Nunca vou dedicar um texto ou livro meu a quem andou comigo na jornada da vida. Não vou dedicar à Sônia Maron, inserindo abaixo do título o registro “de saudosa memória”. Recuso-me à submissão da homenagem com essa feição de saudade e afeto, memória e luto. Simplesmente prefiro fazer assim: dedico à amiga Sônia, que sempre estará comigo. Fazendo parte de mim, não se desligará até quando chegar minha hora nessa verdade que pesa em cada um de nós.
O que tenho a dizer diante do inexorável, nessa hora que fere, dói, como dói? Viver é morrer o presente, houve quem dissesse. Lembro que ela brincava na matiné do carnaval infantil, animada no clube social. Dava voltas no salão, cantando:
Chiquita bacana
Lá da Martinica
Se veste de uma casca
De banana nanica.
Não usa vestido,
Não usa maiô,
Inverno pra ela
É pleno verão,
Existencialista
Só faz o que manda
O seu coração.
Jogava confete, serpentina, cantava, não parava, seguia alegre dando volta no salão.
Era nossa infância como parte do encanto, igual à liberdade caminhava de mãos dadas com a inocência, a ternura e a esperança. Em noite clara, as meninas brincavam de ciranda na rua. Os meninos escutavam no passeio.
Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
A meia volta vamos dar
Prefiro lembrar a garota mais bonita de nossa juventude. Foi rainha dos estudantes, da primavera, da cidade. Foi rainha de tudo. Quando passava, arrancava suspiros dos rapazes com a pose de galã fatal. Já moça, nos bailes noturnos esbanjava alegria no carnaval do Grapiúna Tênis Clube. Às vezes romântica, no salão triste seguia, triste cantava.
Eu perguntei ao malmequer
Se meu bem ainda me quer
Ele então me respondeu que não.
Chorei, sofri, por saber que ele
Feriu o meu pobre coração.
Foi madrinha do time de futebol do Itabuna quando o Vasco da Gama do Rio veio jogar no Campo da Desportiva. Entregou um buquê de flores ao chefe da delegação dos visitantes. Uma flâmula da cidade ao capitão Belini do Vasco, que há pouco tempo tinha se sagrado campeão mundial de futebol pelo Brasil, nos campos da Suécia, ao lado de Garrincha, Didi, Vavá, Zagalo, Nilton Santos e outros craques. Fez um discurso improvisado, as palavras incandescentes, as imagens certeiras. Arrancou palmas de todos.
Um dia aconteceu como Juíza de Direito. Ficou assim para sempre no exercício eficaz da função. Atuava na Justiça criminal, gostava de presidir as sessões do Tribunal do Júri. Dizia: façam silêncio, se não vão sair do recinto. Estamos julgando duas paixões numa tragédia, a dos familiares do réu e a dos parentes da vítima, que teve a vida ceifada por motivo doloso.
Por mais que queira explicar o inexorável, nessa hora sob o peso do mistério, não consigo chegar perto, cambaleio. Oi, Sônia, minha conterrânea, como eu e outros abnegados, gente sonhadora desta terra, foste fundadora da Academia de Letras de Itabuna. Com esforço, alma e vida fizemos o parto. Tenha cuidado agora, não se perca. Embora seja a hora escura, calada e fria, haverá na estrada a mão de Deus que guia.