CHUVA DE JANEIRO – Cyro de Mattos
Depois que o marido faleceu perdeu o interesse pela vida. Vivera com ele trinta anos de casada e soubera que o calor do corpo aquece o amor. Quando se é idosa, a experiência de vida diz que esse calor do corpo some, ainda mais quando o seu homem já não está mais ao seu lado para consumar o ato mais prazeroso da vida.
Os dois filhos estavam casados, viviam no exterior. Ela morava em um apartamento de quarto e sala. Passava com a aposentadoria de professora estadual. Todos os dias seguia para a pensão onde fazia a refeição do almoço. Sentava em uma mesa reservada para ela no canto da sala. Lá viu pela primeira vez o homem de cabelos brancos que olhava para ela. Tinha um brilho diferente nos olhos. O olhar dele se repetiu nos outros dias, deixando-a sem jeito. Ficou assustada quando ele se levantou de sua mesa e pediu permissão para fazer-lhe companhia durante a refeição.
Disse que era um viúvo aposentado, fora funcionário do Banco do Brasil. Um dia convidou-a para passear no parque. A princípio relutou, mas diante da insistência dele outras vezes, resolveu aceitar o convite. Conversaram sobre a vida, seus momentos entre o alegre e o triste, foram se tornando íntimos. Num ponto concordaram, viver sozinho, sem ter ninguém como companhia, era ruim. Deram uma volta no jardim, sentaram no banco embaixo da árvore frondosa. Jogaram migalhas para os pombos e para os peixes na lagoa.
Na tarde fresca, um vento morno passava no rosto dela em finura de lenço e leveza de carícia. Um casal de namorados, em cada beijo que sorvia nas bocas ávidas, revelava que a vida era boa e bela, assim no calor que se estendia por toda a extensão da pele só podia ser dado valor a ela. Ele fez questão de levá-la até o prédio onde ficava o apartamento dela. Na entrada do pequeno edifício olharam-se em silêncio antes de cada um querer dizer algo ao outro, que eles mesmos já sabiam o que era e que pulsava como uma chama que lampeja dentro. Talvez um convite para conhecer o apartamento de perto por ele. Convite dessa natureza seria impossível, embora houvesse no rosto de cada um deles o olhar cintilante de brilho.
Ele disse:
– Muito obrigado.
Ela disse:
– Obrigada digo eu.
Despediram-se com leve aperto de mão.
Era janeiro e ainda não havia caído a chuva de verão.
Daquela vez quando terminaram de fazer o passeio pelo parque, ele a convidou para conhecer o apartamento dele. Era também um quarto e sala. Ela perguntou quem fazia a arrumação e o asseio. Respondeu que havia contratado uma faxineira. Vinha duas vezes na semana fazer a faxina. Notou que certas coisas não estavam no lugar devido. Fez a arrumação com esmero. Limpou a poeira na mesa e nas duas cadeiras. Deu brilho em alguns objetos domésticos. Um pouco cansada foi tomar um banho no chuveiro de água quente. Vestiu o roupão que pertenceu a ex-mulher dele.
Ela sorriu quando ouviu o convite para ir se deitar com ele.
Então vieram os primeiros beijos. O ato para que alcançasse o auge exigia concentração e esforço. E aconteceu o máximo quando o prazer de ambos ao mesmo tempo precipitou a vertigem. Souberam que ainda restavam um pouco neles daquilo que motiva a vida. Era preciso de agora em diante aproveitar bem antes que não restasse mais nada. Foram alguns anos de convívio harmonioso, decorrente da união sem atrito entre o espírito e o corpo, que acordava rejuvenescido, embora no estado de fuga repentina em cada vez que o ato se consumava dentro algo precioso ia ficando longe nos seus contornos definidos.
Quando ocorreu aquela primeira vez em que dormiram juntos, ela lembrava agora, acordou no final da tarde. Movimentou-se no quarto com cuidado, não queria interromper o sono tranquilo dele. Foi até a janela.
E, cheia de vida, ficou olhando cair pelo vidro a chuva de verão.
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