PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DE ITABUNA – Janete Ruiz de Macêdo

*Janete Ruiz de Macedo

A modernização das cidades condicionou um processo de destruição do patrimônio histórico-cultural, levado a cabo pela ação humana e legitimado, muitas vezes, por conceitos de progresso e desenvolvimento que tendem a excluir a fruição cultural das comunidades.

Esse processo tem afligido sobremodo os povoados e vilas que surgem inopinadamente, crescem em processo acelerado e, rapidamente, tornam-se cidades para em seguida transmudarem-se em polos regionais, a exemplo de Itabuna.

A cidade foi expandindo o seu corpo, a início tortuoso, de casas de tetos de zinco em ruas de areia fina que margeavam o rio para mais tarde tornar-se o concreto e argamassa e espraiar-se ao longo do rio Cachoeira, galgando colinas, avançando, abrindo espaço através dos campos que a circundam.

Já vai longe o tempo que se podia ouvir o tilintar sonoro do peitoral festivo das madrinhas das tropas estimuladas pelo estalar agressivo do chicote, o apito estridente do trem que convocava aqueles que partiam para Mutuns ou Ilhéus ou ainda a rouca buzina das marinetes pertencentes à Viação Sul Baiana que desbravavam as estradas lamacentas das terras do cacau.

Os anos passaram depressa… O roncar estridente dos carros, ônibus, motos e caminhões, as buzinas insistentes, os agudos apitos a disciplinar o congestionado vai e vem, os sons intermitentes dos anúncios, as rádios e televisões enchendo o espaço e violentando o silêncio das coisas. Por toda parte o agitar constante, o comércio trepidante, a circulação de riquezas na pressa de crescer, de somar prosperidade.            

O frêmito de modernização percorre a sociedade itabunense, fazendo-a esquecer os traços definidores de sua identidade. Aos poucos seu patrimônio histórico-cultural vai sendo dilapidado, a estandardização de valores gerados pela massificação e globalização substituem as particularidades locais.

Algumas poucas vozes levantam em espasmos longínquos a bandeira do preservacionismo. Mas, defender patrimônio é, antes de tudo, conhecê-lo. E conhecer o patrimônio implica conhecer o percurso histórico em que ele se enquadra e fora do qual perde todo o significado.

A história é esse fio que busca fundamentalmente compreender e viver o presente através da observação do passado, permitindo-nos encontrar formas corretas de movimentarmo-nos no espaço e no tempo em que vivemos.

Não há dúvida de que as realidades patrimoniais são instrumentos preciosos para o estabelecimento do diálogo com o passado. Elas se impõem pela intensidade de sua presença concreta, colocam-nos em comunicação direta com ele. Qualquer racionalização do passado é  codificada por um sistema de referências dependentes da interceptação de vários discursos sobre as realidades vividas pelos nossos antepassados. Ora, o patrimônio assume o papel relevante e insubstituível enquanto referencial observável que permite obter respostas para muitas questões relativas às sociedades que nos precederam permitindo ao indivíduo confrontar-se com as realidades pretéritas e encontrar pistas para a compreensão do seu próprio tempo.

Onde estão esses referenciais em nossa cidade? O que foi feito dos nossos marcos identificadores?

Antes de prosseguir, seria interessante lembrar que a UNESCO tipifica os bens patrimoniais imóveis em: monumentos, conjuntos e sítios. 

Por monumentos entende-se não só as obras de arquitetura e composições importantes como também criações mais modestas, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, técnico ou social, incluindo instalações e elementos decorativos que delas fazem parte, bem como obras de escultura ou pintura monumental. 

Os conjuntos são definidos como agrupamentos arquitetônicos, urbanos ou rurais, de suficiente coesão, de modo a poderem ser delimitados geograficamente, e notáveis, simultaneamente, pela sua unidade ou integração na paisagem pelo interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, técnico ou social.

Quanto aos sítios, são obras do homem e da natureza, espaços suficientemente característicos e homogêneos, igualmente notáveis pelo seu interesse quer histórico, arqueológico, artístico-científico, quer social.

O lato conceito de patrimônio legalmente consagrado está, portanto, muito longe da tradicional ideia de que só os grandes monumentos têm significado histórico. É hoje possível e desejável integrar no patrimônio cultural não apenas os produtos da cultura erudita, mas também a herança cultural popular, traduzida em inúmeras manifestações e objetos com que cotidianamente nos deparamos.

Pensando como a UNESCO, resta-nos ainda muita coisa a preservar e defender. É tempo de repensar Itabuna e este refletir passa antes de mais nada pela educação, pela sensibilização das jovens gerações, tornando-os cidadãos conscientes de sua identidade e defensores da memória coletiva regional.

Diante desta constatação e compreensão a Universidade Estadual de Santa Cruz não pode omitir-se na busca das raízes, da concepção e das formas de expressão da comunidade que a construiu e constrói e vem desenvolvendo o Projeto Levantamento do Patrimônio Histórico-Cultural da Área de Inserção da Universidade Estadual de Santa Cruz do qual apresentamos o relatório referente aos estudos desenvolvidos na cidade de Itabuna.

 *Janete Ruiz de Macedo é doutora em História, historiadora e membro da ALITA

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DESCOBERTA DE CASTRO ALVES – Cyro de Mattos

Cyro de Mattos

Saltou do bonde na parada próxima ao Restaurante Cacique e Cine Guarani, com o firme propósito de conhecer aquele monumento de mais de dez metros, um homem lá no alto encimando o pedestal. Aquele homem de cabeleira negra e basta devia ser muito importante para que fosse homenageado em monumento tão grandioso. 

 Atravessou a rua e se aproximou do monumento. O olhar curioso viu que em um dos lados estava um livro aberto  com um sabre atravessado, tendo em letras douradas os versos:  “Não cora o sabre do ombrear com o livro”. Em placa de mármore,  numa das faces da base, lia-se:  “A Bahia a Castro Alves.” 

Aquela estátua de bronze  assentada no alto representava  um poeta, muito querido pelo povo baiano, estava ali na atitude de fala, de quem declamava, tendo a cabeça descoberta, fronte erguida, olhar perdido no infinito, chapéu mole de estudante à mão esquerda, braço direito estendido. De um lado da coluna, viu um grupo em bronze, representando um anjo em posição de voo, a levantar uma mulher escrava pelo braço, erguendo-a ao alto.  Viu também um casal de escravos.

Quem era esse poeta que a Bahia dedicava imenso amor? Lembrou da biblioteca da agremiação estudantil no Colégio dos Irmãos Maristas. E foi lá,  durante a semana, na hora do recreio, folheando o livro ABC de Castro Alves, de Jorge Amado, que ficou conhecendo a vida e a obra daquele grande poeta. 

Era um rapaz esbelto, que vivera pouco. Nasceu na fazenda Cabaceiras, próxima a Curralinhos, na  Bahia, em  14 de março de 1847. Tinha grandes olhos vivos, maneiras que impressionavam a quem o assistisse declamando versos de amor, às flores e em solidariedade aos escravos. Causava admiração aos homens e arrebatava paixões às mulheres. Seu estilo contestador contra a situação da escravidão dos negros na Bahia o tornou conhecido como O Poeta dos Escravos. Além de abolicionista exaltado,  foi um liberal atuante, que clamava  pela instalação da República no Brasil. Teve como colega Rui Barbosa no Colégio Abílio Borges, em Salvador, e na Faculdade de Direito do Recife. Faleceu aos 6 de julho de 1847, aos 24 anos, em Salvador, vítima de tuberculose. 

Depois de conhecer um pouco  a vida do poeta romântico, interessou-se por sua poesia. Foi ler, um a um, os livros desse poeta cantor do amor, da água, das pétalas, dos negros escravos e da liberdade. Publicara em vida apenas um livro: Espumas Flutuantes, em 1870. Seus outros livros,  A Cachoeira de Paulo Afonso, 1876 ,  Os Escravos, 1883,  Hinos do Equador, 1921, tiveram edição póstuma. 

Na medida em que fazia a leitura duma  poesia cativante e libertária, ia anotando alguns versos no caderno, que lhe enriqueciam a sensibilidade.   

Como esses: 

Senhor Deus dos desgraçados! 

Dizei-me vós, Senhor Deus, 

Se eu deliro… ou se é verdade 

Tanto horror perante os céus?!… 

Ó mar, por que não apagas 

Co’a esponja de tuas vagas 

Do teu manto este borrão? 

Astros! noites! tempestades! 

Rolai das imensidades! 

Varrei os mares, tufão! …

Ou esses:

Oh! Bendito o que semeia

Livros à mão cheia

E manda o povo pensar!

O livro, caindo n’alma

É germe – que faz a palma,

É chuva – que faz o mar!

Ou ainda esses, escritos com graça e leveza:

Prendi meus afetos, formosa Pepita…

mas, onde?

No tempo? No espaço? Nas névoas?

Não rias…

Prendi-me num laço de fita!

Perguntava-se como era que no coração de um poeta tão jovem como Castro Alves  cabia tanta afetividade e solidariedade aos excluídos.  Com a leitura de cada livro, sua alma foi-se impregnando da beleza e da verdade postas pelo poeta maior  em versos comoventes, escorridos com amor e talento raro, que só os gênios possuem. 

Castro Alves tornou-se em pouco tempo  um ídolo para o jovem do interior,  desses em que  a marca de uma época ou de um tema brilha com a individualidade manifestada numa espécie de criador que permanece sempre ante a vida que passa.  

Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Membro efetivo do Pen Clube do Brasil, Academias de Letras da Bahia, de Ilhéus e de Itabuna. Primeiro Doutor Honoris Causa  da Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado em Portugal, Itália e México.  Publicado em francês, italiano, inglês, russo, espanhol e dinamarquês. 

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CARTA A UM JOVEM POETA- Aleilton Fonseca

Releio sempre a carta que o poeta Carlos Drummond de Andrade me enviou em 1981. Naquele tempo eu tinha 22 anos e havia publicado o primeiro livro de poemas. A idade ardia numa vontade doida de traduzir a vida em versos. Hoje, após tantos janeiros, as musas me cutucam e esbravejam, mas já sei que é difícil comover o vasto mundo, este vale de lágrimas, desamor e enormes cifras.

O poeta gostou do livro e me mandou, em sua letra e estilo inconfundíveis, um voto de confiança, um estímulo, um sopro de vida numa chama que mal balbuciava. Com o envelope inesperado na mão, fiquei atônito entre a alegria trêmula e uma súbita responsabilidade. O carteiro não estivesse já longe e eu o abraçaria, convidá-lo-ia a entrar, conversaríamos sobre o autor daquela carta, eu lhe recitaria os poemas da Rosa do Povo.

Planejei responder ao poeta, mas a surpresa me ofuscou as idéias. E agora, José? Eu lia e relia a mensagem, lembrava de minhas primeiras incursões por sua poesia no ginásio e na biblioteca pública. Aquele nome tão longínquo agora me parecia estranhamente tão próximo. Não consegui inventar palavras para expressar o meu estado de espírito. A missiva, hoje amorosamente amarelada, ficou sem resposta para sempre.

No final daquele ano fui ao Rio e planejei fazer uma visita de surpresa ao poeta. Um dia, saí com o endereço anotado, decidido a ir bater em sua residência. Mas, à medida que avançava pelas ruas, a coragem se perdia pelas esquinas. Acabei perambulando o dia todo, sem encarar o caminho definitivo de um encontro com o admirado autor de Boitempo. E se ele não me atendesse? E se não passasse de um “como vai?”, um “prazer em conhecê-lo” formais? Seria uma situação constrangedora, – o poeta diante de um jovem desconhecido que vinha de certa forma importuná-lo, logo ele, tão discreto e avesso aos cultos da personalidade. Não fui.

Até hoje oscilo quanto ao acerto daquela decisão: ora me arrependo de haver desistido, ora acho que assim foi melhor. O encontro poderia ter sido a quebra de todo encanto. Guardei na distância a admiração e a gratidão pelo gesto de incentivo, embora sentisse também um enorme vazio. Em 1987, quando recebi a notícia de que o poeta havia falecido, senti um choque, uma sensação pontiaguda de perda irreparável, um abismo me engolia e as lágrimas brotavam de meu olhar fatigado. 

O poeta se foi e eu fiquei cativo de minha não-resposta, da perda de sua presença e de sua palavra. Mas, por outro lado, algo valioso eu ganhei: o sentido poético dessa falta, que se conforma e se alimenta na leitura da velha carta, na lembrança de uma resposta não escrita, de uma visita não realizada, de um poema-homenagem que se escreve para sempre em minha memória.

Drummond encantado

Há tantos anos,
o coração do poeta desistiu
de lutar com palavras.

Não lhe mandei minha letra,
nem recolhi sua imagem viva
em meu olhar.

O poeta encantou-se,
liberto de nós e de si mesmo.

E a mim só me resta
a letra íntima da página muda
que nunca lhe escrevi.

Salvador, 13/02/2000

 *Aleilton Fonseca, escritor e poeta é membro do Pen Clube do Brasil e das Academias de Letras da Bahia e de Itabuna.

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CEM ANOS DE SAUDADE- Raquel Rocha

Por Raquel Rocha

Algumas pessoas não deveriam morrer. Pessoas que dedicam sua vida a fazer o bem, pessoas que dedicam sua vida ao conhecimento e pessoas que dedicam sua vida à arte. Gabriel Garcia Márquez se encaixa nesta última. Cada livro seu era uma verdadeira obra de arte que mudava a nossa forma de ver e sentir o mundo.

Nasceu no início do século passado, em 1927 na pequena cidade de Aracataca, Colômbia. Cresceu ouvindo as histórias do seu avô que havia lutado na Guerra dos Mil Dias. Passou a juventude mergulhado em livros. Era leitor de Franz Kafka… Mais tarde, abandonou o curso de Direito para trabalhar como Jornalista.

Publicou seu primeiro livro “A Revoada (O Enterro do Diabo)” aos 28 anos em 1955. Mas foi 12 anos depois, em 1967 que se tornou conhecido mundialmente com “Cem Anos de Solidão”. Ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1982 pelo conjunto de sua obra. Foi traduzido para 36 idiomas com mais de 40 milhões de livros vendidos.

Em 2012 seu irmão anunciou que Gabriel fora diagnosticado com demência e por isso não voltaria a escrever. Aquela foi a primeira morte do escritor, que diante da impossibilidade de exercer sua arte deixou um pouco de viver. No entanto, confesso que durante esses dois anos nutri a esperança de que ele, num surto de lucidez, escrevesse ainda alguma coisa, um conto, algumas linhas, algumas palavras… E talvez essas palavras o curassem, porque as palavras são mágicas quando escritas por um gênio.

Gabriel Garcia Márquez é um dos responsáveis pela minha adoração a literatura.  Li “Cem anos de Solidão” aos 11 anos e fiquei encantada. Passei noites sem dormir agarrada a “Do Amor e Outros Demônios“,  quis me molhar com a chuva de “La Mala Hora”, me diverti com as Memórias de suas Putas Tristes e “O amor nos Tempos do Cólera” mudou o meu conceito de amor verdadeiro.

No dia 17 de abril de 2014, aos 87 anos, Gabriel Garcia Marquez morreu em sua casa, na Cidade do México, onde morou nos últimos 30 anos. Nem depois de ler a notícia diversas vezes consegui escrever esse texto com os verbos no passado, porque pessoas como ele nunca vão embora, atingem a imortalidade através de sua obra e permanecem sempre conosco.

A Saudade, título desse texto, não  é pela sua partida é saudade de tudo que ele poderia ter escrito mas o tempo não permitiu.

Vai em Paz Gabo. 

“Não senti dor nem medo, mas a emoção arrasadora de ter conseguido viver até ali.”     (Gabriel Garcia Márquez)

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VIDA LONGA AO LIVRO- Ceres Marylise

No próximo dia 23 de abril comemora-se mais uma vez o Dia Mundial do Livro, oficializado pela UNESCO em 1996 e festejado em mais de cem países. 

Com o surgimento de novas formas de leitura e de novas tecnologias, a edição de livros na forma convencional tem suscitado amplos debates evidenciando preocupação com o futuro do livro impresso. Já possuímos o livro digital: nunca tantas ideias foram escritas e divulgadas quanto agora, na era digital. Lê-se cada vez mais em tablets e celulares.

Sejam quais forem as suas formas, os livros sempre serão a celebração do conhecimento e do registro da memória da humanidade. Como amigos nos proporcionam diálogos e questionamentos constantes e a boa leitura é uma experiência mágica, um ato de prazer e de paixão.

A globalização só nos trouxe maior exclusão social e solidão. O mundo atual é permeado pelo paradoxo da incomunicabilidade e nessa epidemia de contradições e incertezas o livro ainda é a maior arma para manutenção dos valores essenciais do homem colocando-se acima de todas as guerras, modelos econômicos e credos.

Desejo vida longa ao livro!

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SABATINA SEM PALMATÓRIA- Sônia Maron

País engraçado, o Brasil. Vem causando estardalhaço a simples e normal obediência ao parágrafo único do art. 101 da Constituição. Esclarecendo melhor, eis o dispositivo da lei maior: “Os Ministros do Supremo Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. E daí? É um fato corriqueiro em um estado de direito e não um fato inusitado que passa a merecer manchetes e notícias de primeira página, com direito a capas de revistas, fotos e mais fotos e declarações do candidato a uma vaga do Supremo Tribunal Federal. Falo da indicação do jurista escolhido pela presidente para a vaga do ex-presidente do STF, Ministro Joaquim Barbosa. O candidato é o paranaense Luiz Edson Fachin, tido como detentor de “notável saber jurídico e reputação ilibada” (art. 101 da CF, in fine), mas considerado portador de ideias esquerdistas radicais, o que alguns entendem impróprio e preocupante para alguém que se propõe a exercer a função de guardião da Constituição de um país democrático como o Brasil.

Aqui, no país de Macunaíma, causa perplexidade o fato que deveria ser considerado óbvio, normal e corriqueiro qual seja a avaliação, pela Câmara Alta, do pretendente ao cargo mais relevante dos poderes constituídos. Tal qual Macunaíma ( o personagem símbolo do movimento modernista no livro de Mário de Andrade) nossos senadores sempre entenderam a “sabatina” como formalidade ou resultado de arranjos políticos costurados na Praça dos Três Poderes. Nunca acudiu a esses senhores, de gordo contracheque e gratificações ( que contemplam a “moradia” e o “paletó”, sem falar nas viagens nos jatos da FAB ),  refletirem sobre as consequências  de posições radicais na Suprema Corte, a exemplo da convicção de que a reforma agrária deve ser implantada com o confisco de propriedades privadas sem indenização; muito menos a preocupação quanto às escolhas de nomes reconhecidos como subservientes e vassalos do Poder Executivo, para não falar no currículo paupérrimo ou inexistente, “enriquecido” pela advocacia exercida para o partido do governo. Cumpre esclarecer que não é o caso do indicado atual, reconhecido no mundo do Direito como portador de “notável saber jurídico” e até prova em contrário “reputação ilibada”.

Todos sabem que existem precedentes do comportamento indiferente e irresponsável do Senado e as “sabatinas” nunca provocaram manchetes. Nossa sorte é que o peso da toga e a qualificação moral e jurídica de alguns candidatos conseguem apagar qualquer vestígio de influência deletéria no exercício do cargo; um exemplo edificante é o Ministro e ex-presidente do STF e  TSE Marco Aurélio de Melo, primo de um  presidente “impichado”e magistrado acima de qualquer suspeita. Saliente-se que a sorte nem sempre vive à solta e as exceções nunca se transformam em regras.

A verdade é que até o cidadão médio, o homem do povo deste nosso Brasil, não entendeu a atitude do jurista consagrado, de porta em porta, nos gabinetes dos senadores, mendigando votos. Como se não bastasse, consta que desceu ao ponto de “ensaiar” as respostas orientado por assessores do palácio do planalto.  Verdade ou mentira, são notícias divulgadas pela imprensa ainda livre (graças a Deus !) e pelas redes sociais.

Feliz ou infelizmente, o ensaio deu certo. Apesar de não fazer parte do ritual do desfile na avenida Marquês de Sapucaí, a “escola de samba” que comandou o espetáculo conseguiu o primeiro lugar na classificação da comissão julgadora. Não esqueçam que em nosso Brasil lindo e tropical, colorido e alegre, tudo conduz ao Carnaval.

Respeitosos cumprimentos ao novo Ministro. Ingressando no colegiado que assegura o cumprimento da nossa Lei Magna, vai conhecer o lado doce/amargo do Judiciário, o Superpoder, representado pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da liberdade e dos demais direitos dos cidadãos brasileiros. Ele bem sabe, como jurista de escol, que vai encontrar de tudo um pouco: exemplos de serenidade, equilíbrio, destemor,  sabedoria e retidão ao lado de exemplos deploráveis de descontrole emocional, destempero, intolerância e até mesmo ignorância da liturgia do cargo. Acredito que o Ministro Luiz Edson Fachin, que usou o pensamento de José Ortega y Gasset  para convencer que vive agora “a sua circunstância”,  no exercício do cargo, não perderá de vista o instituto da suspeição para preservar a conduta ilibada que todos reconhecem. Será a prova de que suas respostas na sabatina não serviram apenas para salvar a pele, solução que aparece na conhecida e repetida frase do filósofo espanhol, nem sempre lembrada em sua inteireza e idioma original: “Yo soy yo y mi circunstancia y si no la salvo a ella no me salvo yo”.

Ainda usando o pensamento de José Ortega y Gasset, lembraria que também é dele a frase ditada pela sabedoria do pensador: “Podemos pretender ser quanto queiramos, mas não é lícito fingir que somos o que não somos”.

A palmatória, instrumento presente nas escolas do passado nas sabatinas, pode surgir no desgaste pessoal e decepção causada aos jurisdicionados do novo Ministro. E um jurista que tem um nome a zelar não vai correr o risco.

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PASSEIO DE BONDE- Cyro de Mattos 

Crônica de  Cyro de Mattos 

O bonde não era apenas um meio de transporte para ele, mostrava-se como uma diversão, curtição que fascinava no passeio. O uniforme cáqui do motorneiro, que usava chapéu e  gravata borboleta,  o barulho do condutor ao recolher o dinheiro das passagens, batendo as moedas umas contra as outras na mão, a figura marcante do vendedor de balas e bombons, com sua cesta de vime, a sensação deliciosa de viajar pendurado no estribo. Havia o desafio de subir e descer do bonde ainda em movimento. Num domingo azul de verão,  chamou-lhe a atenção, entre os passageiros,  dois homens bigodudos no bonde, de fraque, gravata borboleta  e chapéu da última moda.

No passeio de bonde, tinha a sensação de que a cidade andava nos trilhos, avistando-se o mar por algum recorte ao largo. Sentado no banco de madeira, na medida em que bonde rolava pelos trilhos  o olhar curioso dirigia-se para casarões, sobrados, igrejas e jardins. Na orla, o mar espumejava com as suas jubas brancas perto da praia,  vidrilhando nos dias de verão. O mar era como uma piscina enorme na Praia do Porto da Barra. 

O melhor lugar para contemplar o cenário da Baía de Todos os Santos, que a natureza ofertava de graça no cenário azulado,  era de uma das balaustradas laterais ligadas à plataforma do Elevador Lacerda,  dando  acesso à Praça Tomé de Sousa, também conhecida como Municipal.     

Sentava na cadeira de uma das mesas postas no passeio, como extensão da lanchonete A Cubana, na saída do elevador. Depois de tomar o copo de vitamina de abacate acompanhado dos deliciosos Bolinhos da Cubana,  da balaustrada avistava  o Forte de São Marcelo lá embaixo na baía, encravado nas águas mansas do mar. Lanchas na Marina, embaladas como berços pelo vento,  barcos ancorados na tarde preguiçosa do mar, o porto no vaivém do embarque e desembarque de gente, o cais  com seus guindastes gigantescos,  navios de carga como casas de ferro,  vindos de mares longínquos. 

Não se cansava de olhar  a paisagem bonita, na península de Itapagipe, longe, a colina sagrada do Bonfim no alto,  onde ficava a igreja do padroeiro da cidade. A igreja ia ficando a cada ano pequena para  o grande número de fiéis vindos dos lugares mais distantes.  Fascinados os olhos,  querendo pegar a paisagem com o seu forte brilho,  contornos e  desenhos, iluminada em cima com   um céu azul, embaixo com um  mar azul, só existentes na Bahia.  Insinuada nas linhas do horizonte, lá para os longes das ilhas de Itaparica e Mar Grande.   

Os olhos lavados  com a paisagem esplêndida, tomava a direção do bairro dos Aflitos, pendurado no estribo do bonde.

• Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Membro titular das Academias de Letras da Bahia, de Ilhéus e de Itabuna. Doutor Honoris Causa da UESC. 

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MAGIA DA LEITURA MOVE TRAJETÓRIAS NA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA

Numa noite de exaltação à literatura, Alita festeja 10 anos e empossa seis novos membros

Em tempos de distanciamento físico, a tela preta do aplicativo zoom serviu como tapete vermelho para a entrada de seis novos membros no rol da Alita (Academia de Letras de Itabuna). Unido pela celebração à literatura, o grupo soma ao conjunto de homens e mulheres a comemorar a primeira década da entidade.

Desde a última segunda-feira (19), foram integrados ao quadro alitano os reitores Alessandro Fernandes de Santana, da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz) e Joana Angélica Guimarães da Luz, da UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia); o médico neurologista Sílvio Porto de Oliveira; professores Charles Nascimento Sá; Reheniglei Rehem e Wilson Caitano de Jesus Filho.

O tema pandemia, causador deste afastamento temporário em favor da saúde, foi mencionado no discurso do juiz Marcos Bandeira, um dos fundadores da Alita. Na recepção aos hoje confrades e confreiras, ele trouxe o conceito de Aldeia Global, de Marshall McLuhan – assim contextualizando a extensão das mudanças impostas ao mundo pelo coronavírus. Apesar dos dissabores enfrentados, considera ser esta uma oportunidade de reflexão para todos serem melhores.

Para mostrar ao mundo

Também fundador da Academia, o escritor Cyro de Mattos lembrou passos da trajetória de uma década, com lançamentos de livros e da Revista Guriatã, que chegou a três edições com conteúdo produzido por integrantes da entidade – artigos, crônicas, contos, poesias, entre outros gêneros.

O professor Ruy Póvoas, outro nome desde o início da instituição, homenageou a ex-presidente, juíza Sônia Carvalho de Almeida Maron, recordando ações marcantes. Entre elas, incursões em escolas da rede municipal e uma reunião no terreiro de candomblé Ilê Axé Ijexá Orixá Olufon.

A presidente da Alita, Silmara Oliveira, é uma entusiasta para as atividades seguirem, inclusive tendo na tecnologia uma aliada; frisa também a relevância de a entidade enaltecer nossos escritores e o valoroso papel da literatura para mostrar ao mundo o sul da Bahia.

“Reunidos, estaremos em condições de trabalhar em prol dessa região, tão agastada por tantas faltas. Enquanto alitanos, cada um em seus postos de trabalho e condição social, é pensar no modo a conduzir nosso grão de areia para esse construto por meio da literatura”, conclamou.

“Faróis para sociedade”

As palavras de cada novo membro da Alita trouxeram revelações do que lhes despertou paixão pela magia da literatura. O professor doutor Alessandro Santana, que tem como patrono o escritor João da Silva Campos, recordou o quanto lhe encantavam as cartas que a mãe lia e escrevia a pedido da parteira “Mãe Preta” em Arataca, cidade onde ele foi criado.

Passeou por nomes que abrilhantam a literatura regional, como Cyro de Mattos e Ruy Póvoas, anotando sobre o papel das academias de letras e das universidades neste tempo de tantas trevas. “Têm obrigação de serem faróis para a sociedade, trazendo conhecimento científico num momento de negacionismo tão forte, mas também trazendo a arte. (…) Neste momento de tanto desespero estamos aqui para trazer coisas positivas, mostrando luz, mostrando que existe expectativa de um futuro melhor e a arte serve pra isso”, sublinhou.

A professora doutora Joana Angélica Guimarães da Luz, trazendo como patrono o escritor Machado de Assis, compartilhou a honraria da posse com os irmãos Jorge, Vera, Isabel, Ana e Nice, para agradecer pela cumplicidade e homenagear a memória dos pais, Juraci e Eunice. “Os grandes responsáveis pela nossa trajetória”.

Nascida em Itajuípe, ela morou em Itabuna, Salvador e abraçou a literatura como paixão, por incentivo dos pais. “Na leitura fugia do barulho de uma casa com quatro cômodos e seis crianças. Quando entrava no mundo dos livros, não ouvia nada, mergulhada no mundo mágico que me era trazido pelas palavras”, recordou a educadora, que retornou a Itabuna após 40 anos, trazendo consigo a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

Logo após o discurso, informou que será disponibilizada uma sala nas novas instalações da reitoria da UFSB, no antigo Fórum Ruy Barbosa, no centro de Itabuna. “Estamos finalizando nossa reforma, para que a Alita faça dali a sua casa”, anunciou.

“Mundo multicolorido”

Ocupando a vaga da saudosa professora Maria Delile de Oliveira, o médico Sílvio Porto tem como patrono o escritor Firmino Rocha, “orgulho desse chão grapiúna”. Citando a experiência profissional e acadêmica no Brasil e exterior, destacou a “possibilidade de contribuir, compartilhar muitas histórias e culturas de um tempo, do povo da nossa terra”.

O professor Wilson Caitano, cujo patrono é o escritor, publicitário, graduado em Direito e capoeirista Augusto Mário Ferreira, notabilizou-se pelas mensagens disseminadas ao escrever obras voltadas para a literatura infantil. Ele contou sobre as influências da infância, tanto pelos livros de Monteiro Lobato como pela poesia de Castro Alves.

Como legítimo herdeiro da oralidade, o docente empossado também reconhece frutos das histórias a ele contadas nas noites de lua cheia no município de Cipó, no nordeste da Bahia. “O escritor traz em sua bagagem uma memória afetiva, que conecta o presente e o passado”, definiu.

Já o professor doutor Charles Nascimento, tendo como patrono o poeta Nathan Coutinho, relatou o quão paralelos são para ele o apreço à história e à literatura. Ainda na adolescência, num distrito de Camacan, descobriu a companhia “do mundo multicolorido das páginas de um livro”.

Um dos nomes históricos no curso de Letras da Uesc, a professora doutora Reheniglei Rehen traz como patrono na Alita o escritor Jorge Medauar. Fez referências filosóficas à obra dele e, a exemplo dos anteriores, encontrou elementos de pertencimento a motivar a escrita desse autor.

A solenidade foi prestigiada pelo secretário estadual de Educação, professor doutor Jerônimo Rodrigues; secretária estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação e ex-reitora da Uesc, igualmente doutora Adélia Pinheiro, além dos ex-reitores Aurélio Ruiz de Macedo, Antônio Joaquim Bastos e Renée Albagli Nogueira; o presidente da Academia de Letras da Bahia, Ordep Serra, junto a outras autoridades.

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ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA PUBLICA 3ª EDIÇÃO DA REVISTA GURIATÃ

A Academia de Letras de Itabuna (ALITA), presidida pela professora Silmara Oliveira, acaba de publicar o número 3 da revista Guriatã na qual traz artigos e ensaios, poesia, ficção, textos diversos, discursos e registros, assinados pelos acadêmicos integrantes do corpo de associados e por escritores convidados. Com o selo da Libri Editorial, de Brasília, a revista também divulga uma série de atividades literárias e culturais dos membros da instituição.

Segundo o editor da Guriatã, escritor e poeta Cyro de Mattos, no editorial “Revista como pássaro das letras e da cultura”, como cidadela de resistência, arquitetada na palavra escrita, “Guriatã vem pela terceira vez com o seu canto para repercutir em espaço de construção de conhecimento, permuta de experiências literárias, em especial as que são produzidas no sul da Bahia”.

Também integrante da Academia de Letras da Bahia, ele assim define a publicação: “Guriatã comporta o pensamento e o sentimento como crença de que o veículo dessa natureza impresso ainda funciona no contexto dos tempos atuais, em que prevalece a imagem visual e/ou a linguagem internética movida pela rapidez e globalização do que transmite.”

Autores para apreciar

A revista apresenta dessa vez textos de Reheniglei Rehem, Heloísa Prazeres e Marcus Mota, doutores em Letras; ensaio de Cyro de Mattos sobre romance de estreia de Dostoiewski; poemas de Telmo Padilha, Valdelice Pinheiro, Walker Luna, Ruy Póvoas, Renato Prata e Ceres Marylise; contos de Aramis Ribeiro Costa, Lilia Gramacho e Gerana Damulakis; crônicas de Raquel Rocha, João Otávio e Ruy Espinheira Filho; discursos de Sônia Maron e Silmara Oliveira, além de ampla divulgação das atividades literárias e culturais dos membros da instituição.

ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA PUBLICA 3ª EDIÇÃO DA REVISTA GURIATÃ Read More »