Produção Literaria

O MENINO JORGE AMADO- Cyro de Mattos

           Nos livros de ficção desse escritor popular percebe-se que o narrador de linguagem fluente dá voz aos humilhados e ofendidos, ao povo do candomblé, às gentes do cais, prostitutas, seresteiros, pescadores, operários, poetas populares, meninos de rua. Com esse elenco de tipos populares fica nítido que para ele é mais importante o conteúdo na trama, muitas vezes interligada com humor, do que a palavra com a qual a vida é recriada.

           Íntimo dos poetas populares, sua inspiração é dotada de um lastro humanitário que se expressa através da esperança na mensagem, da liberdade como o sentimento mais valoroso e o amor o mais forte.  A   solidariedade se faz presente na sua obra, na escrita irreverente que se transmite fascinante, tantas vezes sensual, mesclada com suas ondas de indignação.

           Aqueles que o conheceram sabem que ele tinha a amizade como uma coisa nata. Dava-se conta por isso que existia ainda o homem simples como o artista, embora fosse comum encontrar na vida   o artista vaidoso como o homem.  O compromisso que sempre teve com as letras foi o da verdade, honestidade, promoção do reconhecimento do valor no outro e a defesa da liberdade de expressão. Daí ser reconhecido por justeza como um legítimo romancista da vida, um poeta da prosa que encanta.

           Detentor das mais belas páginas de nossas letras. De O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, retira-se essa passagem, com sabor e saber que resultam de um criador que adota o simbolismo do amor como o sentimento mais poderoso no caráter do homem e da mulher. Ele alude que o mundo só tem graça e encanto quando se vive nele fora das prisões.

O mundo só vai prestar

Para nele se viver

No dia em que a gente ver

Um gato maltês casar

Com uma alegre andorinha

Saindo os dois a voar

O noivo e sua noivinha

Dom Gato e Dona Andorinha.

           Qualquer escritor que se preze gostaria de assinar uma joia de versos como essa, simbolizando o amor que a vida deve ter sem preconceitos e dominações. Uma joia singela com brilho de verdade.  O amor como eterna armadura sustentável na leveza do ser, que não se cala e diz que a vida é bela, muita gente quer vê-la  com desprezo,  sem dar o valor que ela merece.

           Tal como acontece com O gato Malhado e a andorinha Sinhá, depois que se acaba a leitura de A bola e o goleiro (1984), história escrita para o público infantil, como para o adulto que ainda não deixou de ser criança, certamente dirá, “uma pena, que um inventor de ingenuidades, com alma tão infantil, leve, cheia de humor, dotada de surpresas e sustos coloridos, que cativam e encantam, não tenha se dedicado mais à escrita de livros para os leitores pequenos.”

            Certo que a infância tenha recebido tratamento importante ao longo da construção de seu legado romanesco para o leitor crítico. Mas o que se lamenta, repito, é que no olhar para o mundo com visões líricas e reflexões críticas para o leitor generalizado, esse consagrado autor de uma soberba literatura adulta, rica de imaginação e sentimento popular do mundo, não fizesse de seu ofício também um recanto dedicado ao leitor infantil, amante da boa prosa e do verso engraçado, e não se deixasse ficar como um bissexto autor para crianças.

              Essas considerações agora vêm a propósito de O goleiro e a bola uma beleza de texto infantil, que tem o futebol, uma das paixões do povo brasileiro, como tema.  Com maestria fina, sutilezas e manhas, Jorge Amado escreve a história de amor entre a bola Fura-Redes e o goleiro Bilô-Bilô Cerca-Frango, que não se cansava de tomar gol, por razões óbvias era considerado o pior do mundo na posição. Até que um dia aconteceu o inesperado. Amor à primeira vista entre Fura-Redes, o pavor dos goleiros, e Bilô-Bilô Mão Podre.

           Depois chegou o dia de o Rei de Futebol fazer o gol milésimo da sua carreira, marca que jamais seria alcançada por qualquer goleador. Todas as bolas se ofereceram para ter a honra de ser a vítima do gol milésimo do Rei de Futebol. E o que aconteceu?

           Mudou Cerca-Frango de posição, fugindo rápido para o outro lado. Fura-Redes fez o mesmo, a buscá-lo. Assim ficaram os dois durante alguns minutos, um tempo enorme, correndo em frente às traves, de uma à outra, até que, desesperado, Bilô-Bilô disparou campo afora deixando o arco à disposição da bola. Mas Fura-Redes partiu atrás de seu goleiro e o perseguiu até que o alcançou diante do arco do adversário e em seu peito se aninhou redondinha e amorosa.

         Como terminou essa história futebolística entre a Bola Fura-Redes e o goleiro Cerca-Frango, que foi o pior e o melhor de todos?

          Se casaram e viveram felizes para sempre.

Referência

AMADO, Jorge. O gato Malhado e a andorinha Sinhá, Record, Rio de Janeiro, 1976.

              ——– A bola e a rede, Record, Rio de Janeiro, 1984.

  ………..

*Cyro de Mattos é autor de 80 livros, de diversos gêneros. É também publicado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.

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O LEITE DE MALU- Marcos Bandeira

O sol ainda brilhava no crepúsculo, quando Luan resolveu ligar para sua mãe Margarida, funcionária pública, que estava saindo do trabalho na prefeitura municipal de Albedaran. O motivo do telefonema era para que sua mãe comprasse o leite de Malu que havia acabado. Luan estava em casa sozinho tomando conta de Malu, sua filha com apenas dois anos de idade, e também se recuperava de uma fratura na tíbia, provocada por uma disputa de bola num jogo de futebol que ainda o obrigava a andar com o auxílio de uma muleta.

O dia escurecia rapidamente e um vento frio penetrava no quarto de Luan, situado no 1º andar de um prédio antigo, com uma garagem na parte térrea, e ao lado uma escada que levava ao 1º pavimento, onde Luan morava com a mãe, a avó e uma filha, fruto de um romance passageiro.

Luan era um jovem branco, com estatura mediana, vinte e dois anos de idade, estudava Direito e trabalhava como publicitário na agência “Midia em Ação” situada no centro da cidade. Sua mãe, Margarida, era divorciada, trabalhava na prefeitura havia mais de vinte e cinco anos e possuía cinquenta anos de idade. Ela mantinha uma relação muito afetiva com Luan, seu único filho. A avó de Luan, com os cabelos totalmente grisalhos, já tinha setenta anos de idade e adorava o neto, com quem sempre conversava e contava histórias. Agora, com a chegada de Malu, todas as atenções se voltaram  para a pequena.

O telefone continuava chamando. A campainha tocava, chamava, chamava, mas sua mãe não atendia. Certamente estava no silencioso. Depois de sucessivas chamadas Luan acabou desistindo..

Esse momento foi crucial, pois se a mãe de Luan tivesse atendido ao telefone, certamente os fatos se desenrolariam de forma diferente. Luan pensava: “poxa, por que mãe não atendeu? Daqui a pouco vai fechar o mercado e Malu não pode ficar sem leite”. Luan estava angustiado, pois estava sozinho em casa com sua filha e sua avó também havia saído. A noite já se precipitava e sua mãe não chegava.

Decorridas mais de duas horas, Margarida, visivelmente cansada, chegou em casa e pegou sua neta Malu no colo. Nesse momento, Luan se dirigiu a ela e perguntou: o que foi que houve que a senhora não atendeu ao meu chamado de telefone? Liguei várias vezes. Era para comprar o leite de Malu!

Margarida respondeu: Oh, meu filho me perdoe! Deixei o celular no silencioso no carro e fui fazer umas compras. Estou vendo agora que tem várias chamadas, me perdoe meu filho. Vixe, meu filho, então eu vou comprar!

Luan retrucou: de jeito nenhum! A senhora está exausta, e eu já estou bem; posso perfeitamente dirigir e ir até no Mercado Popular, aqui pertinho, comprar o leite de Malu.

Margarida não insistiu. Estava muito cansada. Havia trabalhado duramente o dia todo. De qualquer forma, o mercado fica aqui perto.  Luan pegou as chaves do carro e com o auxílio das muletas passou a descer as escadas em direção ao veículo.

Acomodou-se na poltrona do motorista e ligou a ignição, deixando as muletas na poltrona do carona. Seguiu em direção ao Supermercado Popular, que ficava situado no mesmo bairro onde morava, Palestina.

Eram 19h45 e o Supermercado Popular já estava com as portas semicerradas. Luan taxiava nas imediações para estacionar o veículo. Nesse mesmo momento, uma viatura, com dois policiais militares trafegava pelo bairro Palestina, quando recebeu uma informação de que naquelas imediações havia dois elementos suspeitos num veículo HB20 branco, coincidentemente, a mesma marca e cor do veículo guiado por Luan.

Na vida acontece coisas, que muitas vezes encontram alguma explicação num detalhe, ou numa terrível coincidência, quando o vento do destino muda completamente a vida das pessoas. A vida de Luan estava marcada pelo destino. Ali, naquele momento, tudo poderia mudar… e mudou!

A viatura se aproxima do Mercado Popular e os dois policiais observam um veículo Hb20 parado em frente ao estabelecimento, que já estava fechando. Já eram 20h a noite estava fria. A rua, iluminada apenas por um poste distante cerca de dez metros, trazia pouca iluminação para o local, que estava quase deserto, à exceção de alguns transeuntes que passavam indo para suas casas.

Luan saiu do Mercado, caminhando com o auxílio das muletas e segurando o leite de Malu, dirigiu-se ao seu veículo, quando foi abordado pelo policial Antônio Presépio, alto, negro, com quarenta e dois anos de idade, conhecido matador, frio e calculista, que já contava à época mais de trinta mortes nas costas, entretanto, nunca fora punido. Diz-se que tem um coronel padrinho que o protege. As famílias das vítimas também, com medo de morrer, acabavam silenciando.

Antônio Presépio abordou Luan e com a arma na mão perguntou: cadê o seu comparsa? Vamos, rapaz, diga logo, senão você vai morrer!

Luan, apoiando-se nas muletas, responde: eu não tenho nenhum comparsa. Eu vim aqui para comprar o leite de minha filha. E mostrava a lata de leite.

Antônio Presépio, bastante irado, ordenou: deixe de conversa mole, rapaz. Entre aí no veículo e me dê as chaves. Luan entregou as chaves e ficou do lado do carona. Antônio Presépio dirigiu o veículo, enquanto o outro colega, Luiz, dirigia a viatura. Os veículos foram em direção à Ponte da Ilha, distrito rural, distante mais de 6 km da sede, com apenas uma ruela no meio do matagal na escuridão daquela noite fria.

Luan não estava entendendo nada, e pensava consigo mesmo:” esses caras vão me matar”!

Voltou a falar para Presépio: eu não fiz nada. Por que vocês estão me trazendo para aqui? Não deveria ser para a Delegacia?

Antônio Presépio, então falou: “Vamos ter uma conversinha primeiro!”

Os veículos pararam, numa parte da estrada, distante um pouco do povoado, e Antônio Presépio arrancou violentamente Luan do veículo e o empurrou com muleta e tudo no chão, dizendo em alto som: “agora, você vai me dizer quem estava com você no seu carro. Vamos, rapaz, diga logo, senão você vai morrer aqui!

Luan voltou a dizer que o veículo era de sua mãe e que estava sozinho no carro, mas Antônio Presépio não acreditava no que ele falava e passou a esmurrar Luan, que pulava com um pé só, segurando a muleta, caindo no chão novamente.

Antônio Presépio tentava puxar as unhas de Luan com um alicate. Luan começou a chorar de dor, quando recebeu um golpe no pescoço e caiu novamente no chão.

Antônio Presépio continuava a torturar Luan, Luiz Santos, seu colega, manuseava o celular, quando, de repente, recebeu uma mensagem de Whats App informando sobre a abordagem que acontecera em frente ao supermercado Popular.

Enquanto isso acontecia na Ponte da Ilha, um transeunte que passava pela rua do Supermercado Popular, no momento em que Luan era abordado pelos policiais, passou na casa de Luan e avisou à mãe dele: “A polícia prendeu Luan em frente ao Supermercado Popular. Acho que o levou para a Delegacia”.

Margarida, bastante nervosa, entrou em contato com sua amiga Cecília, que é investigadora policial e trabalha na Polícia Civil, informando sobre a prisão de Luan. Inicialmente achou que fosse porque Luan estava sem a carteira de habilitação, já que ele pegou o veículo apenas para comprar o leite de Malu. Imediatamente, pegou um uber e foi para a Delegacia de Albedaran, enquanto Cecília colocava uma mensagem pelo Whats App no grupo de policiais militares comunicando a prisão de Luan. Foi essa a mensagem que Luiz Santos, parceiro de Antônio Presépio, recebeu em seu celular.

Antônio Presépio se esmerava nas espécies de torturas cometidas contra Luan, que chorava copiosamente, apoiando-se nas muletas. No local, apenas o barulho provocado pelas rãs e a escuridão sem fim. Antônio Presépio pegou uma pistola 40 e mandou Luan segurá-la. Luan, com muito medo e chorando, segurou a pistola. Neste momento, Luan pensou: “Eles vão me matar. Agora, tenho certeza. Depois vão justificar que eu estava portando uma arma e resisti à prisão”.

Nesse momento, Luiz Santos chamou Antônio Presépio e disse, mostrando o celular: “olhe aqui. Já sabem que estamos com o garoto. Temos que levá-lo para a Delegacia. Agora, temos que encontrar uma justificativa. Antônio Presépio se dirigiu até a viatura e, na parte de trás do veículo, dentro de uma sacola, pegou um pacote de cocaína, com uma embalagem vermelha com alguns detalhes, que havia sido apreendida dois dias antes, no centro de Albedaran. Havia várias sacos de cocaína, mas pegou apenas um deles. Saiu da viatura e foi direto para o veículo de Luan onde plantou a droga.

Antônio Presépio tinha o modus operandi já conhecido, de plantar drogas em veículos e imóveis de pessoas perseguidas pela Polícia. Na semana passada, ele adentrou numa edifício no centro da cidade, onde foi surpreendido e filmado plantando drogas na casa do suspeito, que fora preso mas logo liberado pelo juiz, após ter acesso a essas imagens. Apesar disso, ele continuava se escudando na farda da Polícia e protegido por pessoas poderosas da própria Polícia, onde tinha licença para matar. Estava certo da impunidade e assim, continuava sua caminhada criminosa, maculando a boa imagem da briosa corporação.

Antônio Presépio pegou Luan pela gola da camisa e violentamente o jogou no banco de trás da viatura, e voltou-se para o veículo de Luan, guiando-o em direção à Delegacia.

Margarida estava muito nervosa e a toda hora olhava o relógio. Já estava na Delegacia há mais de uma hora e nada de notícia de seu filho. À medida que o tempo passava, mais aumentava a sua apreensão. Finalmente, estava chegando uma viatura. Margarida viu Luan no banco de trás, algemado. Logo atrás da viatura chegava também o seu veículo, guiado por outro policial.

Na Delegacia, Antônio Presépio apresentou Luan e a droga – um saco de cocaína – ao Delegado, dizendo: É um flagrante de tráfico de drogas. Pegamos essa droga no veículo dele, Dra.

Luan, chorava e disse: Não é verdade! Essa droga não é minha. Eu não mexo com isso! Antônio Presépio retrucou: cale a boca, vagabundo, Você está preso!

Margarida tentou entrar na sala da Delegacia para ver seu filho! O Delegado permitiu e ela procurou saber o que havia acontecido. Luan, apenas chorava e dizia que não fez nada.

Não houve jeito. Luan foi preso e flagrado por tráfico de droga. Após ser ouvido, foi encaminhado para o Presídio de Itabuna. A mídia, principalmente, a sensacionalista, proclamava aos quatros ventos: Polícia prende o estudante de Direito, Luan, traficante de drogas. O traficante estava portando um kg de cocaína e foi conduzido para o Presidio de Itabuna.

E assim, o destino se encarregou de mudar a vida de Luan. Um jovem estudante de Direito, que trabalhava com publicidade, e que nunca havia se envolvido com drogas ou qualquer crime. Seu único hobby era jogar futebol. Foi jogando futebol que fraturou a tíbia, de cuja lesão estava se recuperando. Agora, o estudante, trabalhador e pai de uma menina de dois anos, era traficante e estava preso! A segunda notícia não importa, ninguém lembra. A pecha de um jovem envolvido com a droga é que fica.

Luan já estava preso havia três meses e não conseguia recuperar sua liberdade. A mãe de Luan então contratou um advogado experiente, Dr. Filgueiras, criminalista, cuja primeira atitude foi visitar o cliente no Presídio. Lá chegando, depois de passar pela fiscalização dos agentes, dirigiu-se ao parlatório, quando conheceu e conversou com Luan. Este disse, com lágrimas nos olhos: “Doutor, acredite em mim. Sou inocente, estou limpo. Eles plantaram essa droga no carro de minha mãe. Tudo não passou de 10 minutos, quando saí de casa e fui abordado por esses policiais.

Dr. Filgueiras respondeu: Eu acredito em você. É por isso que estou aqui. Agora, eu quero que você me fale tudo o que aconteceu.

Luan passou a contar com detalhes toda a história, até que o Dr. Filgueiras se desse por satisfeito. Já ia se retirar, quando Luan disse: “Espere um pouco, Dr. Por favor me tire daqui. Não é só por mim não. É por minha mãe e minha avó, que sofrem muito por me verem aqui, além de passar por muitas humilhações. Por favor, Dr. me ajude! Sensibilizado com a ponderação do garoto, disse o seguinte: Vou lutar por você, vamos ver o que podemos fazer. Um abraço.

Dr. Filgueiras ingressou com um pedido de revogação de preventiva e juntou provas muito fortes, inclusive provou que a droga plantada possuía o mesmo invólucro das drogas que foram apreendidas na casa de um traficante pelo mesmo Antônio Presépio, inclusive com as imagens de outra abordagem feita pelo referido policial, quando foi filmado plantando a droga no apartamento de um perseguido pela Polícia.

Próximo do Natal, ainda na rua, Dr.Filgueiras recebeu a notícia de que o juiz havia revogado a prisão de Luan. No escritório de Dr. Filgueiras, todos: advogado, estagiário e funcionários, estavam vibrando com a soltura do rapaz, pois se tratava de celebrar a vitória de um inocente.

Dias felizes. Margarida apareceu com Luan para conversar com Dr. Filgueiras. Luan narrou toda a história. Disse que voltaria à sua vida normal, retornando à Faculdade de Direito. O Dr. Filgueiras recomendou cuidados, no sentido de evitar o máximo de sair de casa. E assim aconteceu, Luan voltou para o aconchego de seu lar, abraçando a sua filhinha Malu, que já estava sentindo falta do pai. Vida que agora, seguia normal. E uma injustiça reparada!

O tempo passou e Luan estava muito empolgado com o curso de Direito, onde tirava boas notas e era sempre elogiado pelos professores. Transcorrido quase quatro meses depois que saiu do cárcere, numa noite de abril, Luan pegou sua moto e foi para a Faculdade estudar. Nesse dia ele iria fazer uma avaliação. E assim o fez. O professor despediu-se dele que foi para o pátio da faculdade e ligou sua moto para retornar à sua casa.

Os ventos fortes do destino ainda não haviam se acalmado. Luan, no instante em que ligou a moto de volta para casa não sabia o que lhe esperava. Só não via a hora de chegar em casa, pegar Malu no colo e depois dormir a seu lado. A moto saiu da faculdade. A noite já estava mais fria, pois caía uma chuva fina. Uma moto, a escuridão, o Terminal Rodoviário e um tiro no escuro. A moto se desgovernou e caiu. Havia um corpo estendido no chão. Luan no chão enquanto o sangue escorria. As pessoas se aglomeravam em torno do corpo que agonizava. Alguns tiravam fotos. Vida interrompida!

Adeus Malu, adeus sonhos dourados, adeus o projeto de ser advogado um dia, adeus minha mãe, adeus minha avó! Adeus vida cruel e estúpida! Fui engolido pelo destino. Antônio Presépio realizou o seu desejo de me expulsar deste mundo e aumentou ainda mais o número de suas vítimas!

O celular encontrado com Luan constavam mensagens dando conta de que Presépio estava atrás dele. Ele havia passado uma mensagem para o pai, que era separado da mãe e morava no Rio de Janeiro, informando isso e pediu para que o pai não informasse à mãe para não preocupá-la. Ele sabia que Presépio estava lhe perseguindo, mas não acreditava que ele fosse capaz de lhe matar.

Infelizmente, nada poderia ser feito. A mãe procurou o Ministério Público para denunciar, mas a investigação não evoluiu. Presépio continua praticando seus crimes contra pessoas inocentes, escudado e protegido pela sua farda! Vida que segue… e vidas que continuam sendo interrompidas!

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QUEREMOS UM MUNDO SUSTENTÁVEL!- Silvio Porto de Oliveira.

“Não posso fazer todo o bem que o planeta precisa, mas o planeta precisa de todo bem que eu puder fazer”

Porque a Sustentabilidade é pauta prioritária do mundo corporativo do século XXI.

Não poderia deixar de opinar sobre algumas questões levantadas sobre a importância de uma agência cooperativa financeira ser sustentável na obra e no conceito para os seus associados, colaboradores e a comunidade.

Como Presidente do Conselho de Administração da Sicredi Sul da Bahia, tenho que olhar a estratégia e inovação, finanças, governança e jurídico, recursos humanos e riscos. Não pode faltar na minha agenda de gestor do século XXI , informações sobre sustentabilidade, trazer fatos históricos e movimentos atuais de investidores, reguladores, bancos, bolsas e empresas, além de enfatizar a importância da liderança – CEO e conselhos – para o avanço desta agenda.

Sustentabilidade tem que ser um tema transversal e interconectado, ao econômico, desenvolvimento,social e governança. No Fórum Econômico Mundial de Davos, o termo mais ouvido foi “capitalismo de stakeholder (parte interessada)” enquanto os cinco principais riscos em termos de probabilidade, pela primeira vez na história do Relatório de Riscos Globais, publicado pelo fórum, foram ambientais.

É uma pauta ainda delicada, pois a mentalidade de muitos gestores, ainda não foram além das questões econômico-financeiros palpáveis e a sustentabilidade ainda não reconhecida como agregadora de valor.

Não poderíamos deixar fora da pauta a pandemia e seus impactos, o que trouxe uma troca interessante sobre o “velho e o novo normal”. Um valioso output desta dinâmica foi o entendimento de que sustentabilidade é assunto de todas as áreas da empresa e precisa estar na pauta do conselho. O mundo corporativo está diante de um enorme desafio, a solução dos graves problemas globais não pode ser deixada exclusivamente para o poder público. As empresas precisam estar mais atentas às necessidades da sociedade e não apenas aos interesses fiduciários de seus acionistas.

O entendimento da Sustentabilidade também transita pela saúde populacional. A saúde em qualquer parte do planeta está associada ao acesso a serviços básicos como água tratada, coleta e tratamento de esgoto.

O valor da saúde é inquestionável e que enfermidades evitáveis como as epidemias de dengue, zica e atualmente Covid-19 estão associadas à forma como se interage com o meio ambiente. A governança corporativa propõe o correto balanceamento do atendimento às partes envolvidas e não justifica o descaso com que os administradores das empresas de saneamento atendem às cidades. O desafio que esta pandemia nos deixa é a necessidade de uma “consciência sanitária”.

Nos médicos temos muito que aprender com os veterinários que sabem fazer uma política preventiva e de isolamento na pecuária de controle das enfermidades como febre aftosa e com os agrônomos que sabem muito bem a importância da proteção das florestas e como o desmatamento prejudica a lavoura com pragas, e a utilização correta de defensivos agrícolas evitando os agrotóxicos.

No campo financeiro não podemos financiar no crédito rural ou empresarial, quem compactua com o trabalho escravo, trabalho infantil, exploração ilegal das florestas e a falta de compromisso ambiental. Além de mobilizar, cada vez mais, a sociedade para pressionar as empresas a ganhar luz com a sustentabilidade.

Os princípios do chamado capitalismo consciente, em que os negócios podem contribuir para solucionar os principais desafios sociais, econômicos e ambientais da sociedade, começam a produzir um modelo econômico mais inclusivo, equitativo e regenerativo , com ações e mudanças sistêmicas  que beneficiarão as pessoas e o planeta.

 A visão macro da sustentabilidade se estruturam em três pilares inter-dependentes:

As pessoas , empresa e planeta.

Geração de empregos, satisfação dos clientes, equidade de gêneros, redução de impactos ambientais, estímulo à energia renovável e redução da emissão de carbono e resíduos.

No Brasil, que tem a maior riqueza e variedade de vida em todos os ecosistemas existentes , precisam ser preservadas.

Temos a maior biodiversidade do mundo e nossos seis biomas: Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado, Amazônia, Pantanal e Pampas, são importantes para o equilíbrio do planeta.

Em tempos de Governança Ambiental,Social e Corporativa nossas empresas precisam colaborar para que a nossa biodiversidade seja valorizada e preservada.

Todas as empresas têm o papel de integrar os biomas nos meios de produção em todos os mercados.

Nosso grande desafio!

 Esta nascendo junto com a nova sede da Sicredi Sul da Bahia um espaço cultural.

Uma ideia para ajudar a fazer a diferença na nossa cidade e levar conhecimento e oportunidades através da arte, cultura, sustentabilidade e cooperativismo.

Vou juntar a outros projetos do Sicredi como os programas a União faz a vida, Pertencer, Crescer, Informação e Memória, cuidando do público externo nas comunidades, escolas, e também do nosso público interno, associados e colaboradores, participando de atividades nas oficinas de arte, música, fotografia, cinema, teatro, livros, poesias e pintura.

O nosso objetivo é fazer a diferença.

Somos um time nascido para superar dificuldades, movimentar a vida das pessoas, compartilhando oportunidades, dignidade, conhecimento e surpreendendo sempre buscando melhorar a vida das pessoas no lazer, cultura e vida saudável e no lado financeiro.

O nosso DNA e cuidar das pessoas e fazer sua vida muito melhor e muito, mais muito mais cooperativa.

A cooperação e a nossa essência!

E lembrar Giles Deleuze:

“A arte é o que resiste: ela resiste à morte, a servidão, a infâmia, a vergonha”

Silvio Porto de Oliveira.

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LUTA, REVOLTA E POESIA EM OS VENTOS GEMEDORES- Raquel Rocha

O livro Os Ventos Gemedores, do escritor Cyro de Mattos, vencedor do Prêmio Nacional de Ficção do Pen Clube do Brasil, relembra um Brasil de outrora, que de alguma forma ainda é o mesmo Brasil de hoje. Porque os tempos mudam, as armas mudam, as guerras mudam, mas os anseios e a ganância dos homens continuam os mesmos.

O livro é ambientado nas terras da Vila do Pati, pertencente ao território do Japará, condado criado pelo imaginário do autor, como todas as cenas, movimentos e personagens rústicas, mas que lembra o Sul da Bahia, na época dos desbravadores, jagunços, mata fechada, miséria e opressão. Nesta terra sem lei nos deparamos com o Vulcano Brás, senhor de todas as coisas, e o vaqueiro Genaro, que decide ir de encontro ao dono de tudo.  Uma luta entre as gentes de Vulcano Brás com seus cabras e os que trabalham na terra em regime de escravidão é estabelecida numa demanda em que o mais forte sempre venceu.

O mergulho psicológico que Cyro de Mattos faz nos seus personagens nos envolve na leitura: o conformismo de uns, a inocência de outros, a coragem de muitos.

Em um belíssimo trecho dessa obra conhecemos os medos de Almira e a revolta do seu esposo Genaro: “Que adianta fazer esta revolta, Genaro? O lado de Vulcano Brás sempre foi mais forte”. Ele responde “A pior derrota é daquele que não luta”, acrescentando que “onde ninguém faz nada contra Vulcano Brás só a vontade dele é a única que impera, e os que se agacham permanecem assim mesmo o tempo inteiro, trabalhando, trabalhando, sem nunca ter nada na vida”.

Aparício Pança Farta, dono do armazém, vai de encontro à violência que se espalha no povoado: “Cada um nesse mundo cumpre sua sina. (…) Liberdade ganha com sangue não tem presteza”.

Na nona parte do livro, “Ultimas Ordens”, Cyro da Mattos revela o desejo do poderoso Vulcano Brás quando vê que lhe resta pouco tempo de vida, o de atingir a imortalidade de seu nome e de sua história:   “As dores no peito aumentaram no último ano de sua vida. Numa dessas crises ele chamou Edivina e falou que queria ser enterrado no cemitério da Vila do Pati. Cuidassem de colocar na sepultura o seu busto para que todos se lembrassem dele, comentassem sobre suas andanças e audácias pelas terras do Japará. Morre o homem fica a fama. Era assim que se imaginava depois de morto, admirado em razão dos amplos domínios conquistados, coragem e pulso forte.”

Os ventos Gemedores é um belíssimo romance de suor e luta com narrados com linguagem a poética que é uma marca do seu autor.

Cyro de Mattos nasceu no município de Itabuna, no Sul da Bahia, em 31 de janeiro de 1939, é jornalista, poeta, romancista, contista, novelista, cronista, ensaísta, autor de livros infantojuvenis e gestor cultural. Diplomou-se em Direito pela Universidade Federal da Bahia, em 1962. Dentre seus 80 livros publicados, destacam-se: Os Brabos, O Menino Camelô, Cancioneiro do Cacau, Os Ventos Gemedores e Vinte Poemas do Rio. Seus livros são estudados em universidade, adotado nas escolas brasileiras e sofre reedições constantes. Vários deles foram adquiridos pelos programas educacionais do Governo. É também editado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha e Dinamarca. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.

 

*Raquel Rocha é cineasta, comunicóloga, psicanalista e integrante da Academia de Letras de Itabuna.

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CENTENÁRIO DA SANTA CASA DE ITABUNA- Silvio Porto de Oliveira.

Calixto Midlej Filho no leito de morte, profetizou: Silvio você , um dia, vai ser Provedor da Santa Casa. Pensei, o Estatuto da Instituição não permite isto. Foi no ano de 1984. No ano de 2001, 17 anos, depois, Edmar Margotto, me chama e diz: Vou mudar o Estatuto da Santa Casa e você vai ser o Provedor. Estava concretizada a profecia.

Calixto é uma unanimidade em Itabuna, na Santa Casa, e tudo que temos feito desde a sua morte , ainda é pouco para pagarmos o que devemos a ele.

Sobre Calixto, escrevi:  “05/07/1984 morre Calixto Midlej Filho, legítimo representante dos homens de Bem desta terra, a melhor  identidade dos homens que amam Itabuna, e grande responsável pelo engrandecimento da medicina da Santa  Casa.

Vai ser difícil imaginar a Santa Casa sem Calixto. Suas visitas matinais , cumprimentando médicos, enfermeiros, funcionários, operários , fiscalizando com minúcias e esmero as obras em curso. O Centro de Estudos era a menina dos olhos de Calixto. Quase sempre no final das atividades na sexta feira à noite, chegava ofegante, sempre com uma boa notIcia, de que tal aparelho estava sendo comprado, que fulano ou sicrano tinha doado algo para os hospitais.  Jamais seremos suficientemente gratos, por tudo que você representou para a medicina de Itabuna. A sua lição de amor e fraternidade e de servir ao próximo, jamais será esquecida”

 

Manoel de Souza Chaves, escreveu : A Calixtinho, o benfeitor.

“Levarás no esquife para os céus, a palma

Da grandeza mansa, da

Virtude austera

Realizou na vida, a perfeição

Da alma

Foi bondoso como a lua é calma

Foi um santo, sem saber que era”

Telmo Padilha, escreveu: Súplica:

“Senhor,

Este que queres levar contigo vai nos fazer muita

Falta.

Já são tão poucos os que fazem alguma coisa por

Nos!

Bem que poderias deixá-lo ficar um pouco mais,

Não apenas para concluir sua obra

Mas para vê-la crescer aos nossos olhos.”

 

Ainda Telmo, em Réquiem para Calixto Midlej Filho :

“Vejo-te no Mariano, o cafezinho

Fumegando nos dedos o cigarro

Em que te amparavas para sustentar a solidão

Do enigma itabunense, a voz ainda firme,

Vejo-te atendendo ao último enfermo

Que te procurou para um lugar a mais

Onde não havia  lugar para um novo leito

Vejo-te dando lições a Hipocrates

Ao novel médico, ânimo ao saturado,

Vejo-te amparando os que ignoravam

Que também precisavas de amparo”

 

Selem Rachid, escreveu Calixto, Calixtinho: “Eu era o palestrante convidado no Rotary, e como de costume, em tese, dei alfinetadas em nossos homens importantes, em nossos líderes. E aí fiz uma exceção. Uma única exceção. Falei que havia em toda região cacaueira , uma só pessoa, um só líder, que fugia a essa armadilha, denuncia construída por mim, o Cavalete Cultura, na tentativa de explicar o porquê de uma pobre região rica”.

 

Meu abraço a todos meus colegas  com quem compartilhei uma vivencia   durante estes  quase 50 anos que atuo nesta Casa , juntando o tempo acadêmico e profissional.  Aqui desde 1970 fiz uma carreira igual na Igreja Católica e  o Exército. Comecei como acadêmico, ocupei todos os cargos na hierarquia médica e cheguei ao cargo máximo da mesa administrativa. A todos os funcionários que também ao longo deste tempo convivi, sempre em harmonia.

Destaco como funcionários emblemáticos e  puro  sangue Santa Casa: André, Tereza Araújo , Lourdao, Lourdes Alves,  Mestre Ataide, Cássia, Cacia, Jorge Pedra, Arnaldo, José Sales, Jorge, Jarinalva, Clodoaldo, Renilda,Rose, Normalice, Loiola, Mestre Adauto, Alberto “Paulo Isidoro”,Heleno e Gel Takaci  in memoria, em nome de vocês , saúdo todos.

Jamais esquecerei o compromisso e o amor demonstrado por abnegados funcionários que criaram um movimento vitorioso, chamado Depende de Nós, idealizado por Hélder, Itamar, Lania, Lourdao, Vitorinha, Rose, Borba, Ana Galvão, entre outros.

A irmandade desta Santa Casa , minha eterna gratidão, que proporcionou uma oportunidade única na minha vida. Ter servido mais intensamente a esta Casa, ao permitir que eu pudesse ser Provedor, e incluir no meu curriculum este Título importante na minha carreira. Destaque especial ao meu amigo e ex Provedor Edmar Margotto, que me confiou a difícil tarefa de continuar o seu trabalho nesta Instituição.

Agradecer  Deus a oportunidade de conviver com médicos extraordinários e pessoas dedicadas  que fizeram história na história desta Casa.

Cheguei a Santa Casa pelas mãos de Urandi Riella, outro gigante nesta história, que ao lado de Galvão Filho, iniciaram a Oncologia Cirúrgica, e depois Urandi implantou o serviço de Quimioterapia , que funciona até hoje.

Urandi , foi Presidente do Centro de Estudos, Vice-Provedor, secretário da Provedoria e não foi Provedor porque não quis.

No meu tempo de acadêmico e estagiando no Hospital Santa Cruz, atual Calixto, aprendi muito, com os médicos da época que tive a honra de conviver.

Aprendi com Guilherme Belmiro de Matos, Clodoaldo Carvalho, Mário Peixoto, Orlando Matos, Raymundo Freire, John Leahy, Geraldo Moura e Silva, Galvão Filho, Julio Brito, João Otávio, Arthur Almeida, Afonso Malta, Nilton Barros, Otilia Moraes,Itamar Pitanga, Wilson Rosas,   Renato Costa, Julio Porto, Alberto Seixas, Amilton Gomes, Ivan Argolo, que foi o primeiro neurocirurgião a trabalhar na instituição.

Tive o prazer de fazer parte de um grupo de acadêmicos , que iniciaram na década de 70, a frequentar os hospitais da Santa Casa, como Urandi, Vieira, Waldemir, Luiz Carlos Duarte, Arcleide, Dóris, Álvaro, Luciano Peixoto, Ubiratan Riella, Josicelin, Eduardo Galvão, entre outros.

Convivi com religiosas admiráveis, como a Irmã Maria José, Irmã Almerina Moretti, Irmã Creuza, Irmã Irene.

Tive a felicidade de conviver com Calixto Midlej Filho, o Provedor do século , e pessoas como Alcides Bezerra, Ottoni Silva, Anisio Torres, Renato Cunha, Eduardo Fontes, Raimundo Seixas, José Oduque,  Alberto Lessa, Licio Fontes, José Orleans, Osvaldo Chaves, Geraldo Pedrassoli, Eduardo Paixão – Duduca, Clodoaldo Matta Virgem, Osmundo Teixeira, Gerino,Entre outros.

A minha equipe da Provedoria,  equipe médica, a minha homenagem citando Eric Ettinger de Menezes, Urandi Riella, José  Humberto Martins, José Antero, Arthur Almeida, Ramiro Aquino, José Lathyner, Ruy Souza, Isaac Ribeiro, Silvany Chaves, John Leahy Filho, Álvaro Andrade, Ricardo Amaral.

Minha gratidão ao ex Provedor José Carlos Macedo que me nomeou Diretor Médico em 1986.

Aos colegas que trabalhou na minha equipe, quando diretor, Jurandy Bezerra, Rene Andrade, Antônio Mangabeira, Mercia Margotto, Ricardo Kauark, Alair Castro, Fanny Reinel, Antônio Carlos Brito, Jurema Mendonça , John Leahy, Jaime César Nascimento.

Momento marcante da minha gestão em 2002, quando foi realizado o primeiro transplante renal da Santa Casa e do Sul, Sudoeste, e Extremo Sul da Bahia, no dia 26/10/2002, sendo a equipe médica de Itabuna João Correia, Fernando Cruz, Almir, Neide, Marcelo Araújo, Ruy Souza diretor médico.

Outro momento importante foi a implantação do CACON – Centro de Alta Complexidade em Oncologia na Santa Casa,  em  2003, contando com a presença de Galvão Filho, que deu nome ao novo Serviço, e contando com a participação decisiva no projeto da equipe Oncosul,  o Chefe do Serviço de Oncologia Urandi Riella, o Chefe da RadioterapiaFrancisco Vieira,  o secretário de saúde Edson Dantas,  o diretor médico Ruy Souza. Na solenidade de assinatura do ato em Brasília,  além dos citados, ainda tivemos as presenças do Ministro da Saúde Barjas Negri, o Secretário Executivo do MS Renilson Rehem, o diretor do INCA Jacob Kliegerman e o Sr. Humberto Riella que representou a Irmandade da Santa Casa no ato solene.

No Plansul, após uma assessoria especializada, implantamos um modelo de negócios compatível com as regras mercadológicas das operadoras de planos de saúde e contratamos o Dr. Carlos Benjamin Auad, experiente colega na gestão de operadoras e conhecedor dos normativos da ANS.

O Centro de Estudos , fundado pelo médico Renato Costa em 1974, foi outra grande ideia e responsável por manter o nível de qualidade e especialização dos médicos da instituição. Grandes médicos foram importantes para manter a longevidade do mesmo,  atuando como presidentes Urandi Riella, Perivaldo Almeida, Angela Setenta Ferreira, Célia Kalil Mangabeira, Wandick Rosa, Alair Castro, Augusto Lins, Almir Alexandrino, Antônio Rossi, Neide Vinhático,Marcelo Araújo.

Agradeço a Edmar e Paulo Bicalho a oportunidade de ser Presidente do Centro de Estudos, que na nossa gestão transformamos na Fundação , hoje conhecido como Funcepes.

Não posso esquecer o papel decisivo de Edmon Lucas, na pacificação da instituição  e que resultou na eleição de outro grande provedor deste século, responsável pela aquisição do primeiro tomógrafo do interior da Bahia em 1988, e o início da alta complexidade nos hospitais da Santa Casa.

Estou falando do Grande Ailton de Melo Messias.

Outra grande médica que ao meu lado iniciou a alta complexidade em imagem da Santa Casa, minha homenagem a Maria Helena Andrade.

Outros grandes médicos da Santa Casa, que tive o prazer de conviver, foram brilhar em outras cidades como Alberto Peregrino, que elevou o nome da Santa Casa, em Congressos Nacionais e Internacionais, com publicação de trabalhos científicos em revista de renome. Em Itabuna fundamos com Prof. Spina França a Sociedade de Neurologia Tropical do Brasil secção Bahia.Os clássicos trabalhos  inéditos sobre Neurocisticercose e Esquistossomose Mansoni do SNC na Bahia.

Desde Alicio Peltier de Queiroz, Galvão Filho, Alair Castro, Alberto Peregrino e atualmente Luís Jesuino, sempre a Santa Casa teve seu nome agregado aos trabalhos científicos dos médicos citados.

Outro itabunense, que também trouxe importante contribuição para Itabuna, e que modernizou a anestesiologia de Itabuna,  José Abelardo Garcia de Meneses, ao lado de  Ubiratan Riella, Isaac Ribeiro, Lucidio Liborio, Antonio Andrade Brito Filho, Angela Farias, Telma Dantas e Antônio Gomes.  Abelardo Foi trabalhar em Salvador e  galgou cargos importantes nas entidades médicas baianas e nacionais, com destaque para Conselheiro Federal do órgão máximo da medicina brasileira, o nosso Conselho Federal de Medicina , Presidente do Conselho de Medicina da Bahia, Coopanest e SBA.

Na história mais recente tive a oportunidade de conviver com pessoas do Bem e de grande futuro para Itabuna e para a Santa Casa, como Eric Ettinger Jr, Edmar Jr., Silvio Roberto, Ronaldo Abude, Peter Deviris, Clovis Aquino e Glaucio Mozer Carvalho.

Mas até para morrer em paz,  vou abrir uma homenagem pessoal ao meu colega  e amigo Manoel dos Passos Galvão Filho, primeiro médico com pós graduação a chegar em Itabuna  e trabalhar na Santa Casa na década de 1960, e que foi um divisor de águas na medicina de Itabuna, dentro da minha contemporaneidade.

A Bahia, Itabuna, a Santa Casa de Misericórdia de Itabuna deve uma justa homenagem a  esse acreano, cuja história medica se confunde com a história da própria instituição.

A medicina contemporânea  de Itabuna tem dois períodos : antes e depois de Galvão Filho. Galvão está no mesmo patamar de outro medico que marcou a nossa história, Alicio Peltier de Queiroz, em outro tempo.

Os médicos mais novos, precisam saber da importância de Galvão para este momento que vivemos.  Todos sabemos da história patrimonialista que sempre conduziu a pratica medica na nossa região, e Galvão teve como missão principal resgatar o que ele chamava dos filhos da terra, para o exercício da medicina em Itabuna. Galvão naqueles tempos difíceis, levou o nome da Santa Casa para o Brasil e para o mundo, participando de Congressos e treinamentos no exterior. E clássico o seu trabalho sobre  prevenção do câncer ginecológico na região rural da zona cacaueira.

Hoje a alta complexidade,  a oncologia , os transplantes renais, a cirurgia cardíaca, a hemodinamica, a Neurocirurgia, a cirurgia bariatrica, Unidade Coronariana, a cirurgia videoendoscopica entre outros,  teve seu inicio quando Galvão introduziu a laparoscopia em nosso meio.

Meus amigos, ninguém tira frutos de raiz. Para se colher os frutos , tem que ter alguém para trazer a semente, semear em terreno fértil, cuidar da arvore e depois colher, e as vezes nem sempre quem colhe  e o mesmo que plantou.

Galvão você foi sempre um mestre para todos nos medicos de sua geração. Pela sua competência e pela grandiosidade de sua trajetória profissional.

Disse o poeta: Amigo e coisa para se guardar no lado esquerdo do peito. Mas você Galvão eu guardo nos dois lados do peito.

Galvão sempre incentivou os jovens medicos, e eu me incluo nesta lista. Galvão que o seu exemplo continue a inspirar os medicos e dirigentes desta Santa Casa. Que o seu exemplo seja fonte permanente da busca da excelência na saude da nossa região.

Para terminar nao poderia deixar de mencionar duas poesias , sobre  a nossa querida cidade de Itabuna e a nossa Santa Casa , autoria de Valdelice Pinheiro e de Cyro de Mattos representantes dignos da cultura itabunense , que hoje   tem duas Academias de Letras.  Onde despontam figuras como Cyro de Mattos, Marcos Bandeira, Sônia Maron, Sione Porto, João Otávio Macedo,Jaime César do Nascimento Oliveira, Lurdes Berthol, Raquel Rocha, Silmara Oliveira , entre tantos outros, e que orgulham a nossa cidade.

No cemitério,

no chão puro,

no ar,

no tempo que passou,

em tudo,

aqui,

vive tudo de mim;

meu pai e minha mãe

sob uma legenda e flores,

os meus primeiros sons,

a primeira imagem

de meus pés andando por si sós

e todos os meus olhos

se estirando

pelo verde dos cacaus abertos na mata

como um mar que desse frutos de ouro

e frutos de fome.

Aqui cresceram as minhas mãos

com ânsias de infinito e cheias de agonia.

Aqui nasceram e morreram

as minhas dores mais reais

e mais as ilusões de minhas alegrias.

Aqui eu aprendi o sentido da Paz,

a extensão do amor,

o quanto vale o homem

e de que tipo

de suor,

de força,

de coragem,

de doces e tristes coisas

é feita a vida.

Eu sou plantada neste chão.

Este chão sou eu.

Valdelice Pinheiro.

“Santa Casa de Misericórdia, Era preciso um leito/ na última agonia// Para curar e aliviar,/ era preciso um leito/ Monsenhor Moysés Couto/ sem hesitar dizia./ Fez-se a planta/ numa colina./ Canto de um dia novo/ andou na cidadezinha./ Santa casa que clareia,/ Santa  Casa  das dores./ Até hoje no leito/ duelam a noite e o dia”.

Cyro de Mattos: “Quem ama Itabuna, ama a Santa Casa de Itabuna. “

Obrigado Santa Casa! Obrigado Itabuna!

Silvio Porto de Oliveira.

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ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A OBRA DE ELVIRA FOEPPEL – Margarida Fahel

Palestra apresentada na mesa 2, do FLISBA  2021, dia 25.09, sob o tema A mulher na literatura

Reflexões em Elvira Foeppel e Carolina de Jesus.

O exposto pela confreira Raquel Rocha proporcionou-nos uma boa fotografia de um retrato da autora. Não se trata aqui de um pleonasmo. Defino, nesta fala, fotografia e retrato com diferentes sentidos. Entendo, deste modo, o retrato como algo pronto, definido, e fotografia com algo que se pode ver de diferentes maneiras, em conformidade à forma de enxergar, de entender, de questionar, de iluminar para mais ou para menos. Teríamos, na fala da expositora, a biografia da poeta e ficcionista ilheense, Elvira Foeppel. Diante dessa biografia, perguntamos: – O que é exposto na história é revelado na escrita? Parece-nos ser esta a necessária busca do leitor e, mais exigentemente, do leitor crítico ou do estudioso da obra.

A biografia nos fala de uma mulher à frente de seu tempo e do seu lugar. Uma mulher que, muito jovem ainda, se lança sozinha para a então capital do país, a cidade do Rio de Janeiro, centro do poder político, dos avanços de comportamento, de novos costumes, e das novas tendências filosóficas e literárias recebidas especialmente da Europa. Tendências que já repercutiam nos meios literários brasileiros. No Rio de Janeiro, lá estavam aglomerados nos círculos de discussão, ou nas mesas boêmias, muitos já grandes, bem como uns poucos iniciantes escritores. Bonita, de aparência vaidosa, bem cuidada, rosto bem maquiado, sorriso permanente no rosto, a eles juntou-se Elvira, a moça de Ilhéus. De logo com emprego fixo, emprego que nada lembraria o buscado mundo de escritora, que transpareceria de início, como introspectivo e controverso em seu aparente mundo interior. Tratava-se de um emprego na Revista Súmula Trabalhista, da Legislação Federal, dirigida por Nelson Fonseca. Diríamos lembrar, tal publicação, os nossos conhecidos Diários Oficiais.

Quando partira para a capital do país, Elvira já havia publicado um bom número de poemas e contos em jornais de Ilhéus. Prenunciavam eles uma escrita inovadora em sua forma, com estranha pontuação, alguns neologismos, mas controversa em sentimentos: saudades da infância e grande amor por aquela cidade que tomou como sua. Talvez mesmo já se pudesse entrever em suas publicações a temática de natureza existencialista, mal-estar no mundo, náusea, incompreensão alheia, deslocamento social, e busca de novos rumos. Já se enxergava em seus textos a necessidade de ajustar-se, mas a incapacidade para tal. Estava ali presente, ainda, certa sexualidade contida, velada.

Descobrimos, em sequência de leituras, e somando-se à biografia traçada, que a poeta era uma personalidade intrigante. Talvez para ela própria, assim como para nós, leitores. Embora deslocada e incompreendida em seu meio social, a cidade que tanto amava, a sua Ilhéus, ela se portava como uma jovem que amava as atividades festivas, dedicava-se a   fazer teatro, gostava de beber, de dançar, de namorar e de ir ao cinema. O retrato, portanto, vai ganhando novos traços. Neste momento, com vistas a nosso objetivo nesta mesa, vamos nos deter na Elvira carioca, aquela que começa a publicar fervorosamente nas revistas e jornais conhecidos da época, na capital do país. Para isso, selecionamos alguns contos, a fim de indagar quem seria ou como se apresentaria a escritora por dentro de suas personagens, e que espaços tais personagens trilhariam. Elvira Foeppel escrevia contos sem o esperado e tradicional enredo ficcional. Cada um dos contos vive um momento de uma mulher- personagem e quase sempre narradora. Dentre os selecionados para esta curta apresentação, apenas um conto tem um homem detendo o foco narrativo. Mesmo assim, ao final, ele parece, claramente, dar voz a uma mulher, que poderia  lembrar-nos a própria escritora. Aquela da fotografia.

Estamos assim a dizer que Elvira Foeppel se autobiografava? Pergunta que preferimos, e precisamos deixar em aberto, mesmo ao final desta fala. Há muito a estudar sobre sua obra poética, sobre muitos outros contos e sobre seu único romance, intitulado “Muro frio”. Ademais, além da própria complexidade do texto literário, mais complexo ainda é o ser humano e o imaginário que o comanda.

Mas, levantaríamos, ainda, uma outra interrogação. Haveria, conforme já apontado no início desta fala, na obra de Elvira, a influência do existencialismo sartreano, a presença da náusea, do sem sentido? Do “mal do século” daqueles anos cinquenta, mal saídos da terrível Segunda Guerra Mundial? E perguntaríamos ainda um pouco mais. Haveria nela, na enigmática escritora, por outra visão, uma feminista nascida? Livre, operosa, sem medo? Decidida a ser solteira, optara ela por uma buscada e segura felicidade de ser só? Ou haveria naquela mulher, ou na mulher-personagem, um grande medo da adaptação, um profundo medo de dividir-se?

Dessa forma, tomaremos para estas possíveis indagações, e buscando prováveis ou improváveis respostas, passagens de alguns contos do livro Da Sombra à Luz: seleção de contos de Elvira Foeppel. Organização Vanilda Manzzoni, Alicia Lose. _Ilhéus, Ba: Editus, 2004.

Para tal, na tentativa de englobar algumas características, sequenciamos alguns títulos.

Volta para casa às seis. Publicado na Revista Carioca, 1950.

Aspectos temáticos – O tédio. Personagem: uma mulher numa fila de ônibus. A incapacidade de sair de si mesma. As conversas em torno são frívolas. Nada a interessa ali. A fim de isolar-se, ela se fixa nas nuvens e em tudo que pode criar a partir do que enxerga naquele vai e vem incessante.

 Os minutos deslizavam sonolentos. Quinze já passados inativos. Fim de tarde no seu limite extremo, a noite chegando, invadindo de negrume todo o espaço. Olhei para cima, para as nuvens ainda claras que se moviam destacadas no fundo escuro, e procurei distrair-me imaginando figuras diversas que se formavam e se desmanchavam naqueles segundos (p. 41).

– Breves momentos. Publicado na Revista Carioca, 1950.

Aspectos temáticos – A rotina, a impaciência, a revolta. Mulher indo para o trabalho, no interior de um ônibus cheio. Pensamentos duros, desconexos, solitários. A mulher reflete que todos ali vivem a mesma difícil realidade, no entanto conversam, brincam e riem. Por que ela não consegue ser como eles?

  E sabiam sorrir. Deus, com displicência, sabiam conversar alto e dizer chistes e anedotas a qualquer instante e brincavam despreocupadas com as dificuldades dos dias e das noites. E então, porque Luciana não podia ser assim, fazer como elas e afastar, jogar para trás, para o passado, aquela revolta seca e muda, consumindo, gastando impulsos, trazendo inércia e germinando ódio e amargura no coração pequeno (p.73)?

– Uma menina loura. Revista Carioca, 1950.

Aspectos temáticos – Uma lembrança feliz. A personagem desperta feliz, o que é lhe incomum, e relembra o dia em que salvou uma menina de ser atropelada. Sente a utilidade de sua vida naquele momento. E surpreende-se pela alegria que a invadira ao ver que não fora esquecida pela criança, quando ela lhe trouxe flores.

 O mar continuava monstruosamente belo e importante. O céu ainda coberto de nuvens distantes, brancas, muito brancas, e quase correndo num passinho miúdo uma criança loura, de olhos azuis, muito azuis, com um buquê de flores nas mãos meigas. Ela não me esquecera. Como sorria e gritava o meu nome que na sua boca tinha uma beleza rica e era música, unicamente música (p.45).

– O pretinho João. Revista Carioca, 1950.

Aspectos temáticos – A lembrança saudosa, mas feliz e grata, de um menino pretinho, que passava todos os dias embaixo da janela da mulher sozinha. Conversam, tornam-se amigos, ele fala da dureza de sua vida, do “cemitério de rua”, mas lhe diz que é melhor ser bom e tratar a todos com alegria. O menino desaparece um dia e fica na mulher a saudade e a lição de vida que lhe deixara aquele menino de cabeça raspada, que sempre passava com sua enorme trouxa de roupa.

  Decididamente eu não podia esquecer o menino preto, como pedaço de carvão que todos os dias passava por mim com um sorriso grande na boca estreita, mastigando umas mesmas frases de palavras usadas e velhas como os molambos de panos que os vestia (p.63).

 Estranhava os seus pés descalços, e as suas calças rotas mostrando pedaços de um negro forte das pernas compridas e secas como caniços… Sempre aquela mesma roupa remendada em algumas partes e verdadeiros fiapos mostrando buracos em outros lugares (p.64).

–  Rotina. Revista O Cruzeiro, 1950.

Aspectos temáticos – Preparação de uma mulher para sair com seu marido.  Marido bom, nada lhe falta, nem beijos. Ela se sente má. Por que tão infeliz? Quantas mulheres queriam aquilo: sua vida. “Fácil, enterrada no luxo e tantas horas livres.” Ele nunca saberia de sua tristeza, de sua inadequação. Jamais ele compreenderia isto, ela pensa, enquanto apenas ajeitava a gravata do marido.

  Jamais teria queixas dela. Jamais pensaria que ela tinha olhos tristes, e boca silenciosa demais, para sua juventude. Sim, jamais ele compreenderia isto, percebeu olhando naquele momento, tão longe dele (p.72).

Assim estragada e incompreendida de se parecer apenas restando em felicidade através de seu segredo, guardado por vaidade e orgulho, de que valia viver, mentir-se em aparências, sempre? Cuidadosa como era sabia que jamais ele descobriria seu mistério, sua inadequação e quedaria sempre ignorado dela e da revolução que enchia suas idéias alimentando aqueles grandes desejos, perigosos desejos de ser livre descalça, sobre campos descampados a colher flores sob o sol ou sob a chuva (p.71).

– Indecisão. Revista Carioca, em 1950.

Aspectos temáticos – De repente, uma manhã de alegria. De repente, uma grande alegria! E seus planos de vida, de toda uma vida? Roberto a espera na praia. Ele deterá seus planos? A mãe a chama para o café. Ela descobre a alegria da mãe, por não ter escolhido a solidão como meta para a felicidade. É o que ela lhe diz ali, naquele instante mesmo. A dúvida. Roberto? E seus planos? Seus planos tão configurados para uma vida inteira? Fará como a mãe, como sua avó? Sua mãe e sua avó tinham razão? Os pensamentos eliminados.

Precisava decidir-se. Roberto ou sua solidão de sempre, de agora. Se não fosse medo dos anos vindouros, poderia quase afirmar que ia ser feliz., muito feliz com Roberto. Ele era bom, alegre, e tratavaa com uma ternura jovem, como se lidasse com uma criança a quem se diz tudo sobre as coisas. Regina se sentia bem, aprendendo em cada instante uma coisa nova. E aquela dependência que surgia, aquela entrega de problemas e aquele descuido, podendo viver encostada, confiando, sem cansar-se, era bom, era novo para ela (p.55).

Muitos outros contos desta obra ora citada estão também a exigir estudos e indagações. Assim como muitos, muitos outros, guardados em páginas fechadas. Assim está a bela e por vezes enigmática obra de Elvira Foeppel. Há que abrir suas páginas, folha a folha, linha a linha. Há que resgatá-la. Como dever de salvar beleza!

Margarida Fahel

Em 25 de setembro de 2021.

Observação – As reflexões sobre Elvira Foeppel se fizeram em dois momentos seguidos: Raquel Rocha, com aspectos biográficos e Margarida Fahel, observando aspectos literários, a partir dos contos selecionados.

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DISCURSO DO HERÓI DE PALMARES- Cyro de Mattos

Ao receber a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara de Vereadores de Salvador, em sessão solene, online, às 20 horas, no dia 3 de novembro de 2020.

Boa noite a todos.

           Ilustre jurista, vereador e confrade Edvaldo Brito.

Primeiro quero agradecer esse momento a Deus, depois à  minha esposa Mariza, que tem sido minha base durante 52 anos de casados, aos meus três filhos André Luís, Josefina e Adriano, que tanto me  motivam para que eu seja um cidadão digno, e aos meus seis netos, Rafael, Pedro Henrique, Gabriel, Luís Fernando, Marizinha e Murilo, que me dão alegria e certeza de que quando eu estiver em outra dimensão continuarei ainda aqui, neste velho mundo, em cada um deles.

Faço um agradecimento especial ao professor emérito e jurista consagrado, vereador Edvaldo Brito, o autor do projeto para que esta Casa me concedesse a distinção. Muito me honra ter sido colega daquele estudante pobre na turma de 62 da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Aquele rapaz de corpo comprido, que foi o orador da turma. Esse homem de cor, cidadão digno, um símbolo vitorioso da negritude na Bahia e no Brasil. Essa criatura rara, de cultura adquirida com esforço nos livros, brilho de sua inteligência, crença na força dos antepassados, e que se sabe herdeiro da fraternidade e compromissado com a verdade, portador do axé, que, como se diz no candomblé, é “a luz do dia”. É por sua iniciativa generosa que estou aqui sendo homenageado, apesar de surpreso até agora ao receber essa láurea, e comovido.

Certa vez minha tetravó materna contou à minha trisavó que contou à minha bisavó que contou à minha avó que uma gente que vivia nas suas aldeias foi retirada da África como bicho, pior do que bicho, para a escravidão no Brasil Colonial.  Filho foi retirado da mãe, marido da mulher, irmão do irmão, acorrentados foram trazidos com os rostos tristes, até que se viram jogados para o embarque como um fardo deplorável no porão fétido do navio negreiro.  Longe, tão longe, foi ficando atrás na savana a lágrima de Deus.  No rumo desconhecido, seguia aquela gente na carga desgraçada, feita com vozes sofridas na cena lastimada. Uma pobre gente solitária vagando pela imensidão das ondas salgadas. Viajava marcada sem perdão, o corpo amassado, a fome e a sede nas horas de aflição, menos para o traficante branco, que conduzia o navio por entre as águas de cobiça e perversidade.

No poema “Navio Negreiro”, de meu livro Poemas de Terreiro e Orixás, dou minha versão dessa sinistra embarcação com sua carga sofrida numa rota dos infernos.  Eis o poema:

Navio Negreiro

não adiantava

gemer

não adiantava

mugir

não adiantava

 viver

muito melhor

morrer

funda a ferida

amargo o ferrão

ardido o sal

aguda a solidão

negro negro negro

o mugido anuncia

a sede e a fome

 de boi em agonia

todo esse mar

é a desgraça

não branca

que até hoje

das entranhas

rola nas ondas

o seu mal-estar

o despejo na praia

diz de um tesouro

alimentado do pai

alimentado da mãe

do filho e do irmão

como ofensas no amor

do suor fabricado

para a saborosa canção

do constante senhor

 Na rota da desgraça foi submetida essa gente ao trabalho servil do Brasil colonial. Alguns negros inconformados fugiam da senzala em busca da liberdade na mata fechada. Não conseguiam reter o suor e a amargura que derramavam todos os dias para irrigar o canavial do senhor de engenho.  A fome do Brasil açucareiro era insaciável, nunca se satisfazia com o trabalho de graça dado pelo braço escravo. O feitor com os cachorros logo ia atrás do negro fujão, que terminava castigado com a sua afronta no pelourinho. Treze, trinta, cinquenta chibatadas. Muitos não suportavam o castigo, morriam esfacelados.  Tristes, os outros olhavam, não podiam fazer nada. Calados, lambiam o vento, que soprava no peito a sina feita de atrocidades, assim guardadas como ruínas dos dias nos gemidos mudos.

Quem de novo fugisse e fosse apanhado, o remédio agora era cortar um pé, para que o exemplo fosse melhor disseminado.  Minha avó contava que em outros casos de insubmissão a língua era cortada daquele negro falador, inflamando os outros para fazer a revolta. Contou mais que minha tetravó tinha o seio farto, foi lambido, bebido como gostosura o seu leite puro para o anjinho do senhor não sucumbir.  Senhores bigodudos, sisudos doutores provaram do leite morno e doce, saindo ilesos das sombras da morte.  A paga daquele ofício era na roupa lavada, engomada, no fogão aceso e abanado, no asseio de inúmeros cômodos, no carrego de feixes de cana, em tudo que tinha o gosto amargo para que a vida continuasse no seu ritmo invariável de dor e solidão.

O mel da cabaça da negrinha era para servir a seu dono, que deixava o fel nas entranhas. Matava a sede do que batia os dentes, montava nela com todas as forças que pudesse reunir e perfurava, sem remorso, umas carnes tenras. Arrancava os tampos com sua flor guardada entre as pernas, olhe lá, não tens que gritar, é pra ficar abafada nos lamentos, entorpecida pelo som e a fúria dos meus punhos, o querer é só meu, ninguém se atreva a interromper.  Passava o inverno, passava o verão, o tempo e as dores essa gente desgraçada ia moendo, remoendo. Como devia ser, os céus ordenavam. As horas se resumiam na fome e na sede de animal em passividade e agonia. O final todos sabiam, uma coisa, que teve a vida toda em luto perpétuo, era enterrada na cova rasa, mais nada.

E dizer que o Brasil foi carregado nos ombros dessa gente vítima de mazelas, violência e injustiça. De toda sorte de vilanias, preconceitos, desigualdades. Essa gente da qual também procedo, que deu o suor de sol a sol ao jugo do senhor branco e de volta recebeu a canga. O Brasil tem uma dívida com o negro que é impagável. Esquecido dessa dívida, ainda se vê hoje, em pleno século vinte e um, atos pusilânimes que alimentam a mancha que envergonha, essa chaga que subtrai e faz da vida um horror com fendas acumuladas de aversão, feridas que não curam.

Ontem na televisão, diante do rosto da humanidade pasma, a notícia veio com a cena do negro que teve a vida esmagada pelo policial branco.  Tiros foram desfechados nas costas de outro, que, indefeso, tentou fugir da perseguição como fúria canina. É comum a rejeição ao negro, considerado ao longo dos séculos como um ser inferior, de gradações baixas, daí não ser nada de mais ser visto até hoje no semblante inocente dele o ladrão ou o assassino.

Diante de tantas atitudes para alimentar o império do mal, destruir o espírito universal do bem, mais que nunca é preciso resistir, denunciar, lutar para desfazer a mentira e ao invés disso gritar a todos pulmões que a liberdade é o valor maior, a igualdade não é privilégio de ninguém, Deus fez todos nós com a mesma alma, o amor é o sentimento mais forte.

Devo lembrar que o Quilombo dos Palmares era formado por três aldeias. Aí por volta de 1640 viveram cerca de dez mil quilombolas. Eram fortes e contentes, plantavam de tudo e não se serviam da terra como fonte única de riqueza, através do açúcar. Cada família em Palmares ocupava um lote de terra, o que tirava dela era para o seu sustento. Em 1670, já inúmeros povoados cobriam muitos quilômetros de terra na serra do Barriga, em Alagoas.  Palmares havia se transformado em um Estado, situado na borda do litoral do mundo canavieiro. Tornava-se por isso mesmo em grave ameaça ao império do açúcar, com seu sistema fixo calcado no braço escravo, em benefício exclusivo do senhor de engenho.

         Tinha uma população de trinta mil almas quando sob o comando de Zumbi sucumbiu às investidas de Domingos Jorge Velho, chefe de um exército armado de canhões, constituído de nove mil homens. Sucessor do trono de Ganga Zumba, Zumbi mostrara ser um guerreiro implacável antes mesmo de ser derrotado por Domingos Jorge Velho. Há quem diga que ele se pareceu aos heróis de guerra Aníbal, Alexandre, Ciro e Napoleão. Diferente deles porque não combateu para conquistar territórios e glórias, mas para fazer de Palmares uma flecha a ser atirada para o coração da liberdade.

Muitos historiadores esconderam dos compêndios oficiais a grandeza do caráter de Zumbi dos Palmares, mas a verdade prevaleceu. Ele se tornou um verdadeiro herói do Brasil, símbolo da resistência negra perante o ferro do colono usurpador. De maneira que a essa altura só me resta dizer nesse momento de especial reconhecimento o quanto me dignifica receber da Câmara de Vereadores de Salvador, a mais antiga do Brasil, uma honraria com o nome desse herói negro. E assim terminar minha fala com um poema inspirado nessa figura, que por sua coragem e amor à liberdade, lealdade ao seu povo, tornou-se um marco elevado da tão esperada abolição.

Zumbi

Falo Zumbi,

digo Palmares,

ritmo da liberdade.

Falo Zumbi,

digo Palmares,

batuque da igualdade.

Falo Zumbi,

digo Palmares,

manual da fraternidade.

Falo Zumbi,

digo Palmares

sem o açúcar insaciável.

Falo Zumbi,

digo Palmares,

gente em grito indignada.

Falo Zumbi,

digo Palmares,

no abismo a África salta.

Luzes da Manhã,

força do amor

pelo chão e nos ares.

Espero que minha voz como um grão nos ventos da resistência venha se juntar ao movimento que vem lutando nos anos pela sanidade da razão, expandindo-se para a valorização e conscientização do universo do negro.

A todos, o meu muito obrigado por esse momento gratificante em minha jornada de vida.

DISCURSO DO HERÓI DE PALMARES- Cyro de Mattos Read More »