Produção Literaria

POEMA AMIGO. Para Henrique e Tica- Cyro de Mattos

Cyro de Mattos
Para Henrique e Tica

Eram foliões
Animados no salão.
Ele de marujo,
Ela de melindrosa.

No convés do navio,
Por mares distantes,
Ao balanço dos azuis
E dos verdes ares de sol.

Na universidade então
As letras abraçavam-se
Em forma de coração
E a história os levava.

Souberam do amanhecer
Como pombos na janela,
Voavam e retornavam
Pela baía do Pontal.

Então se cale, morte.
Você nunca vai saber
De um sentimento
Que é o mais forte.

Não é frio, só aquece.
Refaz os sentidos
Exauridos da vida,
Transcende o mundo.

Seu nome é amor.

 

*Poema lido por Gustavo Cunha, membro da Academia de Letras de Ilhéus, em ocasião da posse de Tica Simões.

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DISCURSO DE POSSE NA ALI- Tica Simões

Discurso de Posse na Academia de Letras de Ilhéus-  Cadeira 19

Saúdo à mesa e a todos os presentes.

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Muda-se o ser, muda-se a confiança

Todo mundo é composto de mudança

Tomando sempre novas qualidades

…………………………………………

E afora esse mudar-se a cada dia

Outra mudança faz de mor espanto

Que não se muda mais como soia

Camões

Inicio a minha fala com esse fragmento do soneto camoniano, para reafirmá-lo. Sim, não se muda mais como se costumava mudar…

Estou aqui hoje respondendo aos convites que recebi, em diversas épocas, de presidentes desta casa. Afinal, Mudam-se os tempos…Em atenção àqueles convites – desde o primeiro que recebi do saudoso Francolino Neto (lá se vão alguns tantos anos…), chegou o momento de aceitá-los.

Quero agradecer ao confrade Aleilton Fonseca, pela apresentação do meu curriculum à confraria desta Academia. Agradecer à receptividade da sua diretoria: Pawlo Cidade, Anarleide Menezes… E, ainda, a atenção da secretária, Eliene Higínio. Especialmente, agradeço a acolhida de todos os confrades e confreiras, que hoje me recebem.

Foi com muita emoção que ouvi as palavras de saudação de Ruy Póvoas, antes de tudo, um amigo-irmão que a vida me deu.

Hoje, a sensação é de mais um passo na minha caminhada, quando chego a esta casa para tomar posse da cadeira 19, que tem como Patrono Ferreira Câmara e como Fundador Eusínio Gaston Lavigne. E, mais recentemente, foi ocupada por Arléo Barbosa – três intelectuais. Idealistas, defensores da cultura, do bem social e da história, valores que, acredito, dão sentido à vida.

Nesses valores, busco inspiração para esta minha fala.

O Patrono da cadeira 19, Manuel Ferreira da Câmara de Bittecourt e Sá nasceu em Minas Gerais (1762) e viveu muitos anos em Portugal. Lá, na Universidade de Coimbra, foi colega de José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da nossa independência. Engenheiro, publicou inúmeros trabalhos na área científica dentre os quais destaco Ensaio de Descrição Física e Econômica da Comarca de Ilhéus na América (1789),

Na sua trajetória, nos idos do sec XVII, enquanto membro da Academia Real das Ciências de Lisboa, defendeu o plantio do cacau para Ilhéus. Atenta à sua defesa por Ilhéus, digo com Fernando Pessoa, (QUINTO/ D Afonso Henriques. In: Mensagem) .

PAE, foste Cavallero

Hoje a vigília é nossa.

Dá-nos o exemplo inteiro

E a tua inteira força!

Neste ano de comemoração dos duzentos anos das bravas lutas dos baianos pela independência do Brasil, tomo esses versos em postura de decolonialidade, afirmando: “hoje a vigília é nossa”!

Do Fundador dessa mesma cadeira, Eusinio Gaston Lavigne, muito há a dizer. Falecido em 1973, a sua biografia é do conhecimento de alguns de vocês. Eu não tive a honra de conhecê-lo e o que vou lhes falar, resumidamente, é fruto de leitura de alguns dos trabalhos publicados, dele e sobre ele, que o declaram um democrata humanista.

Mas refiro pontualmente o livro Eusínio Lavigne – Paradigma de Caráter e Honradez (2009), de autoria do seu filho José Leo Lavigne que, nas suas 497 páginas, reúne o cerne do pensamento do pai: inabalável à causa socialista.

Não há contradição quando, tantos que escreveram sobre esse democrata, dizem que ele foi um intelectual de primeira linha: jurista, político, escritor, jornalista. Participou de vários movimentos sociais e político-democráticos, desde a campanha civilista de Ruy Barbosa, na revolução de 1930, movimento de partidários da paz, que ele liderou em Ilhéus, onde foi prefeito, de 1934 a 1937.

Incentivava a história e a literatura porque acreditava na sua força para a formação do cidadão. Ainda sobre os seus feitos é de mencionar o livro da confreira desta casa Maria Luiza Heine. IME, O sonho de Eusinio Lavigne. (1999), que trata dos 60 anos do primeiro ginásio público do interior da Bahia e evidencia a luta de Lavigne em defesa da educação.

Autor de diversos livros, notadamente sobre espiritismo e socialismo, dentre tantos, sobre ele, disse Jorge Amado, no prefácio de Os espiritualistas perante a paz e o marxismo: a perfectibilidade do espírito, pelo socialismo (1955):

“as ideias expressas neste livro apenas completam a sua nobre e corajosa atitude de cidadão que tem sido, no Brasil, um dos mais destacados e ativos partidários da Paz.”

Passaram-se os anos e essa Cadeira 19 foi ocupada por Carlos Roberto Arleo Barbosa, desde 2009 até quando, infelizmente, ele nos deixou, em fevereiro de 2022.

À família de Arléo Barbosa, à sua esposa, seus filhos e netos, que agora com afeto cumprimento, digo que, sobre Arléo, é fácil falar, até porque com ele convivi nos tempos de UESC, e sei do profissional comprometido, idealista e pesquisador apaixonado por estas terras e por sua história.

Baiano de Jequié, ainda adolescente veio morar nesta cidade e aqui plenamente viveu. Sua formação de graduação foi em Pedagogia, ainda pela Faculdade de Filosofia de Itabuna, em 1968. Depois voltou o seu interesse de pesquisa para a área de História, fazendo especializações sucessivas: História Contemporânea, Educação Brasileira, História Regional. Em 2002, concluiu o mestrado em Educação, com a dissertação: “A rede pública de ensino médio de Ilhéus: décadas de 1940-1950. Análise de um trajeto histórico”.

Teve significativa atuação na vida cultural ilheense, inclusive foi um dos fundadores do Colégio Fênix, em 1988. Foi professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, de 1974 a 2008, onde além de professor foi pesquisador na área da História Regional

Publicou vários livros e artigos em jornais e revistas. Especialmente cito os livros: Monarquismo e Educação (1972); Nhoesembé (1973); Ilhéus (2010) e Notícia Histórica de Ilhéus (2013).

Foi presidente desta Academia de Letras de Ilhéus, no período de 2009 a 2013. Ao longo da sua trajetória, recebeu várias homenagens. De tantas, aqui destaco, o título de Cidadão Ilheense (1986) e a Comenda do Mérito São Jorge dos Ilhéus (2004), ambas pela Câmara de Vereadores de Ilhéus. Além disso, recebeu o Reconhecimento pelo pioneirismo e anos de dedicação ao ofício de Historiador, à formação de professores na região Sul Baiana, do XXX Ciclo de Estudos Históricos (2019).

Professor da rede pública e privada de Ilhéus, em março deste ano de 2023, foi homenageado com o seu nome para o colégio estadual da Barra de Itaípe que passou a ser Colégio Professor Carlos Roberto Arleo Barbosa.

Agora, também em sua homenagem, sigo a linha do tempo, citando Colombos, in Mensagem, de Fernando Pessoa:

…………………………………..

Outros poderão achar

o que, no nosso encontrar,

Foi achado, ou não achado,

Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca

É a magia que evoca

O Longe e faz d’elle história.

………………………………………..

E, neste instante, para dizer de mim, eu recorro à literatura, através de fragmentos:

A memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que importa, eternizando momentos.

Adélia Prado

É preciso recomeçar a viagem. Sempre.

José Saramago

Mais importante do que o que a vida faz com a gente, é o que fazemos do que a vida fezcom a gente.

Mia Couto

É que tem mais chão nos meus olhos

do que cansaço nas minhas pernas. […]

Cora Coralina

O valor da coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. Fernando Pessoa

E completo com as minhas maiores referências:

Perseguir sonhos, é vida que segue

Ladislau Netto, meu pai

Viajar é preciso, e viver para contar a história

Henrique Simões

Pois é, quanto a mim, não há mais muito que falar, pois Ruy disse até dizeres do avesso (usando o título do seu último e belo livro).

Como alguns já sabem, sou soteropolitana de nascimento, mas me tornei grapiúna por identidade e vida.

Sempre me considerei uma pessoa de sorte.

Começo por dizer da minha descendência indígena, da tribo dos Kiriri, um povo guerreiro e observador, localizado no sertão nordestino (norte da Bahia). Essa descendência é por parte do meu pai, Ladislau Netto, advogado, escritor, de quem herdei o gosto da aventura, o prazer da leitura e a crença de que se deve sempre perseguir os sonhos. E tive o exemplo da minha mãe, Anna Teixeira Netto, de sangue português, poetisa, exemplar companheira, uma mulher toda coração… Assim, vivi a infância, cercada por quatro queridos irmãos (hoje, aqui, representados pelo mais velho, Sérgio, nosso patriarca). Vivi em Salvador, na península de Itapagipe, no Monte Serrat, entre o mar e os livros… entre o estudo, as aventuras e as viagens…

E a minha sorte seguiu, quando, aos 13 anos, conheci Henrique Simões; com ele, casei-me aos 18. Tive a ventura de ter meus dois filhos: Mauricio e Moyses. E a família cresceu com as noras e as netas. E aqui estão Juliana e Camila.

Pois bem, casada, vim morar na acolhedora Itabuna, onde fui recebida por seus pais – Celita e Paulo Simões – e os 8 irmãos, que se tornaram a minha segunda família.

Depois, encantados com Ilhéus – por sua história, sua beleza natural -, escolhemos viver nesta arrebatadora cidade.

Felizes vivemos até o ano de 2020, quando ele precisou partir para uma dimensão paralela…

Neste momento, ao falar para vocês da minha caminhada, perdoem-me, mas não consigo fazê-lo sem trazer a presença de Henrique, com quem intensa e plenamente partilhei toda a vida. O destemor da aventura foi a nossa maior cumplicidade. E a nossa vida foi de estudo, trabalho, viagens… Sempre juntos… fazendo a vida valer!!

Então… Juntos, vivenciamos o sonho do ensino superior na região.

Cheguei à Itabuna ainda no tempo das escolas isoladas; a Faculdade de Filosofia, àquela época com Flavio Simões Costa, Manuel Simeão da Silva, Maria Rita Coelho Dantas, Valdelice Pinheiro, Rivaldo Baleeiro, meus mestres, que neste momento reverencio.

Vimos a primeira geração de sonhadores que, liderados por Soane Nazaré de Andrade, reuniu as escolas isoladas – de Direito de Ilhéus, Faculdade de Filosofia e de Economia de Itabuna – na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna. Aqueles sonhadores plantaram a semente do ensino superior na Região, que a minha geração seguiu, na crença de que é pela educação que se conquista a liberdade cidadã e o desenvolvimento. Hoje, tenho a certeza de que valeu a luta de muitos por um ideal. A Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – aí está.

Na FESPI e, depois, UESC, vivemos a maior parte das nossas vidas. É com alegria que digo: fizemos parte do grupo fundador daquela instituição ao lado de tantos valentes idealistas, alguns aqui presentes, como a primeira reitora eleita da UESC, Renée Albagli Nogueira.

No Departamento de Letras e Artes, na FESPI, depois UESC, vivi a minha vida profissional.

Bem … preciso dizer que, no caminhar da vida, a literatura sempre me iluminou para melhor entender o mundo e as gentes…

Desde cedo, aprendi que a leitura de um texto é um convite instigante para o pensamento e para a reflexão. “A literatura é como uma grande colagem de saberes […]” como diz Roland Barthes.

Mas a minha formação passou também por viagem. As viagens ampliaram o meu horizonte e alimentaram o meu senso de liberdade. Como não falar? Viajamos o mundo, buscando conhecer culturas, estudando e, cada vez mais, entendendo que a diferença e o respeito, enriquecem a humanidade.

E o meu olhar pesquisador acrescentou a viagem à literatura.

Então, no Departamento de Letras da UESC, criei o grupo de pesquisa Identidade Cultural e Expressões Regionais – ICER, direcionando a pesquisa para a literatura e o turismo. O entendimento é de que as narrativas de um povo são legado; evidenciam cultura, história, paisagens, costumes… E a expectativa é de que o turismo deve funcionar como estratégia de sustentabilidade e resistência identitária, pelos que recebem; enquanto enriquecimento cultural, para os visitantes.

Relacionando a viagem com o trabalho da pesquisa, de tantas experiências que a vida me oportunizou, destaco aqui o projeto de educação patrimonial através da literatura, desenvolvido entre UESC e escolas de ensino fundamental . A ideia do projeto, antes de mais, é fazer a “viagem” leitora, buscando o reconhecimento do nosso patrimônio natural e cultural e da identidade grapiúna, visando a valorização da literatura regional e a formação de cidadania no jovem leitor.

Citei especificamente esse exemplo, dos tantos projetos realizados, pela importância da cultura na formação dos jovens, em atenção ao objetivo precípuo de uma Academia de Letras de “cultivar a língua portuguesa e a literatura e cultura nacionais”.

Mas também o citei, aproveitando este momento, para dizer que ações similares não se sustentam somente no idealismo do fazer do educador; carecem de apoios e sensibilização dos poderes públicos para a sua execução.

Enfatizo, portanto, a necessidade de políticas públicas que garantam um ensino de qualidade, com a valorização do trabalho docente e a disponibilização à comunidade de equipamentos como teatros, centros de excelência, etc, que atendam aos projetos culturais locais. E, também, claro, que atentem para a preservação do nosso patrimônio.

Penso que a ousadia, a vontade política, o olhar lúcido e comprometido com o bem-estar social é que fazem grandes idéias se tornarem realidade. Acredito ser também uma das responsabilidades de uma Academia de Letras contribuir e influenciar nessas políticas.

Assim pensando, retomo os valores comuns aos meus antecessores, que considerei como um laço entre nós: além do amor por Ilhéus, o compromisso com a sua cultura e história. O olhar para o social, com respeito às diferenças em consideração da multiculturalidade brasileira. E é a isto que, neste momento, me proponho ao tomar posse desta cadeira 19: tentar somar, fazendo valer esses valores, com vistas a contribuir, cada vez mais, para a solidez desta Academia.

Agradeço a acolhida desta casa e a presença de todos vocês.

Obrigada!

Maria de Lourdes Netto Simões (Tica Simões)

Ilhéus, em 22 de julho de 2023.

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MUSEU IMPORTANTE ESQUECIDO NO SUL DA BAHIA- Cyro de Mattos

A Fundação Henrique Alves dos Reis foi forçada a ficar desativada em 1990, em razão da falta de recursos e, com isso, o município de Itabuna sofreu uma grande perda dentro do contexto cultural de seus espaços mais importantes. A Fundação era mantida com os rendimentos de 2500 arrobas de cacau que a fazenda Sempre Viva produzia anualmente. O baixo preço do produto àquela época e a carestia imposta por uma inflação galopante fizeram com que se tornasse inviável a sua manutenção. Em época mais recente, ainda como fator negativo para reativar a fundação Henrique Alves dos Reis, interferiu o advento da praga da vassoura-de-bruxa, contribuindo para a quase devastação da lavoura cacaueira.

Idealizada por dona Elvira dos Reis Moreira para perpetuar a memória do pai, coronel Henrique Alves dos Reis, desbravador e chefe político de grande influência no município, a Fundação foi instalada em 11 de setembro de 1978, mas em 10 de maio de 1974 já existia o Museu Casa Verde, que passou depois a integrar o patrimônio da instituição. Funcionava no local onde, no princípio do século XX, existia um armazém para a comercialização e depósito do cacau. Com a destruição do armazém, foi erguida em seu lugar a Casa Verde, datada de 1887, onde moraram o coronel Henrique Alves dos Reis e sua mulher, dona Cordolina Loup dos Reis, a filha Elvira e o genro, Miguel Moreira, que foi prefeito de Itabuna.

O Museu Casa Verde preserva o passado da conquista e do domínio dos coronéis do cacau, um tempo áureo da civilização grapiúna visível nas peças e indumentárias dos séculos XIX e XX, pertencentes à família do Coronel Henrique Alves dos Reis. O mobiliário ali exposto é em madeira trabalhada na Áustria e em Portugal, conservando o museu um acervo constituído de mais de 2500 peças de cristais de Baracat, prata, coleções belíssimas de biscuits franceses, aparelhos de café e jantar de Limoges e da Inglaterra, conjunto de talheres de Cristophe, móveis em estilo Luís XV, bandejas, jarros, e bacias em louça chinesa, floreiras em electroprata, além de objetos pessoais; fardamentos, espadas, moedas em prata dos primeiros anos do século XX, vestidos, chapéus e leques.

 Documentos valiosos sobre a memória política da cidade estão ali guardados, assim como vários números do jornal O Intransigente, um dos primeiros veículos da imprensa local, cuja primeira página do primeiro número foi impressa em seda pura.

A Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – e o seu Centro de Documentação e Memória Regional – CEDOC – assumiram no final do século XX a administração do Museu Casa Verde, da Fundação Henrique Alves dos Reis, em Itabuna, contribuindo assim para formar, por extensão, o diálogo entre a memória, que é o lugar de onde emerge a história, e as pessoas que forem visitar um espaço formador do desenvolvimento sociocultural da comunidade baiana e, em particular, da grapiúna.

Reativar, manter e disponibilizar ao público o Museu Casa Verde, criado em 1974, significou não só preservar a memória da civilização cacaueira com o seu modo singular de vida, mas também possibilitou a construção de novos conceitos de manutenção histórico-patrimonial, em sintonia valiosa com o conhecimento autêntico do passado regional. No Museu Casa Verde percebe-se e compreende-se que ali está manifesta uma linguagem que vem do começo da civilização do cacau, formada pelos falares e fazeres no dia-a-dia, doméstico, urbano e religioso, dentro e fora da residência dos pioneiros que conquistaram a terra coberta de mata virgem.

Naquela oportunidade, a reativação do Museu Casa Verde foi, ainda, um modo eficaz de desconstituir a postura ilimitada de que modernidade e progresso, nos tempos velozes da internet, andam de mãos dadas como meios incontornáveis para a exclusão do que seja antigo. Deu-se oportunidade através de uma universidade criativa, e que se tornou uma sólida instituição cultural do Sul da Bahia, para conhecer e apreciar, pesquisar e estudar, duas mil peças de aspectos com os seus significados, significantes e elementos da natureza histórico-social, os quais servem sobretudo para a compreensão mais abrangente da Região Cacaueira Baiana e da História do Brasil.

No entanto, depois de alguns anos de proveitosa atuação, a parceria foi dissolvida. E, passados tantos anos, o Museu Casa Verde continua desativado, causando prejuízos de natureza histórico-cultural à comunidade e ao Sul da Bahia, o que é lastimável.

Cyro de Mattos

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A CIDADE NA MEMÓRIA- Cyro de Mattos

Para

Augusto Mário Ferreira

– em memória

Cidade adolescente, dos anos 50, de poucas ruas calçadas, o trem como uma coisa viva partia e chegava, trazia cargas de peixe, cordas de caju e caranguejo, coco, beiju de Água Branca; do circo pequeno com a lona furada, o maior espetáculo da terra era anunciado pelo palhaço nas pernas de pau, tinha o nariz de limão e, em pouco tempo, a garotada no coração; da lua derramando prata no areal deixado pela cheia do rio Cachoeira, onde a turma da rua de cima jogava com a da rua de baixo a partida mais disputada, dos tiradores de areia que passavam com os jumentos carregando latas de areia, as casas ribeirinhas nessa hora como que tomavam a  bênção ao velho rio, ajoelhando suas fachadas; cidade ingênua, com pobreza mas sem misérias, com os dias alegres da filarmônica que no encanto do som convidava o povo na praça para voar na valsa; cidade que tropeçava na lama com as tropas que passavam suadas, os sacos de cacau no lombo, a cadência e os guizos de uma música sonante nos dias de verão, o tropeiro com o lenço na testa, o chicote  silvando o ar pelas ruas esburacadas; cidade com a delícia sempre renovada dos roletes de cana do Campo da Desportiva e dos sorvetes do gringo Sussa, cuja fórmula, se dizia, vinha do Líbano e era guardada como segredo de família sob sete capas; cidade namoradeira com os casais que passavam de mãos dadas no jardim da prefeitura e, na pracinha de Santo Antônio, na Missa do Galo, trocavam bilhetes e olhares ingênuos.

Cidade que, na estrada de barro, lá se ia aos solavancos com as marinetes cheias de roceiros, fazendeiros, comerciantes, quando chegavam de  Ilhéus causavam grande tumulto na pequena estação, os carregadores disputavam as bagagens que saiam pelas janelas, o “13” era preto, o “21” aleijado e o “16” cobrava um cruzado; na procissão da Sexta Feira Santa, gente rica e pobre caminhava descalça, os rostos cabisbaixos, o peito contrito, os passos arrastados  com suas marcas doídas nas pedras cor de vinho, mas no sábado a Aleluia como num coro de milhões de passarinhos anunciava que Jesus  renasceu, tudo era alegria, já não havia mais ofensa nem espinho; cidade sapeca quando era tempo de São João, o céu aceso com balões, bombas e fogos por todos os cantos, em  qualquer casa qualquer um aparecia para rimar licor com canjica, ao pé da fogueira a emoção crepitava afoita e quente em cada peito; cidade deixando que eu acontecesse no sonho acordado com o beijo dado na primeira namorada, como torcedor do Itabuna Futebol Clube, o primeiro time profissional no interior, com meus craques inesquecíveis, Delicado, Ranulfo, Louro, Carrapeta e Bacurau.

Dessa cidade aconchegante convivem em mim todos os cheiros da vida. De manhã fresca e de mata escura. Cheiro de suor, de burro, de cacau, de fêmea, de chuva. Cheiro que me faz viver um pouco no seu imaginário, contando suas histórias, escutando suas vozes e sombras na roda do tempo, seu perfume suavizando meu ser no movimento dos dias.

Não sei, minha cidade, de imagens mais claras, belas, do que aquelas que a minha mente grava de ti, quanto mais os dias passam, faça sol ou chuva.

 

Cyro de Mattos

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AS MULHERES MERECEM E DEVEM SER RESPEITADAS!- Sione Porto

Em nome das marias, quitérias, da penha silva Empoderadas, revolucionárias

Ativistas, deixem nossas meninas serem super heroínas! Pra que nasça uma joana d’arc por dia!

Como diria frida: “eu não me kahlo! “

Junto com o bonde saio pra luta e não me abalo

O grito antes preso na garganta já não me consome É pra acabar com o machismo

E não pra aniquilar os homens

Quero andar sozinha porque a escolha é minha Sem ser desrespeitada e assediada a cada esquina.”

As crescentes discussões sobre direitos, garantias e representatividade das minorias sociais revelam novos conceitos e denominações, que surgiram com o intuito de explicar as origens do tratamento desigual que certos indivíduos recebem. No que tange às questões de gênero, a misoginia é um termo oriundo da Grécia antiga que voltou à luz para conceituar as relações nocivas que ocorrem entre homens e mulheres.

Em uma breve análise do material artístico e intelectual produzido ao longo dos anos, é possível observar a forte influência dos tracos culturais misóginos, machistas e sexistas na civilização ocidental. Conforme pontuado pelo historiador e professor Leandro Karnal, durante uma palesoa realizada em 2017 pela comemoração ao dia da mulher, as estatuetas de Vênus de Willendorf e Vênus de Milo ou a pintura Vênus e Marte de Botticelli demonstram que os artistas supervalorizavam o corpo e a estética feminina, uma ideia que foi construída durante a antiguidade.

As bases sociais, políticas e econômicas ocidentais foram estabelecidas na Grécia antiga, cujo sistema sócio-político delegava à mulher uma posição secundária. No período Homérico, a unidade básica da sociedade grega era o genos, um sistema familiar que se caracterizava pela máxima autoridade concedida ao pater (patriarca) da família, que ao falecer, tinha seus poderes político, social, religioso e econômico õansmitidos ao filho mais velho.

Entretanto, no fim deste período, a população cresceu e a economia, essencialmente agrícola, decair. Houve, assim, a desintegração das comunidades gentílicas e o surgimento das cidades-Estados (ou pólis gregas), onde foi reiterada a ideia da soberania masculina.

Neste contexto, surge o termo que definiria a base psicológica dos comportamentos masculinos nocivos em relação às mulheres. Oriunda da união entre os termos gregos “miseo” e “gyne”, cujos significados são respectivamente ódio e mulheres, a palavra misoginia é usada para definir sentimentos de aversão, repulsa ou desprezo pelas mulheres e valores femininos.

A misoginia é um sentimento de aversão patológico pelo feminino, que se traduz em uma prática comportamental machista, cujas opiniões e atitudes visam o estabelecimento e a manutenção das desigualdades e da hierarquia enõe os gêneros, corroborando a crença de que os homens são superiores.

O constante estímulo de comportamentos estereotipados impacta ambos os gêneros, visto que exige amostras de uma cruel virilidade no homem e total subserviência na mulher. Quando a expectativa comportamental não ocorre, a violência eclode em uma escala ascendente de gravidade, iniciando com as piadas depreciativas, assédios, abusos, estupros e culmina com o feminicídio.

As bases misóginas do pensamento ocidental geram a banalização da violência ao feminino que se estende pelos vários aspectos da vida da mulher, como o social, o psicológico, econômico e político, tornando difícil identificar os õaços nocivos mais sutis. Desta forma, homens e mulheres reproduzem atos e expressões machistas quase que de forma inconsciente, com a mulher adotando, muitas vezes, como mecanismo de sobrevivência na cultura opressoia, uma aparente passividade que não deve ser entendida como a aceitação das situaçóes que lhe ferem a dignidade, mas sim como um mecanismo de defesa e sobrevivência.

Por um acaso você já ouviu falar que “em briga de marido e mulher são se mete a colher”? Pois essa é uma frase que explicita um dos traços da cultura brasileira, a banalização da violência de gênero.

Surgiram obras como o Segundo Sexo e Mística Feminina, respectivamente, de Simone de Beauvoir e Betty Friedan, que impulsionaram a criação de um movimento liderado por mulheres que buscava problematizar as colocações femininas na sociedade. Assim, tem-se início a luta pela emancipação, autonomia e liberdade da mulher diante das construções idealizadas da figura feminina e de feminilidade, por direitos e igualdades políticas, sociais e econômicas através do empoderamento.

Segundo Juliana Faria, jornalista e criadora do site Think Olga: “Uma mulher empoderada é uma mulher bem informada. Ela sabe dos seus direitos, entende o que é opressão e busca soluções para isso”. Desta forma, as mulheres que defendem o movimento feminista buscam a disseminacão de ideais empoderadores por todas as camadas sociais, com o acolhimento das individualidades de cada mulher e estabelecendo a união entre as diferentes correntes do movimento para seguir promovendo transformações profundas na mentalidade misógina da coletividade.

Tivemos notícia que na Câmara de Vereadores de Itabuna, no âmbito legislativo, no exercício do mandato, um dos nossos vereadores foi deselegante e agressivo contra a Primeira Dama do nosso município.

No local onde ele deveria levantar a bandeira contra a misoginia, contra o racismo e contra a homofobia, ele fez o contrário , ínfiíngindo a Lei e a Ética do seu

Mandato conferido pelo voto popular.

O termo misoginia é utilizado para se referir a expressões e comportamentos que sinalizam desprezo, repulsa, desrespeito ou ódio às mulheres.

A expressão machista utilizada fere a mulher no tocante ao gênero protegido pela lei Maria da Penha e a dignidade da pessoa humana prevista no art 140 do CPB.

Recentemente tivemos ncia exemplar atitude da Câmara de vereadores da cidade gaúcha de Montenegro no Vale do Caí.

Pela primeira vez em sua história, a cidade gaúcha de I\/tontenegro (Vale do Caí) tem um vereador cassado. Trata-se da vereadora Camila Oliveira (Republicanos), julgada pelos colegas com um placar de nove votos a zero. Motivo: em um vídeo gravado em seu gabinete na Câmara e divulgado nas redes sociais, ela chama de “cadelas” as mulheres com orientação política de esquerda.

Sione Porto, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher CONSEDAMI

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ANOTAÇÕES SOBRE O DOIS DE JULHO: O BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA NO BRASIL NA BAHIA- Cyro de Mattos

Eu era aluno do curso clássico no colégio da Bahia (Central) quando escutei de meu professor Luís Henrique Dias Tavares que a Bahia e o Brasil são inseparáveis. Meu professor era um homem de estatura pequena, mas que carregava no coração um forte amor e na razão um grande saber pelos caminhos históricos da Bahia. Observara em sala de aula, naqueles idos de 1956, que essa união insuperável procedia do fato de que o Brasil exerceu sua verdadeira independência em solo baiano.  Os mares da Bahia de Todos os Santos por sua vez deram seu abraço no entorno deste solo para que os baianos se libertassem do jugo do império português.

O movimento social e militar, iniciado em 19 de fevereiro de 1822 teve seu desfecho vitorioso em 2 de julho de 1823. O Dois de Julho tornou-se data importante para o povo baiano, que a festeja todos os anos com alma, força e vida.  Celebra um movimento desejoso de incorporar a então provincia na unidade nacional brasileira. Um movimento assim veemente com o qual o sentimento federalista latejava verdades no espírito emancipador do povo baiano.

A independência do Brasil na Bahia não foi feita em gabinetes e salões, aconteceu nas ruas, nos campos de batalhas, com mortos e feridos. Contou com a participação decisiva do povo como protagonista. Indígenas, escravos libertos, gente humilde das classes baixas. Figuras de comando tiveram performance significativa no desenrolar da pugna. Sobressai o general Labatut como comandante de nossas forças militares no seco, enquanto Lord Cochrane foi o responsável pela guarda da Baía de Todos os Santos.

É imperioso mencionar a figura da mártir Joana Angélica, morta ao impedir que os portugueses tomassem o convento da Lapa.  E a de Maria Quitéria, valorosa mulher que combateu os adversários portugueses no Recôncavo.  Vestida numa farda de soldado, com a arma na mão, lutou com coragem incomum contra os portugueses na barra do Paraguaçu, em Santa Amaro e Cachoeira. Houve também Maria Felipa, uma negra catadeira de marisco, a mulher que comandou mulheres negras para seduzir os portugueses enquanto outras queimavam suas embarcações.

Fala-se que, na batalha final, João das Botas, um marinheiro português que aderiu à autoridade do príncipe Pedro, com o seu conhecimento instruiu Cachoeira, Santo Amaro e São Francisco do Conde na armação e comando dos barcos para combater a frota portuguesa. Foi singular sua atuação como trunfo na guerra.

Noutros falares, de como exatamente o corneteiro Luís Lopes tenha ficado no coração dos baianos ninguém sabe ao certo. Se a versão da história contada é verídica ou não, tudo se torna mais intrigante e ao mesmo tempo nebuloso. Sobre o assunto o que se sabe é que ele participou do conflito conhecido como a Batalha de Pirajá. Propaga-se no imaginário popular que em vez do toque de “recuar”, deu o sinal de “cavalaria avançar” e, em seguida, o de “degolar”. E quem acabou partindo em retirada foram as tropas lusitanas, imaginando que os brasileiros tinham recebido reforços.

O movimento que deflagrou a independência do Brasil na Bahia motivou a Castro Alves, o poeta mais amado dos baianos, a escrever um poema de versos magníficos. O poema “Ode ao Dois de Julho” vem expresso com o discurso eloquente, versos nas imagens candentes da esperança e da liberdade, aparecendo juntas numa só voz que evoca a peleja da treva e do clarão.  O libertário construtor de uma poética solidária sobre a escravidão dos negros africanos, agora com versos incandescentes de esperança, canta a liberdade como o sentimento mais valoroso que envolve os baianos no palco do confronto.  Como noiva do sol a liberdade, essa peregrina esposa do porvir, faz-se motivo de inspiração ao estro do poeta de alta voz condoreira.

Transcrevemos abaixo, como o final dessas anotações sobre O Dois de Julho, o poema do genial poeta baiano:
                                                                     

Ode ao Dois de Julho


Era no Dois de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia…
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
“Neste lençol tão largo, tão extenso,
“Como um pedaço roto do infinito…
O mundo perguntava erguendo um grito:
“Qual dos gigantes morto rolará?!…”
Debruçados do céu… a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado…
Era a tocha — o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma — o vasto chão!
Por palmas — o troar da artilharia
Por feras — os canhões negros rugiam!
Por atletas — dois povos se batiam!
Enorme anfiteatro — era a amplidão!Não! Não eram dois povos, que abalavam
Naquele instante o solo ensanguentado…
Era o porvir — em frente do passado,
A Liberdade — em frente à Escravidão,
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso — contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva — e do clarão!…No entanto a luta recrescia indômita…
As bandeiras — como águias eriçadas —
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz…
Tonto de espanto, cego de metralha,
O arcanjo do triunfo vacilava…
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis…
……………………………………………………………….
Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço… e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Foram cantar os hinos do arrebol,
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina:
Eras tu — Liberdade peregrina!
Esposa do porvir — noiva do sol!…

Eras tu que, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sagravas a Colúmbia terra,
Sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide,
Formada pelos mortos do Cabrito,
Um pedaço de gládio — no infinito…
Um trapo de bandeira — n’amplidão!…

Cyro de Mattos (Itabuna, 1939). Jornalista, advogado, contista, novelista, romancista, ensaista. Membro da cadeira 22 da  Academia de Letras da Bahia. Membro das Academias de Letras de Ilhéus e Itabuna. Já publicou mais de 60 livros, de diversos gêneros, bem como organizou dez antologias e coletâneas. É também editado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Possui prêmios literários no Brasil e exterior, e, entre eles, o Prêmio Nacional de Ficção Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras, com o livro “Os Brabos”; Prêmio Jabuti (menção honrosa), para o livro “Os Recuados”, Prêmio da APCA para o livro infantil “O Menino Camelô, Prêmio Nacional de Poesia Ribeiro Couto, com o livro “Cancioneiro do Cacau”, Prêmio Nacional de Ficção Pen Clube do Brasil para o romance “Os Ventos Gemedores” e Prêmio Nacional Cidade de Manaus, para o livro “ Histórias de Encanto e Espanto”, dez vezes primeiro lugar nos concursos literários da União Brasileira de Escritores (Rio). Obteve o segundo lugar para obra publicada no Concurso Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, Gênova, Itália, com o livro “Cancioneiro do Cacau” e segundo lugar para obra inédita com o livro “Poemas escolhidos/Poesie scelte”. Foi um dos quatro finalistas do Prêmio Internacional de Literatura da Revista Plural, no México, com a noveleta “Coronel, Cacaueiro e Travessia”. Em 2020 recebeu o Prêmio Conjunto de Obra da Academia de Letras da Bahia e Eletrogóes. É membro do Pen Clube do Brasil. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia). Premiado com a Medalha Zumbi dos Palmares pela Câmara Municipal de Salvador (2020).

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FEIRA LIVRE – Rilvan Santana

 A feira livre é a maior expressão de cultura popular. A feira livre tem literatura de cordel, grafiteiros, CDs e DVDs de todos os cantores, de todos os gêneros, além de DVDs de histórias infantis vendidos nas barracas: Chaves, Chapolin Colorado, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Os Três Porquinhos, Pinóquio, Rapunzel, Frozen e todas as histórias dos irmãos Grimm, filmes policiais, cowboys e filmes românticos.
A feira livre do São Caetano, bairro da cidade de Itabuna, talvez, seja a maior feira livre do interior da Bahia, mais que as feiras de Alagoinhas, de Feira de Santana, de Santo Antônio de Jesus, de Vitória da Conquista, pois ela é permanente, de Segunda-feira a Domingo, inclusive, feriados e dias santos.
A feira livre do São Caetano, certamente, não é maior do que a Feira Central de Campina Grande, nem a feira livre de Caruaru, a maior feira ao ar livre do Brasil, mas tem tudo pra chegar lá.
A feira livre são-caetanense está situada numa área de mais de 20.000 m², suas bancas e barracas são distribuídas pelas ruas: Cosme Damião, São João, Potomiano, as transversais, e, a praça Dr. Simão Fiterman. Ela possui uma área coberta com estrutura de zinco e “metalon galvanizado”, onde ficam os restaurantes, os bares, os pequenos frigoríficos, os açougues, as mercearias, as barracas de farinha e, no entorno, lojas de roupa, mercados, lojas de calçado, armarinhos e oficinas de conserto e venda de celulares e acessórios eletrônicos.
Os feirantes de frutas e verduras usam ao longo das ruas para distribuir suas bancas. Ali, o fereiro encontra tomate, berinjela, abobrinha, pepino, pimentão, manga, morango, açaí, jaca, mamão, coco verde, coco seco, todo o tipo de banana, limão mirim, limão rosa, todo tipo de laranja, pera, uva, maçã, jambo, etc.
A quantidade de verduras e legumes é grande: brócolis, cará, couve, feijão, jiló, maxixe, nabo, salsa, alho, cebola, cebolinha, mostarda, taioba, salsão, repolho, espinafre, grão-de-bico, lentilha, milho verde, amendoim, quiabo, cenoura, batata doce, batatinha, aipim, inhame, rúcula, agrião, e, um sem número de verduras e legumes.
As barracas de bolo de aipim, de puba, de beiju, de milho, doces e guloseimas saciam os pirralhos. Os adultos preferem as frituras: os pasteis, os quibes, as coxinhas e batatas fritas e acarajés. Ali, na feira livre do São Caetano, não faltam sucos de acerola, de limão, de laranja, caldo de cana e água de coco.
Quando é meio-dia, os empregados de lojas e mercados vizinhos correm para os restaurantes da feira livre caetanense e existe ali uma variedade de comidas para todos os gostos e preços. Claro que no cardápio não há filé mignon assado ou à parmegiana, mas carne no feijão, farofa amanteigada, dobradinha, ensopado, carne suína, carne de carneiro, feijão tropeiro, churrasco, caldos, arroz e macarrão.
Nos dias de sábado e domingo, a frequência é de mais de 10.000 fereiros, do centro da cidade itabunense, de outros bairros, de outras cidades, de quando em vez, turistas de outros estados ou de outros países. O enxame de gente é grande. Quando a feira é pra perto, usa-se a galinhota como meio de transporte, quando a feira é levada para outros bairros ou o centro da cidade, o fereiro mais aquinhoado usa o automóvel e o pobre vai de buzu.
A partir de Sexta-feira, as entradas das ruas e as transversais são fechadas por bancas de pequenos agricultores que descem de suas roças em animais com caçuás repletos de verduras e frutas, alguns alugam camionetes porque grande é a quantidade de produtos agrícolas.
As donas xepas deixam para ir à feira livre quando restou, somente, ao feirante, sobras de verduras ou de frutas e a queda dos preços se faz necessária, segundo a “Lei da Oferta e da Procura”, os produtos não perecíveis, a exemplo de farinha, do coco verde, do coco seco, dos óleos de coco e dendê, as carnes acomodadas em frigoríficos, as carnes salgadas e alguns cereais não vão à queima, ficam para final de semana vindoura ou vendido durante a semana.
As carnes são variadas: carne fresca de boi, carne de frango in natura, frango e galinha caipira vivos, carne de porco, carne de carneiro, dobradinhas, caças, jabá e carne-de-sol, além de peixes de todas espécies, caranguejos, camarões e pitus.
Os furtos e os roubos não prosperam, embora os produtos sejam cobertos por lonas plásticas e amarrados em suas bancas com cordas de “nylon”, de segurança vulnerável. Porém, a organização do feirante mantém vários vigilantes armados que rondam a feira livre toda noite, impedindo assim, as ações de meliantes.
O fato de barracas fixas, pouco e pouco, elas são usadas como moradia e lugar de perdição, corrupção e vícios.
A feira livre são caetanense não é contemplada como deveria ser com medidas efetivas do governo municipal de saneamento (fica à beira de um canal de esgotamento sanitário), limpeza e organização: o canal urge cobertura, a limpeza deveria ser diuturna, as barracas padronizadas, fiscalização e normas duras de higiene com o objetivo de evitar os desleixos e a falta de consciência comunitária da maioria dos feirantes.
Enfim, mazelas corrigidas, a feira livre do São Caetano, bairro itabunense, é a maior e mais atrativa do interior baiano, lá tem tudo, não levará tempo, o fereiro aquinhoado irá encontrar “stands” de venda de carrinhos de bebê, de motos, de bicicletas, de automóveis, de tratores e caminhões.

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NOITE DE ALITA- Ruy Póvoas

Hoje, neste 27 de maio de 2023, estamos em uma noite especial: noite de ALITA, noite de vencedores de concurso, noite de Cyro de Mattos.
A ALITA, se constrói em margens de gigantes; os vencedores do concurso ampliam suas vozes em ressonâncias magnéticas. E Cyro? Bem; Cyro é metaforicamente o próprio rio: hora manso, hora bravio. Chora o choro e ri o riso em frases sonoras que deslisam por nossos sentimentos e emoções. E ainda põe nossa imaginação no mesmo fio.
Mas ele já construiu um mundo de seguidores. E por isso lhes trago hoje em homenagem a Cyro, aos vencedores do concurso e à própria ALITA 3 poemas de 3 autores diferentes.
Não declamarei, pois isso é para privilegiados iguais a Jorge Batista, Aldo Bastos e Alba Cristina. Apenas lerei.
1. ORAÇÃO PELO RIO, da poeta Baísa Nora:
ORAÇÃO PELO RIO
Senhor, juntos, nós, parceiros, amigos,
apaixonados, queremos Lhe pedir pelo rio.
Não é um rio qualquer,
ainda que todo rio seja bom e sagrado
ou, quando nada, pudesse ser.
Esse rio pelo qual queremos pedir é muito especial.
É o rio de Jorge Amado, de Valdelice Pinheiro, Telmo Padilha,
Cyro de Mattos, Adonias…
No entanto, ele é mais importante
(e nossos escritores e poetas com certeza sabem disso)
por ser o nosso rio, do povo humilde,
da gente simples,
que nele tem Água e Pão, Consolo e Caminho.
Esse rio, o Cachoeira,
formado pelo Colônia, Salgado e Piabanha,
também ele é mais belo que o Tejo,
por ser o rio que percorre e redime nossa Região.
E hoje, nós todos que queremos salvá-lo,
que queremos preservá-lo,
aqui estamos para dizer-Lhe
que muito foi feito e muito mais será preciso realizar.
Juntos, queremos prometer não fugir da luta, ainda que árdua,
e continuar doando um pouco do nosso tempo,
um tempo de nossa vida, para que, amanhã,
o Cachoeira possa, novamente, passar a caminho do mar
— bonito, limpo, puro e cheiroso – como já foi um dia.
E, então, poderemos afirmar que mais belo está o rio
E mais plenas as nossas vidas.
2. MEU RIO CACHOEIRA , do poeta pernambucano, Agnísio Marques de Souza.
Meu rio cachoeira, eu gosto tanto de você!
Mansinho, vadio, meu rio-criança,
que dá cambalhotas, que salta, que ri,
que faz cineminha na tela das águas
de galhos dançantes, de sol, de luar.
Tão doce, tão terno, menino quieto,
no berço de areia, de musgo, de pedras escuras,
fazendo negaços por entre itabunas,
macio a rolar.
Meninos nuinhos, brincando nas margens,
“Galinha gorda!” Tibungo. Tibungo.
Mergulho nas águas – mergulho na vida –
surgindo adiante com o prêmio na mão.
Lavadeiras nas pedras, lavando roupinhas,
cantarolando cantigas de amor,
as saias subindo, subindo, subindo…
— Cuidado que o home tá te espiando!
E o rio-menino, travesso, rolando,
sorrindo inocente, sem nada maldar.
As chuvas caíram dos montes, das nuvens,
as águas ficaram mais grossas, então.
Zangado, o menino virou uma fera.
Invade as campinas, derruba os mocambos,
arrasta os casebres, não tem compaixão.
Regouga, raivoso, rugindo, roncando,
danado da vida, dançando uma dança
de destruição.
Lá vai um anjinho boiando nas águas.
Uma saia rasgada, uma mesa, uma cama,
um anel de brilhante enterrado na lama,
um choro, um lamento, uma voz, — tom de mágoa –
“– Tudinho que eu tinha o rio levou!
Maldito esse dia que o rio desceu!”
– Paciência, sa dona. Vá, reze ao Divino,
e nunca se esqueça, e nunca se esqueça:
O rio é a gente que foi pequenino,
e um dia cresceu.
3. Por último, um poema de minha autoria, RIO CACHOEIRA
Este rio é minha memória
o cordel de minha estória
minha sela e minha espora
criador de lavadeiras
sevador de areeiros
salvação de pescadores
arquivo de minha história
intuição de meus artistas
um riscado no meu chão
divisor de meu espaço
diástole de meu tempo
sístole de minha fome
minha artéria esclerosada
quadro-negro da escola
sobre o qual estão os versos
de minha gênese e de meu fim.
Este rio é minha sorte
com ele aprendi a vida
com ele estudo a velhice
com ele adivinho a morte
na corrida para as águas
do oceano que há em mim.

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Poemas de Cyro de Mattos

EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA DA VITÓRIA

Cyro de Mattos

 

Tocai, sinos, tocai

na primeira vitória

de uma senhora santa

contra o bugre feroz

ferindo sangue ilhéu

por mais de uma cilada.

 

Tocai, sinos, tocai

na segunda vitória

de uma coragem santa

do heroico Catuçadas

contra ávido francês

e suas naves armadas.

 

Tocai, sinos, tocai

na terceira vitória

de uma guardiã santa

que sofridos ais ouve

e para longe da ilha

expulsa flamenga faca.

 

Tocai, sinos, tocai

enquanto houver na praça

uma noite de emboscada,

eis que no outeiro moram

a fé, a luz, a espada

da santa da vitória.

***********************

 

POEMAZUL DE ILHÉUS

Cyro de Mattos

 

 

Deuses empurraram líquidas vastidões

por te querer verde no seio da enseada,

flor conclusa, marinheiro território,

léguas de promissão ouro vegetal sendo

 

falam sombras de casarões antigos,

vozes ausentes em água, céu e chão,

velhas armaduras domando geometria,

em gestos de outrora urdidas solidões

 

navega meu barco em teus mares

luminosos de balanço pela praia,

ao vento triunfavam jubas brancas

de turmalinas e esmeraldas a ciranda

 

no marujo guerreando mil piratas

sobretudo sem dunas nem salsugem

entre Barra de Itaipe e Olivença

simplesmente o azul de rica fábula

 

desenhando nuvens nos meus olhos

caju, coco mole, fruta-pão, manga

nesse mar estava o sabor do infinito

no alcance com peixes multicores

 

anoitecida de azul a cidade repetida,

atabaques repercutem nos oiteiros

evocando teus mistérios africanos,

barra afora vagalume enormemente

 

luas ofertam-me prata pelas ondas,

cantigas de sereia no meu peito,

nos meus olhos piscam águas-marinhas,

flutuam em verde brisa meus cabelos

 

no entanto barco ao largo em avaria,

encalhes não importam nas salinas,

nas espumas busco-te sentimento

de um mundo todo azul em que navego

***********************

 

POEMA DO VIAJANTE E DO TEMPO

                                                            Cyro de Mattos
                                   Fala do viajante:
                                 Tempo não engana tempo
                                  tempo não vai me enganar
                                  tempo ao tempo dá tempo
                                  ao Tempo vai me levar
                                Fala do Tempo:
                              Há um só Deus no tempo
                               cada coisa em seu lugar
                               há Deus em todas as coisas
                               tempo limite sem limiar
                              seja tempo de muitas uvas
                              seja tempo de poucas chuvas
                              seja tempo de amargura
seja tempo de ternura
seja tempo de noivar
há rosas ouro no tempo
há homem céu e mar
há terra lavra de prata
há estrelas a brilhar
sempre tempo que fica
no meu passo passará
onde mente que divaga
onde vaga é navegar
o tempo de vovó Ana
tempo a se mastigar
tempo antigo do pai
tempo de esporas no ar
o tempo de mãe Josefina
o tempo a se magoar
o tempo do irmão infante
tempo a me acompanhar
por que apressar o tempo
se só um é o caminhar?
Tempo ao tempo sem tempo
tempo nesse tempo tumular
teu tempo, tempo de homem,
tempo de pelejar, enfrentar
teu tempo, tempo de sonho
tempo de dar, não tomar
teu tempo, tempo da amada
este tempo como peixe e mar
tempo com tempo no tempo
tempo como ave e ar,
teu tempo de amar-amar
cada coisa tem seu tempo
cada coisa seu lugar,
roda, roda, cavaleiro
tua ronda sem parar
nesse tempo de meu tempo
meu cavalo devagar
teu cavalo aqui está
por que com o tempo brigar?
                            Fala Final do Viajante:
                              Tempo não engana tempo
                              tempo não vai me enganar
                           tempo ao tempo dá tempo
                           ao Tempo vai me levar
                              Adendo do Poeta:
                             assim provisórios somos,
                            contraditórios, ambíguos,
                            cada um no seu canto
                            escrevendo o seu tanto
                            cada sonho idealizamos
                          para no poema ficar
***********************

MINHAS FLORES
Cyro de Mattos

 

A flor de Mariza
Brinca na brisa,
A flor de André
Com a bola no pé,
A flor de Josefina
Como bailarina,
A flor de Adriano
Pousando em Solano.

Suave na brisa
A flor de Mariza,
Alegre no pé
A flor de André,
A dançar na colina
A flor de Josefina.
Na nave do sonho
A flor de Adriano.

Ou essa ou aquela
Quando brilha a sua cor,
Trazem às crianças
Os anúncios do amor.

*Este poema infantil pertence ao livro Tiquinho de Ternura,
que integra a Coleção O Menino Poeta, formada com mais
quatro livros: Existe Bicho Bobo? Poesia de Calça Curta,
Responda Certo, Se For Esperto, A Poesia É Um Mar, Venha
Comigo Navegar, publicação da EDITUS, editora da UESC.

***********************

 

O SABIDO GRILO CRICRILO, IMBATÍVEL NO SALTO E NO TRILO

Cyro de Mattos

Me chamo Cricrilo,
Sou um grilo falante,
Invencível no salto,
O melhor de todos
Quando estou trilando
Em dia inspirado.

Sei que é um risco
Ser de meu tamanho
E viver entre os grandes,
Deus quis assim,
Eu não me queixo.
O que é que adianta
Ser grande por fora
E triste por dentro?

Coisas más que fazem
Com a mãe natureza,
Não consigo entender.
Como o arco-íris
Lamento, fico triste
Quando vejo o rio
Descer sem as águas
Claras de antigamente.
Dói quando vejo
Toda essa judiação
Com o pobre coitado.
Ele não sabe o que fazer
Para limpar a sujeira
Que despejam nele,
Matando seus peixes
De dia e de noite.

(Trechos de um poema infantil, longo,
com os falares de um grilo sábio
e inconformado com as coisas ruins
que fazem com a natureza que nos
cumpre zelar para melhor viver)

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