare!/ O tempo e o Vento, Érico Veríssimo , diz o poeta: Outros ventos, outros ares, outros mundos/ outros viventes, graças a Deus!

Os poemas, seguintes aos blocos, suscitam o tempo e o seu passar…   Numa sequência quase narrativa, desde  Tempos imemoriais, a Pegadas na areiaMudança no Horizonte… que chega ao Mundo Virtual em que vivemos em Solidão,/ Malancolia, /Vazio.   E em Busca, Buscas sem fim.  Evolução insinua o caminhar da humanidade, que Domou o fogo, a planta, o animal/ Domou a energia, Domou o outro, irmão […] Mais poder, mais riqueza  e a idéia da ambição que norteia a humanidade…   E a inexorabilidade  do tempo  segue,  nos demais  poemas, considerando momentos de magia e trégua, com no Carnaval. Mas o destino é nascer e morrer, Vestir e Despir. O Tempo: Atemporal, imemorial, eterno  .  A ironia é sinalizada  na nostalgia do Passado Glorioso.  Tudo passa… Ficam as Reminiscências, Mergulho nos tempos de criança

Afinal, os cinco últimos poemas, destacados  em italic, trazem esperança.  Falam de Semeaduras e Colheitas. Falam de “sentimentos de sombria e pungente colheita”, aqui e acolá.  A  intertextualidade com   Por quem os Sinos Dobram,  de Hemingway, conclama: “Toquem por eles, toquem sem cessar/ até o pesadelo despertar!”  Com o título de Tolstoi, recorre a Guerra e Paz, mas ironicamente, conclui: “Quem foi que disse que a paz se faz / Com sangue de vidas?”

Sutil e ironicamente, então, a voz poética mostra a sua incredulidade ao propor um recomeçar: “Quem falou em Arca em asa de meteoro?/ Quem falou em ovo novo, de novo? Quem falou serpente mais uma vez? “   

Recomeçar tudo outra vez? O leitor se pergunta!

E o poema que encerra o livro instala a dúvida. Entre a tigresa de Caetano, “de unhas negras/ e íris cor de mel” e a Monalisa de  Leonardo da Vinci, ou mesmo o tigre de Capinam e Macalé,  resta a descrença de mudança “Tormento sem azuis manhãs”

Nesse singular processo criador, por estratégias diversas, narrativizando poeticamente, Agenor Gasparetto  faz, também, a sutil  crítica social a esses  tempos tensos.

 

 

Em agosto de 2025.

 

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Chamada Oficial para Atualização de Contato

A Academia de Letras de Itabuna  está atualizando seus registros e solicita, mais uma vez, que os membros Marialda Jovita Silveira e Naomar Monteiro de Almeida Filho entrem em contato com a instituição para atualizarem seus contatos de e-mail e telefone.

O contato deve ser feito através do nosso e-mail: alitaitabuna@gmail.com ou do nosso Telefone/WhatsApp: (73) 9961-6470.

Este chamado visa garantir a integração plena de todos os membros e fortalecer os laços que unem esta Casa das Letras.

A presença de cada acadêmico é essencial para a continuidade do nosso trabalho em prol da cultura e da literatura Grapiúna.

Diretoria da ALITA
02/08/2025

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HOMOLOGAÇÃO DO RESULTADO DA ELEIÇÃO

Para as Cadeiras nº 4 e nº 37 da Academia de Letras de Itabuna – ALITA

Após a devida averiguação e apuração dos votos, bem como a verificação da lista de votantes — membros da Academia de Letras de Itabuna —, a Diretoria da ALITA torna público o resultado oficial da eleição para preenchimento das cadeiras nº 4 e nº 37.

Foram eleitos:

Jeffson Oliveira Braga

Ademilton Batista Santos

O presente resultado foi homologado em 01 de agosto de 2025, conforme os dispositivos do Estatuto e do Regimento Interno da instituição.

Itabuna, 01 de agosto de 2025

Diretoria da Academia de Letras de Itabuna

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ITABUNA SEMPRE – Por Rilvan Santana

Gente deveria ser igual cidade que o tempo não destroi, mas constroi. O homem quando nasce, nasce bonito, se velho morre, morre pelancudo, murcho, desdentado, envergado, calvo, pele enferrujada, dor aqui, dor acolá, o tempo não perdoa… A cidade nasce com ruas tortas e estreitas, caminhos, casebres de taipas, de adobes, de tijolinhos, esgoto a céu aberto, iluminação precária ou sem iluminação, abastecimento de água improvisado, etc., etc., porém, à medida que o tempo passa, torna-se arquitetada, bonita, atraente, confortável, iluminada, ruas largas, água na torneira, casas planejadas, prédios, arranha-céus, transportes de massa, escolas, postos de saúde, hospitais, segurança pública, justiça, assim ocorreu em Paris, em Londres, em Roma, em Jerusalém, em Washington e em Itabuna.

Itabuna nasceu às margens do rio Cachoeira sob os olhares dos índios aimorés, tupis, tupiniquins e a força econômica dos tropeiros que faziam passagem para Vitória da Conquista na rancharia “Pouso das Tropas” na Burundanga, de José Firmino Alves. O sobrinho do cacauicultor Félix Severino do Amor Divino e filho de José Alves, Firmino Alves, foi o verdadeiro fundador de Itabuna, em 1906 ele doou as terras para sede administrativa do município, antes foi o Arraial de Tabocas, Vila, enfim, Itabuna, desmembrada de Ilhéus em 28 de Julho de 1910 e seu primeiro prefeito o engenheiro Olynto Batista Leone um dos apaniguados do coronel do cacau e político Firmino Alves.

O historiador Adelindo Kfoury registra que Firmino Alves não foi somente um grande fazendeiro, um coronel do cacau, tanto quantos muitos de sua época, mas um homem de excepcional capacidade administrativa, ainda jovem, com a morte do seu pai, mudou-se de Burundanga para o Arraial de Tabocas e construiu na Rua da Areia (Miguel Calmon), uma moradia suntuosa para os padrões da época e um armazém de cacau.

Firmino Alves além de empreendedor, foi um político de quatro costados, desde cedo, articulou junto às autoridades do estado a independência de Itabuna. Alguns anos antes do desmembramento de Ilhéus, Itabuna ainda Vila de 10.000 habitantes, estimulou a vinda de profissionais qualificados, em pouco tempo, engenheiros, médicos, professores, agrônomos, topógrafos, agrimensores, dentre outros profissionais, desembarcaram aqui com a promessa de um novo El Dorado.

Hoje, Itabuna não lembra de longe o Arraial de Tabocas, não é uma metrópole, mas é uma cidade grande: comércio forte, indústria incipiente, agricultura doméstica, sistema de saúde significativo, escolas para todas as faixas de idade, faculdades privadas, universidade, centro administrativo, bom sistema de segurança pública, justiça que atende às demandas, transporte de massa satisfatório, infraestrutura em expansão, ruas e avenidas asfaltadas, arquitetura moderna, uma frota significativa de automóveis e dezenas de bairros em torno.

Porém, a marca principal de Itabuna é o seu povo. Itabuna foi construída por gente simples e ordeira que migrou de outros estados do Nordeste, principalmente, o estado de Sergipe. O itabunense é alegre, bondoso, solidário, prestativo, acolhedor, trabalhador e inteligente. Não é à toa que o forasteiro não se sente forasteiro pouco depois que chega a este pedaço de terra do Sul da Bahia.

A cultura itabunense tem atuação expressiva no cenário nacional. Os nossos poetas, os nossos escritores e os nossos artistas são reconhecidos aqui e lá fora. Não se pode negar a contribuição às letras e às artes de Itabuna, de Jorge Amado, Valdelice Pinheiro, Firmino Rocha, Hélio Pólvora, Cyro de Mattos, Telmo Padilha, Plínio de Almeida, Minelvino Francisco Silva, Walter Moreira, José Bastos, José Dantas de Andrade, Adelindo Kfoury, Jorge Araújo, Ruy Póvoas e tantos outros que a memória e o tempo impedem-me de nomeá-los, mas, eles não têm contribuição menor.

No próximo 28 de Julho, Itabuna completará mais de cem anos de cidade, uma adolescente comparada às suas irmãs de milênios! Mais de cem anos de acolhimento aos seus filhos aqui gerados e aos seus filhos adotados. Mais de cem anos de luta, de intempéries, de espoliações, de estagnação, mas, também de desenvolvimento, de alegrias e vitórias.

Itabuna mãe, madrasta, amiga, Itabuna sempre.

Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons (Recanto das Letras)

Membro da Academia de Letras de Itabuna

 

 

Rilvan Santana

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UMA CONVERSA COM RITINHA DANTAS – Por Raquel Rocha

Ritinha Dantas, como é carinhosamente chamada, é uma daquelas figuras cuja trajetória se confunde com a própria história cultural, educacional e social de Itabuna. Professora, escritora, gestora pública e intelectual de múltiplas frentes, ela é um nome marcante na cultura Itabunense, nas páginas da literatura regional e nas memórias de todos que com ela conviveram.

Nesta entrevista, Maria Rita revela com rara sensibilidade as raízes de sua formação humana e intelectual, nos contando sobre sua infância vivida entre a zona rural e a cidade de Itabuna, as experiências musicais precoces, o incentivo familiar à leitura e o amor pela educação e pela cultura.

Relembra também momentos marcantes de sua vida pública, como a criação da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania – FICC –, e reflete sobre os desafios que enfrentou com coragem e espírito coletivo. Suas palavras trazem ensinamentos, inspiração e uma paixão contagiante pela vida, pela literatura e pela transformação social por meio do conhecimento.

Com o olhar atento de quem nunca perdeu a capacidade de se indignar diante das injustiças, Ritinha reafirma, nesta conversa, sua crença no poder da cultura, na força da educação e no valor das novas gerações como sementes de um futuro mais justo e criativo.

Raquel Rocha

 

Raquel Rocha: Ritinha, que lembranças mais marcantes você guarda da sua infância em Itabuna?

Rita Dantas: A minha infância em Itabuna é muito rica em vivências rurais e urbanas. Rurais, pois nasci e morava na Castelo Novo, de meus ancestrais, hoje já completamente cercada pelos Bairros Santo Antônio, José Coelho e Lava-Pés. Essas vivências eu as descrevi no meu livro “Bença Vó”. As urbanas, estão cheias de vida, com lembranças das caminhadas para a minha escola 10 de janeiro, da Professora Alzira Paim; da convivência com meus colegas de uma escola seriada, onde meninos e meninas estudavam juntos em série diferenciadas e aprendiam a conviver com as suas diferenças. Brigávamos, nos desentendíamos, fazíamos as pazes, disputávamos a atenção da professora e de sua mãe que chamávamos de Vovó Bebel. Estão também cheias das lembranças das minhas aulas de piano, com Neide Borges, Vanda Montalvão Souza e Célia Pinho Vita; aulas de solfejo com Amália Souza e canto orfeônico com Zélia Lessa. Era um corre-corre a minha vida dos 3 aos 14 anos. Aos 11, em 1951, entrei na Divina Providência onde comecei o ginásio e tive experiências as mais diversas, com meus colegas, aí incluídas atividades política e social. No contexto familiar sempre me senti muito feliz com meus pais, avós, irmãos e os primos Henrique, Rita Marlene e Tonho. Fazíamos teatro em casa, frequentávamos como fadinhas e depois bandeirantes os acampamentos e as reuniões, aprendendo sobre participação e solidariedade. Mais que tudo tivemos pais, irmãos e avós amorosos e dedicados.

 

Raquel Rocha: Poderia nos contar um pouco sobre as raízes da sua família?

Rita Dantas: Cresci sabendo que nossos ancestrais eram sergipanos por parte dos pais de meu pai. Que eles vieram da Chapada dos índios e de Tomar do Geru, o ramo dos Silva Coêlho. Por parte da sua mãe, os Soares Nascimento que vieram de Maruim. Aprendi desde cedo que os líderes da nossa família eram o meu tio avô Paulino Vieira do Nascimento e o meu avô José da Silva Coêlho, ambos falecidos antes de 1940. Eram pioneiros desbravadores e enriqueceram na lida com o cacau, na atividade comercial e no próprio desbravamento das matas e no plantio do cacau.

A família da minha mãe era da região de Muritiba e Castro Alves. O meu avô materno, Ernesto Neves Simões se radicou em Itabuna, viúvo, com seus filhos, Raimundo, Paulo, João e Carmen Diógenes Simões, minha mãe. A minha avó materna, Anita Diógenes Simões era de Castro Alves e faleceu muito jovem.

 

Raquel Rocha: Como a convivência com seus familiares influenciou sua formação humana e literária?

Rita Dantas: Meus pais priorizavam a educação dos filhos: Éramos seis, dois filhos e quatro filhas. O primeiro filho, depois Dr. Fernando Simões Coelho, foi para o colégio Maristas, interno, logo que terminou o primário. Era o meu guru e trazia as novidades da capital para mim, entre elas livros que admirava. Eu era a segunda filha, com duas irmãs mais próximas, Margarida e Heloísa, e uma irmã Carmen Tereza que nasceu, quando eu já tinha 13 anos. Naquela época meu pai comprou o Tesouro da Juventude, uma enciclopédia que nos ensinava muitas coisas. Comprou um Atlas maravilhoso e nos contava sobre o mundo e muitos livros outros, pois meu pai lia muito. Minha mãe adorava cantar enquanto bordava, lia romances de M. Delly e nós ouvíamos no rádio Francisco Alves, Carlos Galhardo, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira e muitos outros. Meu tio e padrinho Raimundo tinha em sua casa um quarto só de revistas e livros. Eu adorava ler os gibis e as revistas as mais diversas, inclusive as de terror e Ficava encantada com Flash Gordon e aí começou o meu interesse por ficção científica. Nesse quartinho de leitura ficávamos Fernando, Ubaldo, Henrique e eu. Líamos tudo ou quase tudo. Logo eu quis ir para Salvador também e meu pai me colocou interna no Colégio Santíssimo Sacramento, as Sacramentinas. Lá, continuei meus estudos de piano e francês. Conheci vários poetas e escritores franceses por meio das irmãs francesas que descobriram meu interesse por literatura. Cheguei a fazer uma peça de teatro em francês, Joanna d`Arc, em que eu era a protagonista. Como adolescente passei a ler uns romances que minha mãe tinha em casa, de M. Delly, todos de amor. Só muitos anos depois descobri que eram escritos por dois irmãos que usavam esse pseudônimo. Mas na adolescência fiquei mesmo encantada foi com os livros de ficção científica editados em Lisboa pela coleção Argonauta. Li todos que nos chegavam às mãos. Vivi assim, cercada de livros, revistas, partituras, me formando em nível superior de música em 1957.

 

Raquel Rocha: Quem foram suas maiores inspirações na juventude, tanto na vida quanto na literatura?

Rita Dantas: Não é fácil falar sobre inspirações na juventude. Primeiro, o que é juventude? Eu amava os músicos, sobretudo Grieg, Chopin, Mozart, Vivaldi, Bach, Villa- Lobos, Carlos Gomes e Beethoven. Eles eram inspiradores para mim e algumas de suas peças toquei em concertos em Itabuna e em Salvador. Na literatura, como aos 18 anos eu já estava cursando letras na UFBA, entrei em contato com poetas e romancistas portugueses, brasileiros, italianos e espanhóis. Fui lendo Camões, Fernando Pessoa, Cesário Verde, Mário de Sá Carneiro, Molière, Victor Hugo, Stendhal, Balzac, os poetas simbolistas, Don Quixote, Soror Juana de la Cruz e os brasileiros entre outros Carlos Drummond, Cecília Meireles, Castro Alves, Gonçalves Dias, José de Alencar, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Manoel Bandeira, Jorge Amado e Adonias Filho. Me encantei com os dois últimos e passei a estudar profundamente a obra dos dois. Acho que foi inspirador para mim saber que eu tinha um dom especial para entender os poetas e prosadores.

Na vida, foi a minha mãe que me ensinou como a vida era bela, como eu devia ter sempre uma visão otimista da vida, como devia ser gentil e educada com todas as pessoas não importando a origem, cor ou gênero. Como eu devia estudar, me formar e adquirir independência pelos estudos. Convivi apenas 25 anos com a minha mãe, mas foram definitivos na minha vida.

 

Raquel Rocha: Quando você percebeu que a palavra escrita seria o seu instrumento de expressão?

Rita Dantas: Eu sempre gostei de escrever, de fazer diários e redigir discursos. Mas escrever romances para mim sempre foi impedimento, pois nunca gostei de simular intrigas, desencontros, desavenças e sem isto os romances não existem. Assim, me dediquei a escrever crônicas, relatos, poemas, romance histórico, muitos ainda não editados, pois levá-los a público sempre me angustia. Continuo escrevendo minhas experiências de vida com as pessoas mais significativas na minha vida, a minha relação com meus animais, com as pessoas que me ajudaram no serviço doméstico, as minhas perdas e os meus ganhos.

 

Raquel Rocha: De todos os papéis que exerceu, professora, escritora, gestora cultural, qual lhe deu mais alegrias?

Não existe a que deu mais. Foram todas muito gratificantes e diferentes nas suas missões. Sempre as considerei assim. Tive uma experiência das mais felizes como professora nos níveis médio e superior. Sempre considerando que não estava ali para reproduzir e sim para criar junto com meus alunos. Sempre tive o aprender fazendo como inspiração e sempre estimulei meus alunos a estudarem comigo. Eu escolhia algo que nunca tinha estudado, mas eu tinha a teoria e o método para fazer isso e com eles íamos desbravando aquela selva desconhecida e chegávamos juntos no final. Era uma satisfação enorme. Como gestora, utilizei-me da gestão participativa, em que todos opinam e em consenso decidem o que fazer. Coloquei sempre o respeito às diferenças como prioridade e o reconhecimento do mérito para classificação e recompensa. Conviver com a cultura foi uma experiência criativa sedutora. Conhecer cada artista, seus sonhos, suas dificuldades, suas críticas, tudo isso me ajudou a construir uma visão abrangente sobre a questão cultural no nosso município.

 

Raquel Rocha: A criação da FICC foi um marco na cultura de Itabuna. Poderia falar sobre a criação desta instituição? Que memória mais forte você guarda desse tempo?

Rita Dantas: Na primeira gestão de Ubaldo como prefeito de Itabuna de1983 a 1988, eu era Secretária de Desenvolvimento Social. Durante a campanha eleitoral, eu pedi ao então prefeito, Fernando Barreto, tão logo ganhamos a eleição, levar à Cãmara de vereadores a proposta de criação da Secretaria de Desenvolvimento Social. Eu já tinha feito uma pesquisa no nível nacional e achei a proposta da cidade do Rio de janeiro bem interessante. Eu sabia que tinha de me envolver com a educação e a cultura para que a secretaria alcançasse seus objetivos. Com a chegada de Mário Gusmão, e com a professora Tica Simões à frente da Diretoria de Cultura da Secretaria de Educação, ocupada pela Professora Norma Vídero Santos, iniciamos um projeto de envolvimento dos artistas regionais, com atividades e ações que os qualificassem. Nessa época senti a necessidade de criar uma Fundação para que os artistas tivessem voz no município, o que só ocorreu, quando ganhamos a eleição no ano 2000, em que Ubaldo era o vice-prefeito.

Durante a campanha eu me comprometi a criar a Fundação com o apoio de Ubaldo e do então Secretário de Educação. Fui então nomeada pelo sr. Prefeito como Diretora de Cultura na Secretaria de Educação e começamos a preparar a criação da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania. São tantas as memórias de luta, de desafios, mas a maior lembrança foi a luta conjunta com os artesãos para reformar a antiga delegacia da Rua Rui Barbosa e transformá-la no Shopping dos artesãos, permitindo um maior ganho para eles. A Casa do Artesão passou então a ser a sede da FICC. Essa mudança também é uma memória forte, pois tive de reformar a Casa duas vezes, na primeira gestão de Ubaldo e em 2002.

 

Raquel Rocha: Que desafios mais ensinaram você ao longo da sua trajetória de trabalho público e social?

Rita Dantas: Os desafios foram incontáveis. Um que marcou muito minha trajetória foi a invasão do Pau Caído, onde construímos o Bairro Novo Horizonte, na gestão Equipe Ubaldo Dantas. A invasão foi feita por mulheres de idade mais avançada que estavam vivendo com filhos e netos em um quarto diminuto sem condição alguma de uma convivência digna. Fiz um relato dessa experiência no documento Colheita que faz um resumo da gestão Equipe Ubaldo Dantas. Na FICC, a edição de CDs de artistas itabunenses, assim como de livros, a exemplo do de Ramon Vane, tiveram um forte impacto no nosso trabalho, por termos que lidar com desafios e dificuldades de ordem financeira, já que a cultura não consegue mobilizar os governantes no sentido de a enxergarem como um grande investimento social.

 

Raquel Rocha: O que mais encanta você na vida atualmente? E o que a entristece?

Rita Dantas: Continuo encantada com a vida. Sou uma pessoa otimista e crente na capacidade criativa do nosso povo brasileiro. Vivi muitos anos também como consultora na área da saúde, trabalhando na construção do Saúde da Família, de documentos a serem usados por agentes comunitários de saúde, por médicos e usuários nas áreas de saúde pública dirigidos para hanseníase, malária e muitas outras; de material sobre responsabilidade socioambiental e na utilização de medicamentos comprometedores, a exemplo da Talidomida. Entristecer não é a abordagem correta e sim me indignar. Não perdi a capacidade de me indignar com as injustiças, os maus-tratos, os preconceitos e as discriminações.

 

Raquel Rocha: Como você vê o papel da mulher na sociedade contemporânea, em comparação à época em que iniciou sua carreira?

Rita Dantas: É interessante como a minha vida foi e continua a ser moderna, apesar da passagem do tempo. Eu me formei e comecei a trabalhar, enquanto fazia um ano de pós-graduação. Voltei para Itabuna, em 1963, a convite de Flávio Simões para ensinar no Colégio Estadual de Itabuna e na Faculdade de Filosofia, com a primeira turma se graduando em 1964. Me casei em 1964 e continuei ensinando, na época Filologia Românica e Literatura Brasileira. Passei a minha vida trabalhando e tentando conciliar as minhas atividades profissionais com as dos meus três filhos, João Ubaldo, Luiz Fernando e Afonso Henrique com as do meu marido, Ubaldo Porto Dantas, sempre priorizando as suas escolhas, sem que por isso me sentisse prejudicada. Me considerei sempre uma parceira nas missões que lhe eram confiadas e nunca sofri discriminação por ser mulher, ser casada, ser mãe de três filhos. Até na política me envolvi, quando necessário, mas eu soube colocar a harmonia familiar em primeiro lugar.

Acho que a mulher contemporânea pode muito bem conciliar trabalho e família, a depender dos seus sonhos e expectativas. Assim como também pode optar por viver independente, sem que os laços afetivos a limitem ou impeçam a sua liberdade total.

 

Raquel Rocha: Em sua opinião, qual o maior valor que devemos preservar na nossa convivência humana?

Rita Dantas: O respeito é um valor inestimável. Aprendi com meus pais que é preciso respeitar as opiniões alheias. Em uma convivência harmoniosa tem-se que cultivar paciência, tolerância, amor ao próximo. Sempre considerei que gostar das pessoas em geral era o melhor que a humanidade poderia cultivar. Reconhecer que cada um tem uma visão própria da vida e que precisamos respeitar essas visões, mesmo que elas não correspondam às nossas expectativas.

 

Raquel Rocha: Você acredita que a literatura pode transformar vidas?

A literatura é um caminho de conhecimento. Os livros, sejam em prosa ou poesia, eles nos ajudam a entender a humanidade. Um leitor assíduo pode viver várias experiências por meio de suas leituras. A ficção científica, por exemplo, me ensinou novos caminhos, novas visões, novas perspectivas, novas abordagens, muitas delas transformadas em realidade hoje em dia. Os grandes romances, a exemplo dos de Guimarães Rosa, de Machado de Assis colocam para nós desafios que a própria vida refuta. Os novos escritores japoneses são um exemplo para nós de abordagens que nos chocam, nos emocionam e nos ensinam que cada povo tem suas dores e suas realizações. Sem mencionar os romances de viagens que nos levam a locais desconhecidos e aventurosos. Eu mesma já fui visitar vários locais a partir da leitura de livros interessantes, a exemplo do livro de Ildefonso Falcones, “A Catedral do Mar”, em Barcelona, na Espanha; O romance histórico de Kate Mosse, “O Labirinto”, em Carcassonne, na França. O romance “Istambul”, do prêmio Nobel, Orhan Pamuk. Deste autor, inclusive li um livro muito instigante “Neve”, também na Turquia, que aborda questões religiosas bem marcantes.

 

Raquel Rocha: Que projetos ou sonhos guarda consigo, que gostaria de ver realizados?

Rita Dantas: Ah, são tantos os projetos que habitam os meus pensamentos e tantos os sonhos a realizar que a cada dia penso que “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”( Eclesiastes 3). Hoje desejo mais que meus descendentes e amigos possam fazer dos seus sonhos realidades e que a Juventude do meu país não deixe de pensar, nem de elaborar projetos que beneficiem o nosso povo brasileiro.

 

Raquel Rocha: Para encerrar: que mensagem gostaria de deixar para as novas gerações de itabunenses e para aqueles que lutam pela cultura e pela educação?

Rita Dantas: Que busquem ser otimistas em relação à cultura e à educação da nossa terra. Nós temos uma herança cultural valiosa que pode embasar a nossa educação. Na gestão Ubaldo Dantas, tivemos um projeto educativo que incentivava os alunos a pesquisarem sobre suas origens, as origens do seu bairro, para que desenvolvessem o sentido do pertencimento, das necessidades e da defesa dos seus contextos culturais.

Que se lembrem, sempre, que nossa região é rica em termos culturais: Temos escritores, poetas, atores, músicos, historiadores e mesmo que estejam atuando em outras terras, serão sempre itabunenses e mais que tudo grapiúnas. Não devemos pensar pequeno, e sim pensar nessa região fértil que engloba a Nação Grapiúna: Ilhéus, Buerarema, Itajuípe, Uruçuca, Ipiaú, Ibicaraí, Una, Canavieiras, Belmonte, e todos os outros, com nomes de peso na nossa Literatura Brasileira, a exemplo de Jorge Amado, Adonias Filho, Cyro de Mattos, Telmo Padilha, Hélio Pólvora, Jorge Medauar, Sonia Coutinho, Heloisa Prazeres, Sosígenes Costa, Euclides Neto, José Bastos, Florisvaldo Matos, Ruy Póvoas, Margarida Cordeiro Fahel. Sem falar nos artistas Marcelo Ganem, Jean Costa, Jackson Costa, Jafet, Sabará, Ébano, José Henrique, Azulão, Alba Cristina, Betão, Fernando Caldas e tantos outros. A nossa maestrina Zélia Lessa, a nossa formadora musical Mariângela Montalvão Souza Oliveira e a nossa eterna musa Candinha Dórea.

Que se convençam que a educação é uma prioridade para todos que valorizam a vida.

Que como jovens sonhadores exijam uma educação integral de qualidade em toda a nossa região que os possibilite participar ativamente na construção de uma sociedade mais desenvolvida, mais justa e mais igualitária.

 

Julho, 2025

UMA CONVERSA COM RITINHA DANTAS – Por Raquel Rocha Read More »