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JOÃO CARLOS TEIXEIRA GOMES E SUA FESTA DO SONETO-Cyro de Mattos

 

Segundo uma tendência que existe na filosofia, o homem é o pensar e o dizer. Habita sobre a terra e nas paragens do céu, entre os divinos, os mensageiros celestes com suas legiões que formam a potência sagrada de Deus.  Habitante se faz na comunidade entre os mortais, que não se desligam do inexorável do viver e do morrer.

Pensar é determinado pelo dizer. E este dizer é tradução das coisas. Permite ao homem realizar-se como um ser poético, mágico que retira a cegueira da matéria, dá-lhe fundamento, inaugurando novos sentidos do mundo. Revela-se com a medida de sua habitação na linguagem. Dizer poético é habitação, construir, fazer surgir, erguer, formar-se na referência humana com os seres e as coisas. Traço fundamental de ser entre céu e terra, divinos e mortais. O poeta conduz este ser como é entre os opostos, vida e morte, sim e não, ser e não ser. Pelos ventos contrários, caminha no mundo e estabelece a dialética da passagem.  Fernando Pessoa anota que não tinha ambições nem desejos, ser poeta era a sua maneira de estar sozinho.

A poesia está em tudo. Só o poeta a ergue no poema como testemunho de sua experiência no existir. Exibe a sua capacidade de fazer emergir, revelar, transcender. Há poesia nos seres e coisas, o poema é a verbalização de uma experiência de vida. O conduto  procedente de meios em que combina elementos formais e sentidos. Ritmo, sons, cores. Signos, metáfora, ideia.

Há poema sem poesia, apenas o artefato ditado por regras, o discurso sem o necessário conteúdo de sentimento de mundo, que só o legítimo poeta consegue lograr do que pretende dizer, ao dar nova significação ao mundo. Sem razão lógica e razão mágica, aquilo que é próprio do homem, emana do poema tão somente o arcabouço de regras. O poema não é erguido, permanece no vago. Na corrente da natureza flagra-se a poesia sem o poema. Poesia e poema, quando se encontram, movimentam o dizer com unidades rítmicas para culminar na ideia, feixe de sentimentos rebeldes às definições.  A poesia é inexplicável. O poeta Carlos Drummond de Andrade ressalta que procurando bem você encontra, não a razão (inexplicável) da vida, mas a poesia (inexplicável), que está no mundo.

Nessa corrente energética que emana da natureza, a poesia acontece sem o poema. Este é constitutivo no jogo em que entra a razão e a emoção, fundamenta-se na linguagem, que é a morada do Ser, a poesia mora na asa. Emana na ação de fazer com as palavras com vistas à criação do mundo vertido de sonho. O poeta escuta e canta, opera a união do que é visto, imaginado, e aparece no ser revelador, mensageiro do Ser.

 A poesia na expressão do poema é conhecimento e enigma, cultivo e produção  dessa  parte noturna do que somos. Se tudo for engano, sonhar é sabê-lo, diz-nos Fernando Pessoa, nos rumores e clamores do mundo, vincado no instante mágico de libertação do ser riscado no eterno. Com o poema erguido, o homem pretende tornar-se perdurável como ser imerso na temporalidade do que permanece e se desfaz.

Para Octavio Paz, a poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo, cria outro. Pão dos eleitos, alimento maldito. Isola, une. Convite à viagem, regresso à terra natal. Símbolo do desespero. Solidão em família. Signos e fome de situações patéticas. Dores do mundo.

Com o notável ensaísta mexicano, que trouxe relevante conhecimento sobre a compreensão da poesia, com o seu clássico O arco e a lira (2012), o poema é respiração, exercício espiritual,

Ali, em pleno salto, o homem, suspenso no abismo, entre o isto e o aquilo, por um instante fulgurante é isto e aquilo, o que foi e o que será, vida e morte, num ser-se que é um pleno ser, uma plenitude presente. O homem já é tudo o que queria ser: rocha, mulher, ave, os outros homens e os outros seres. É imagem, casamento dos opostos, poema dizendo-se a si mesmo. É, enfim, a imagem do homem encarnado no homem. (p. 187)

Da leitura de O labirinto de Orfeu (2014), não se fica imune à magia interligada na inventiva febril do poeta João Carlos Teixeira Gomes, sonetista dos melhores na tradição da literatura ocidental.  Seu livro é uma reunião de 145 sonetos, que se distribuem em três divisões: Canteiro da Tradição, Quatro Sonetos Diante do Corcovado e A Permanência da Forma. Traz como prefácio o longo ensaio Teoria e Prática do Soneto. Da fatura desses sonetos esplêndidos, vê-se à vontade engenho e arte, razão e emoção  nas construções que a musa possibilita, a pescadora de agonias, poderosa mulher que inspira os céus, dos quais  brotam versos com fulgores de amante em que tudo se concilia e entra em compasso.  Há uma milagrosa combinação de acentos de natureza diversa, vozes íntimas e estranhas, consoantes e vogais que convertem a frase como canto e música, tornando o poeta no fado irredimível o duplo de Orfeu.

O soneto é uma forma fixa de poema com quatorze versos, dispostos em dois quartetos e dois tercetos. O último verso é tido como “chave de ouro”, devendo surpreender e encantar com a sua revelação no desfecho. Nessa propriedade  de fechar o soneto com chave de ouro,  o último verso  sustenta a  ideia conduzida nos anteriores.

A paternidade de sua criação é atribuída a Pier  della  Vigna (1197-1249), poeta siciliano,  embora a  primazia da invenção  seja atribuída a outros nomes, segundo os estudiosos. O soneto foi introduzido em Portugal pelo poeta Sá de Miranda, no século XVI. Atravessou anos na península ibérica com a sua magia e capacidade de surpreender e fechar com louvor o último verso.

 O primeiro grande poeta a cultivar o soneto foi Dante, mas coube a Petrarca dar-lhe forma e conteúdo, imprimindo-lhe uma fisionomia própria, autônoma na estrutura modelar.  Combatido pelos vanguardistas, os protagonistas da Semana da Arte Moderna de 22 não lhe pouparam depreciações, alardeando-se a indignação de “fora a gaiola”, além de    outras referências nada agradáveis. Sua febre imperceptível fez com que atravessasse séculos, permanecesse até hoje reverenciado com fidelidade por poetas modernos, com vistas a atingir o nível superior da alma, como resultado do micro que logra o máximo na criação expressiva do poema. Em breve espaço operacional da criatividade, sustenta o ser em estado súbito da comoção. Essa cristalização de ideias em tão estreito formato de dizer poético manifesta-se no sonetista baiano João Carlos Teixeira Gomes como um exemplo positivo de criatividade poética, além de si e dos limites.

Essa forma de construção poética breve possui duas linhagens: a de Petrarca, composta de estrofes com dois quartetos e dois tercetos, e a inglesa, com três quartetos e um dístico.  A língua portuguesa ganhou em beleza e modulações rítmicas, através do verso decassílabo usado no soneto, considerado como o mais melodioso e harmonioso. Mas não se pode esquecer que há uma variação silábica na confecção dessa criatura minúscula, chegando ao ponto de ser encontrada até mesmo com um só verso na poesia modernista de Cassiano Ricardo, que alia virtuosismo experimental à beleza.

Nascem poetas que se tornam famosos com suas motivações expressas em poemas de fôlego, de verso extenso, mas que nem por isso deixam de cultivar o soneto. Lembremos de Dante, Gôngora, Quevedo, Garcilaso, Camões, ontem, Ronsard e Mallarmé depois, Pablo Neruda mais recente.  Na tessitura do poema, com vistas a um legado de dimensão necessária, ocorrem poetas que duram pouco tempo no mundo da poesia, saindo de cena cedo com o timbre peculiar de seu discurso, mas levando com ele como pontuação de sua obra os sonetos.

Na língua portuguesa, o soneto tem sido cultivado por poetas que se tornaram referência obrigatória na arte difícil e delicada de armar a boa poesia, para celebrar a vida e a morte. Em Portugal são exemplos:  Camões, Bocage, Antero de Quental, Fernando Pessoa e Florbela Espanca. No Brasil: Gregório de Matos, Cláudio Manoel da Costa, Bilac, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos, Jorge de Lima, Sosígenes Costa, Carlos Pena Filho e Vinicius de Moraes. Entre nós baianos ressalvem Ruy Espinheira Filho, Afonso Manta e  oão Carlos Teixeira Gomes, entre outros.

Em ensaio percuciente, que antecede aos não menos excelentes sonetos do livro O labirinto de Orfeu (2014), o ensaísta e poeta João Carlos Teixeira Gomes refere-se aos dois epítetos “sonetoso” e “sonetífero” criados como galhofa contra os autores de soneto.   Registra uma série de expressões em desfavor das andanças do rejeitado poema de quatorze versos: “refúgio da decadência”, “gaiola da inspiração”, “bestialógico acadêmico”, “muleta da má poesia”, “cabresto da criatividade”, “onanismo poético”, “barbitúrico para insônia”, “sucedâneo de palavras cruzadas”, “museu do bolor formalista”, “chavão de segunda ordem”,  “formalismo oco e vazio”, “museu de velharias passadistas” .

Não obstante o comportamento contundente dos que desfazem dessa imbatível criatura nanica, sua garra permite que continue de pé, ínfimo caminhante do sol e da chuva   nos seus modestos passos de quatorze versos, buscando em sua peripécia métrica e feitiço do imaginário atingir o ponto máximo do prazer na alma. Segue indiferente às acusações e atropelos da legião de fanáticos, que não o aceitam, sob qualquer hipótese. Teima em habitar com seus lampejos líricos a floresta dos poemas maiores, de poetas célebres com suas criações em versos longos, eloquente quantidade de estrofes.

É dado a formar uma sequência quando vários poemas são ligados entre si por uma concepção e execução magistrais do tema, como se deu com os cento e cinquenta e quatro sonetos de Shakespeare.  Outra de suas proezas quando escrito em sequência é formar a coroa de sonetos, uma forma poética composta por 15 sonetos, que têm ligação entre si por um tema. Os primeiros e últimos versos são versos de um outro (décimo quinto) soneto, denominado soneto-base, ou soneto-síntese.

Em labirinto de Orfeu, João Carlos Teixeira Gomes reafirma as qualidades de poeta expressivo, com maiúscula, que sabe a proeza da inspiração como manifestação da ‘outridade’ do homem. O soneto em suas mãos, até certo ponto divinas, é instrumento legítimo que se torna poema indelével de quem sabe arrebatar delírios, construir paixões, cultivar ilusões, carregar fardos, cair em desterros, colher perdas, erguer perjuros, elencar encantos, vestir-se nos vazios. De maneira impressionante, o soneto aqui abre-se à participação de um acontecimento festivo, raro, rico, exuberante. A recepção poética possibilita ao leitor a recriação do instante original. Transmuda-se o soneto em uma festa de imagens opulentas, uma comunhão do saber aliado à beleza para ser, espraiar na vida as zonas encantatórias do poder ser. É visível que o seu procedimento fulgurante faz pensar no homem como resultado de outro ser, pleno de brilho na dimensão forjada de transcendência com assento em apetites e desejos. Dotado dessa voz estranha, em cuja inspiração tira o homem de si mesmo para ser tudo o que é, percebemos que o desejo posto na festa lustrada com ritmos de versos esplêndidos é de um legítimo poeta recriador de arquétipos, modelos, mitos. De algo que se confunde com cada um de nós, sendo evocação, recriação de uma experiência que ressurge de uma senda que está dentro do lado noturno de nós mesmos.

Muitos desses sonetos de O labirinto de Orfeu são joias raras. Usado nos moldes clássicos do decassílabo, o soneto do excelente poeta baiano opera com os hábitos do delírio, sonho, cantares de uma lira sempre tocada com as notas de unidades rítmicas com vistas ao alcance da imagem, a qual lateja a sensação de que poetizar é criar com as palavras, fazer poema com significação, mesmo que essa imagem do mundo transmitida pelo poeta custe a ele a indiferença aos seus sonhos constrangidos, abafados no clamor de seus gemidos.

Sonoridade que serve como vínculo do verso para salientar a significação, unidade rítmica que sustenta a ideia fluindo na estrofe como música, ardência que soa na rima com vibrações da palavra tradutora de inventiva rumorosa, que emana com luzeiros e fulgores, procedidos como hábitos e atitudes do poeta eficaz. São algumas marcas recorrentes do discurso desse notável sonetista, que não se intimida em adjetivar a substância constitutiva do conteúdo em cada verso.  Na sua experiência de sonetista competente, tudo isso acontece como um fato natural, de facilidade constitutiva, caracteres que por serem hábitos antigos instaura uma técnica que não exerce funções de iludir com o efeito ao leitor desprevenido. Não é adorno nem arranjo. Trata-se de atitude essencial na maneira de expor os movimentos da estrofação, assentada na cadência das unidades rítmicas, que não se desenvolvem como artimanha, no pior sentido. O sonetista sabe converter o artefato em sedução de lances primorosos.  Nas artes de iludir com a lira,  o exímio domador de frase na estrofe de dez versos  toca a alma com ventos que se confundem com os seus próprios laços, recorrências constituídas de dons propícios.

Navegador de agudas águas, timoneiro nas ondas como sonho, a festa do soneto nesse poeta baiano não é fuga vulgar, maneirismo, pelo contrário, evento que se irradia festivo, como “incenso da vida, no real atormentada.” E porque faz de uns belíssimos momentos do sonhar a sua enxada, “à glória de colher está propenso quem mais souber lavrar a terra alada.” Penitente que se impõe ao sacrifício, nesta saga doida e perdida, o poeta encarna-se nas batalhas do amor, submete-se aos tormentos do mistério. Como escravo da fiandeira do caos tem o peito levado aos desaprumos. Com a amada impune, tem a consciência de que essa astuta tecelã das doces malhas “vem da força do amor que prende e une”, do feitiço que espalha.

Prisioneiro de ânsias rumorosas, servo dessa mulher com finos dedos na tessitura de suas malhas, qual musa floral da rosa apetecida, o poeta, guardador de segredos que seduzem, sabe a beleza que ergue da vida o autêntico poema, com o instante luminoso riscado no eterno. Consegue grandes feitos com versos que são puras fantasias, falam da emoção no tempo que se repete, nunca para, nunca cansa, enche os silêncios reconhecidos no enigma, no obscurecimento do mundo. O sonetista modelar tem a dignidade de cantar e pensar com a ideia, pois está convencido de que a razão e a emoção são como os troncos vizinhos do poetar.

Inspiração e transpiração na dor presenteiam ao sonetista o seu vigor, plasmam com sabedoria o labirinto que esse Orfeu baiano caminha por entre tormentosa lida, sabedor que é como poucos do viver que está no logro da paixão, nesse amor que foi o sonho compartido pelo qual se tornou o duplo do amado por Eurídice.

Por castigo do fado que o faz cantor prisioneiro, o sonetista surpreendente em rimas e imagens comove o coração de quem o recita. Os seus cantos mais que perfeitos, que espantam com as tragédias, dramas e comédias, são como as chamas da paixão que o sujeitam, funcionam como frutos amadurecidos nas estações da vida e morte, de tudo que sobreleva à flama do viver que não perdura.

Há nesse labirinto de Orfeu, que João Carlos Teixeira Gomes ergue com mãos de mestre, o reconhecimento de que o soneto não é uma camisa de força, mas harmonia plena que a beleza atinge com uma rica combinação de signos, símbolos, mitos, arquétipos, unidades rítmicas, rimas, sentidos, um milagre do poema que é erguido com arte, engenho, alma e vigor perante a existência. Talento que se apresenta com uma eficiência espantosa. No resultado final da imagem presta-se ao fogo do amor, que cresce como luz na treva.

Referência

GOMES, João Carlos Teixeira. O Labirinto de Orfeu, Topbooks Editora, Rio de Janeiro, 2014.

 

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ALITANO- Wilson Caitano

Ser alitano
É ver além das palavras
Que dão vida à poesia
É perceber o quanto
É significativo e belo
Vibrar nas noites de autógrafos

Ser alitano
É honrar os versos
Que compõem seu hino
E se emocionar
com a sua melodia

Ser alitano
É compartilhar sentimentos
E perceber que todos
confraternizam com
os mesmos ideais de amor à literatura.

É ser consciente que a função da literatura
É mais que emocionar e divertir
Ela tem seu valor social de transmitir a cultura de seu povo.

Wilson Caitano
21/10/2023

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Homologação da Chapa Abraço das Letras- Diretoria 2024/2026

ELEIÇÃO DA DIRETORIA DA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA (ALITA)

BIÊNIO 2024-2026

 

FICHA DE INSCRIÇÃO DA CHAPA

NOME DA CHAPA: Abraço das Letras
PRESIDENTE: Raquel Rocha
VICE-PRESIDENTE: Lurdes Bertol Rocha
1º SECRETÁRIO: Eliabe Izabel Moraes
2º SECRETÁRIO: Maria Luiza Nora
1º TESOUREIRO: Gustavo Veloso
2º TESOUREIRO: Marcos Bandeira
DIRETOR DA REVISTA: Margarida Cordeiro Fahel
DIRETOR DE AÇÕES CULTURAIS: Sergio Sepúlveda
DIRETOR DA BIBLIOTECA: Clovis Junior
DIRETOR DO ARQUIVO: Heloisa Prazeres
DIRETOR DE COM. SOCIAL/MARKETING: Rafael Gama
DIRETOR DE PROJETOS E PESQUISAS: Gustavo Cunha Carvalho

 

 

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O AMIGO JORGE AMADO- Cyro de Mattos

Enviei o primeiro livro que escrevi para Jorge Amado, seguindo conselho do amigo João Ubaldo Ribeiro, companheiro de geração. Não esperava que viesse alguma opinião dele sobre o meu pequeno volume de contos, riscado anos depois de minha bibliografia por ter sido escrito por autor imaturo. O texto envelheceu cedo. Fiquei surpreso por ver um livro de autor desconhecido ser apresentado à Academia Brasileira de Letras com palavras favoráveis do consagrado romancista Jorge Amado.

Outros livros meus foram merecedores de artigos com elogio por parte de Jorge Amado. Eram opiniões impressionistas, mas abonadas com a sensibilidade de quem mais conhece os caminhos do fazer literário na recriação da vida. E mais: ele publicava os artigos que escrevia sobre meus livros em jornais importantes como A Tarde, Jornal de Letras (Rio), Suplemento do Jornal do Brasil, Jornal do Comércio (Rio) e Suplemento Literário de Minas Gerais.

Esses gestos do criador de Tocaia Grande (Record,1984) aconteceram com outros escritores, emergentes, com obra em andamento, consagrados, baianos ou não. Ele sempre enriquecia o companheiro de letras com suas opiniões, sem esperar nada em troca. Prefácios, orelhas, artigos, depoimentos, apresentações à Academia Brasileira de Letras, um legado literário da melhor qualidade está aí espalhado com o abono do escritor tão lido e traduzido em língua portuguesa sobre livros de nossos escritores. Textos que formam um valioso legado, se coligidos, servindo como importante contribuição à nossa literatura.

Com João Ubaldo Ribeiro era diferente. Certa vez, o autor maiúsculo do romance Viva o povo brasileiro (Nova Fronteira, 1984), disse-me que não escrevia prefácio ou artigo para quem recorresse aos seus préstimos porque podia não gostar do livro e aí o suplicante, que certamente queria receber elogio, poderia com a sua sinceridade se tornar um inimigo dele. Além disso, não queria se desconcentrar de seu ofício, sempre estava escrevendo um livro ou texto, não ia deixar de lado o que estava escrevendo e centrar-se sobre quem devia abrir seus próprios caminhos com suas ferramentas e crenças, sem se apegar na muleta alheia, mas acreditando nas suas qualidades.

Neste sentido, sempre concordei e respeitei as atitudes de João Ubaldo. Ele se tornou um dos meus amigos prediletos, criatura do bem, espírito alegre, colega inesquecível da turma de 1962, na Faculdade de Direito da UFBA. Nunca quis me aproveitar de meu bom relacionamento com o consagrado ficcionista e receber dele a opinião favorável de meus escritos. Fiz minha carreira literária com os meus textos publicados em livros, meus prêmios relevantes, que tornaram minha obra com mais visibilidade. Enviei em vários casos os originais de meus livros para as editoras, sem temer que fossem aprovados ou não para publicação, depois da leitura crítica do conselho editorial.

Ao escrever sobre Palhaço Bom de Briga (L&PM Editores, 1993), um dos meus livros para as crianças, em artigo publicado em forma de missiva, dirigida ao romancista Josué Montelo, então presidente da Academia Brasileira de Letras, Jorge Amado chegou ao ponto de lembrar meu nome para fazer parte daquela importante instituição das letras brasileiras. Houve exagero. Só mesmo Jorge, com o seu coração doce como mel de cacau, podia distinguir assim meu nome, em gesto que comovia, servia como incentivo para que eu nunca desistisse em minha jornada literária. Embora eu já fosse autor nessa época de mais de vinte livros, entre volumes de contos, poesia e literatura infantojuvenil. Havia conquistado alguns prêmios literários importantes e, entre eles, o Prêmio Nacional Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, por unanimidade, para o meu livro Os Brabos (Civilização Brasileira, 1979), o da Associação Paulista dos Críticos de Artes para O Menino Camelô (Atual Editora, 1992, 12ª. Edição), Menção Honrosa do Jabuti para Os Recuados (Editora Tchê!1987) e várias vezes fui agraciado com o primeiro lugar nos certames promovidos pela União Brasileira de Escritores (RJ).

Jorge Amado exercia a amizade como uma coisa nata, tão dele. E me mostrava sempre que com as mãos nas mãos, o gesto desprovido de interesses pessoais, desligado da religião do egoísmo, tudo fica mais fácil. Com ele não entravam no exercício da vida a inveja e a intriga. Dava-me conta por isso que existia ainda o homem simples como o artista, embora fosse comum encontrar na vida o artista vaidoso e invejoso como o homem.

Dizia-se ateu, ele que era cristão porque fraterno, solidário, sincero, humaníssimo. Que coisa muito triste, a vida física de Jorge ter acabado. E tanta gente ruim existe neste mundo velho agindo sempre para fazer o mal porque habita nos lados escuros da vida. Gente com a alma venenosa, às vezes quando tem o poder da mídia nas mãos gosta de fazer o outro como seu refém por puro prazer ou para infundir medo ou para, excluindo as qualidades do ofendido, se afirmar com seus ressentimentos

Ainda bem que Jorge Amado deixou para milhares não o irracional como norma de comportamento, a perseguição canina das negações que infunde o medo, mas a esperança nas narrativas que mostram as verdades essenciais dos excluídos ligados à comédia da vida. Esse que nasceu numa pequena fazenda em Ferradas, bairro mãe de Itabuna, passou a infância e juventude em Ilhéus para ser um bem-amado cidadão do mundo com seus belos romances, em inacreditável peripécia porque assim devia ser.

Que privilégio ter sido amigo de Jorge Amado.

*Cyro de Mattos é autor de 66 livros, de diversos gêneros. Possui muitos prêmios relevantes. Conquistou o Prêmio Literário Casa das Américas 2023 com o livro Infância com Bicho e Pesadelo e Outras Histórias. Editado e publicado em Portugal, França, Itália, Espanha, Alemanha, Cuba, Dinamarca, Estados Unidos e Rússia. Membro da Academia de Letras da Bahia. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia). Distinguido com a Comenda Dois de Julho da Assembleia Legislativa da Bahia.

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Palavras com Alma: Celebração da Posse dos novos membros da ALITA

Por Raquel Rocha
Na noite de 26 de outubro de 2023 aconteceu a solenidade de posse dos novos membros da Academia de Letras de Itabuna. Foi um evento verdadeiramente especial e inspirador.
Foram empossados: Eliabe Izabel de Moraes, Sérgio Sepúlveda, Gustavo Cunha Carvalho e Rafael Gama. A noite celebrou não apenas a realização individual de cada novo membro, mas também o compromisso coletivo com a preservação e promoção da língua e da cultura de toda região sul baiana.
Cada um dos empossados trouxe consigo um legado de realizações, uma paixão pela literatura e pela escrita. O evento foi aberto com os discursos do presidente Wilson Caitano e da alitana Raquel Rocha, apresentando os novos membros.  Os discursos dos empossados foram marcados por emoção, gratidão à família, por homenagens aos patronos e leituras de trechos de obras literárias. A solenidade foi uma celebração da história de vida de cada empossado, da riqueza da língua e da importância da literatura na nossa cultura e para compreensão do mundo.
Os acadêmicos da ALITA se uniram para aplaudir os novos membros, reconhecendo o seu mérito e os desafios que enfrentaram. Eventos como esse são tributos  à língua, à cultura e à literatura. Mais que isso: nos lembra da importância da palavra escrita e do poder das letras para nos conectar e nos inspirar.
Eliabe Izabel de Moraes- Cadeira 27- Patrono Fernando Sales
Sérgio Sepúlveda- Cadeira 10- Patrona Amélia Rodrigues
Gustavo Cunha- Cadeira 19- Patrono Aracyldo Marques
Rafael Gama- Cadeira 03- Patrono Nestor Passos
Data: 26 de outubro de 2023.
GALERIA DE FOTOS DA POSSE DOS NOVOS MEMBROS DA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA.

Fotos: Savio Lawinscky

COMENTÁRIOS DOS ACADEMICOS
Sejam muito bem-vindos os novos acadêmicos, Gustavo Cunha, Sérgio Sepúlveda, Eliane Moraes e Rafael Gama. Podem ter certeza que encontrão aqui um ambiente afável e harmonioso, ideal para a produção intelectual. A nossa academia tem essa vocação da eternidade pela qualificação dos seus membros e pela sua produção profícua e voltada para a sociedade. Infelizmente, em face de compromissos anteriormente assumidos, não pude comparecer ao evento, que foi coroado de brilhantismo!!! Saudações acadêmicas!
Marcos Bandeira
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Foi uma noite mágica. Parecia que de repente iríamos acordar. O discurso de Raquel, entrelaçando , no tempo, a biografia de cada um dos quatro novos alitanos, foi um lindo bordado, com acabamento primoroso. E os que assumiram sua nova condição trouxeram falas “do jeito de cada um”, e este estilo muito próprio tornou interessante e adequado o que foi dito.
O melhor de uma festa é o astral das pessoas que ali estão. E parecia uma festa de família. Cada um estava com vontade de estar ali, e se deu inteiramente.
Coquetel e música excelentes.
Parabéns à ALITA e aos que organizaram a festa.
Maria Luíza Nora de Andrade (Baisa)
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A festa foi literalmente gratificante, parabéns Raquel pela fala trazendo dados do passado de cada empossado que enriqueceram a apresentação dos novos membros , um abraço fraterno ao confrade Rui Póvoas que emite muita paz , um ótimo final de semana para todos .
Sione Porto
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Foi uma grande alegria e honra estar presente a festa de ontem. Mais um grande momento de engrandecimento para a ALITA.
Os discursos, tanto o de Raquel quanto os dos ingressantes, foram belos, recheados de humanidade, poesia e valorização dos sentimentos que fazem a vida mais bonita, mais digna e mais mais valorosa.
Parabéns ao nosso Presidente, sempre correto, distinto, e que nos saudou com um poema de sua autoria.
Enfim, uma noite de alegria e beleza.
Parabéns para todos nós, alitanos!
Margarida Fahel
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De uma coisa, ficamos certos: a força se mede pela qualidade daqueles que se juntam e não pela quantidade dos que se amontoam.
Nossa noite ficará incorporada ao cabedal das coisas bonitas que já fizemos.
E hoje, os novos e a nova já não são novos; são nossos e nossa.
Sejam bem-vindos e bem-vinda com a graça de Deus.
Ruy Póvoas
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Aos Novos Acadêmicos
Impossibilitado de comparecer por motivos pessoais a esse importante encontro em que é celebrada a chegada de novos membros às hostes da Academia de Letras de Itabuna, faço-me presente de espírito para conversar um pouco com vocês. Externar aos novos colegas meu desejo de uma convivência saudável em que despontem as afirmações do talento de cada um para a progressão literária e cultural da entidade. Lembro que o ser humano é uma unidade substancial de alma e corpo. Com o poeta Pessoa, digo que o homem sonha, Deus consente e a obra nasce. Assim nasceu a Academia de Letras de Itabuna, tomada emprestada ao sonho, com o enlace de Deus, na missão de fazer história, produzir o bem nas letras, ciências e cultura da nossa comunidade. Para não ser longo, finalizo lembrando ainda que o principal não é ter o poder que a entidade outorga, a glória vã, que ilude e engana, mas a honra de ser merecedor de estar em missão nobre, valorosa e ética. Boa sorte, sejam bem vindos, fiquem com Deus.
Cyro de Mattos
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Boa vindas ao novos acadêmicos, com e esperança de que a ALITA cada dia mais se firme e confirme com uma academia produtiva de bons guardiões, como devemos ser.
Um abraço afetuoso a cada um de vocês: Eliabe Moraes, Gustavo Cunha, Sérgio Sepúlveda e Rafael Gama.
Silmara Oliveira
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Aos novos acadêmicos Eliabe, Gustavo, Sérgio e Rafael! Sejam bem-vindos a ALITA!
“É junto dos bão que a gente fica mió.” Trem bom é boa companhia. Gente que agrega, que traz novidades.”  Guimarães Rosa
Prezados novos acadêmicos da Academia de Letras de Itabuna.
É com grande prazer e entusiasmo que dou as boas-vindas a cada um de vocês à renomada Academia de Letras de Itabuna. Neste momento, celebramos a chegada de novos talentos e mentes brilhantes, que irão enriquecer nossa instituição com suas contribuições literárias e culturais.
Nesta academia, somos um grupo dedicado à preservação da literatura e do patrimônio cultural da Bahia em especial do Sul da Bahia.
Ao ingressar nessa instituição, vocês se tornam parte de uma comunidade apaixonada pelas letras e pelos saberes literários.
Cada um de vocês traz consigo uma jornada única, experiências e perspectivas distintas. Suas vozes, ideias e trabalhos serão valorizados e respeitados neste espaço de troca intelectual.
Aproveitem ao máximo essa oportunidade de fazer parte de uma comunidade literária tão respeitada e admirada. Estejam abertos a novas conexões, amizades e aprendizados, com seus colegas acadêmicos.
Estou confiante de que as suas contribuições serão fundamentais para enriquecer o cenário acadêmico e literário não apenas no Sul da Bahia, mas na Bahia, como também em todo o país. Que a Academia de Letras de Itabuna seja um ambiente propício para o florescimento das suas paixões e talentos literários, e que juntos continuemos a preservar e divulgar a riqueza cultural da nossa amada terra grapiuna e baiana.
Mais uma vez, recebam as nossas calorosas boas-vindas. Que esta seja uma jornada gratificante, enriquecedora e repleta de realizações.
Forte e fraterno abraço em todos.
Silvio Porto de Oliveira.

 

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A POESIA EXISTENCIALISTA DE WALKER LUNA- Cyro de Mattos

                    Nascido em Itabuna, no dia 6 de agosto de 1925, o poeta Walker Luna publicou os seguintes livros de poesia:  Estes Seres de Mim (1969), Companheiro (1979), Estações dos Pés (1983) e Na Condição do Existir (1999). Deixou inédito   Onde Os Fogos Se Cruzam. Inseri esse poeta em minha antologia Itabuna, Chão de Minhas Raízes (1966) e o indiquei para a de Assis Brasil, A poesia baiana no século XX (1999), como havia feito com Valdelice Soares Pinheiro, Firmino Rocha e Carlos Roberto Santos Araújo. No meu livro Prosa e Poesia no Sul da Bahia (2020) dediquei o estudo “Ritmo Existencialista” sobre os impulsos da existência crítica desse poeta pouco estudado na Bahia. Poeta que fez do corpo a morada de sua solidão e que soube o quanto sua vida esteve em lugares e espaços com falares e gestos sofridos, reconhecendo que para entrar no interior dessa casa, percorrer os incômodos de seus cômodos, só existia uma porta, a da entrada.

          Dotado de uma linguagem fluente, Walker Luna move seu discurso num ritmo vertiginoso dentro dos limites do existir. Expõe essa paisagem estranha e solitária que comporta o ser humano na dor do viver. É poesia com qualidade vazada numa experiência humana vivida com intensidade, entre a amargura e a insônia, o sofrimento e a existência. É produzida em sua paisagem interior como um corajoso testemunho de resistência luminosa, acesa com as limitações físicas do autor, suportadas com dignidade e altivez. Mas seus versos, de plena lucidez nas estações que indiferentes trafegam, trazem acenos que nos descobrem no difícil gesto da existência com tons verdes, que são transformados em sumo vital, proliferam frutos.

         É sobre seu último livro, Na condição do existir (1999), publicado pela Secretaria da Cultura e Turismo, Selo As Letras da Bahia, em Salvador, que fiz algumas anotações de leitura. O seu discurso nesse livro é marcado novamente pelo enfoque de ressonâncias agudas na aventura precária comportada pelo ser humano ao assumir a vida. Na corrente do existir, o poeta estabelece o diálogo com o viver crítico do ser. Aqui, neste encontro de alma e soluço, realidade e sonho, sinto o pulsar de espantos e indignações como elementos essenciais de uma condição interior, mitificada por meio de imagens que ferem. Resvala por entre fendas, provoca dores, ressoa com o seu tom vertiginoso, suas angústias, que são as de todos nós, em todos os tempos. São momentos vertiginosos que não se escondem através dos rumores de nossos sentidos.

          O poeta sabe que, mesmo quando protesta na coerência falha dos mortais, /num aprendizado duro e sem termo/ na convergência de todo extravio, procede nas dobras do pensamento secreto e puro. E como lhe custa saber que na alquimia obscura da existência há o risco e o transe expondo situações perigosas, um ritmo secreto de contágio e fogo, uma canção onde as constantes influências dos clamores tocam-se nos extremos, faz e repete seu espanto feito de abismos.

         Emotivo sem ser lamurioso, porque consciente de que poesia é coisa séria, destituída de desabafos inconsequentes, imagens piegas, usa com engenho e arte o eu reflexivo, que não chega a ser conceitual no sentido estéril, hermético, fechado. Os versos de Walker Luna resultam de uma experiência humana de natureza crítica do homem solitário. Cercado de sombras, indagações, fugas, depressões, incertezas que queimam como fogo, sinalizam verdades na lucidez do sonho. Como na solidão passiva dos loucos descobrem-nos livres dos falsos ajustes/neste estágio maravilhoso/ entre a vida e a morte. Assim, o poeta inveja esta ausência total, desconhecimento da própria matéria,/ verdadeiros símbolos/ de pureza unânime.

       Em seu clima adensado de conflitos interiores permanentes, a poesia de Walker Luna está expressa nos limites do existir com a sua problemática subjetiva inserida na dor de viver, nesse estar do mundo das criaturas como cúmplices do sofrer ante o transitório e o inevitável. Vida é dor, disse o poeta Jorge de Lima, logo se vivemos, onde todos os fogos se cruzam, é porque sofremos. A dor de viver com toda a sua carga terrestre, as estações sempre em chamas, o ontem e o hoje como uma unidade que lateja nas cordas mais agudas da condição humana, essa é a matéria que nas visões oblíquas mantém propostas motivadas pelos golpes desferidos da vida e se transforma nos sinais poéticos da escrita operada com fluência para atingir aquelas zonas da ilusão, habitadas no sonho, que nos acompanha desde não sei quando e transmite verdades.

            Poesia de homogeneidade temática e formal, dá a impressão na sua fluência de um poema puxar o outro que se interliga pelo fio condutor do existir com dor. Na dicção crítica, um poema complementa o outro, uníssonos todos formam uma conjunção de gritos nos becos do homem, sem saída. Concepção na ideia e execução no discurso tenso unem-se sem esforço neste poeta sempre a deflagrar a dor de viver no absurdo do tempo conflitante entre o eu e as perplexidades,  capturado na constatação de  uma situação de alma, possuída pelo desencanto de lugares e espaços.

        Plasmada no ritmo agudo da existência, recuperando vivências, projetando uma canção cheia de delírios, esta poesia mostra como o poeta deve usar a palavra com suas imagens e metáforas precisas para alcançar aquele nível expressivo, íntimo da boa fatura estética. Com a força dos que amam, a poesia de Walker Luna dá um testemunho dos que sofrem com lucidez quando então buscam na tristeza, na angústia, a alma de todos nós, seres contraditórios, finitos, confinados na condição do existir.

           Walker Luna é o patrono da cadeira 9 da Academia de Letras de Itabuna, que tem atualmente como ocupante Rilvan Batista de Santana.

           Faleceu em 3 de julho de 2007, em Jundiaí, São Paulo.

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O HUMANITÁRIO BIONOR REBOUÇAS- Cyro de Mattos

 

Homem alto, forte, voz grossa e mansa. Gostava de usar boné. Era sempre visto na feira do Centro Comercial aos sábados. Cedo recolhia com a pequena cesta donativos para a feira dos pobres. De porta em porta, na semana, pedia ajuda para a construção de mais leitos no albergue.

Dormia pouco, o tempo disponível era dedicado ao próximo. Dor é vida, sofremos porque estamos na vida, li no poeta Jorge de Lima, o criador de A Túnica Inconsútil, A Invenção de Orfeu e Anunciação e Encontro-Celi, elevadas expressões da construção poética no Brasil.

O homem que usava um boné ensinou que a vida se torna leve e sensata quando habitada com amor. Há milênios que as religiões estão tentando mostrar ao ser humano que só o amor constrói. Braço ao abraço a rota fica mais fácil. Há milênios nós os humanos estamos construindo a história de nossa condição com intolerância, luxúria violência, egoísmo. Com uma escrita às avessas, desviada da ternura, mais para urubu do que para curió. O que sabe hoje o nosso pobre coração humano de Deus? Do enigma, da dor e do amor? Preferimos quase sempre o uso da avareza, ambição e inveja em forma de negações.

Essa lição fácil, dar alpiste aos desvalidos, pássaros tristes com as penas doídas, aquele homem de coração solidário ensinou no dia a dia. Por onde andou o seu coração foi para dizer que Deus existe. Podemos senti-lo na flor do coração. Basta amar o outro para o Cristo, eterno salvador da humanidade, renascer em cada um de nós. A flor do coração se percebe em outros que a ele, com o gosto de ser missionário, se juntam. O semeador de esperança no país dos frutos dourados, valendo como ouro, mostrava que viver tinha sentido com o gesto frequente da fraternidade, de amor sem apego aos valores materiais, o qual inúmeras vezes faz os seres humanos subalternos aos lados escuros da alma. Mostrava isso no chão onde o emblema da vida consiste em perseguir o dinheiro como a chave de todas as coisas. É usado para ferir a virgindade e a pureza fazendo da vida um ato de cobiça que se fundamenta na rota do poder e a glória.

 Homem filho de um território onde no início matava-se e morria por um pedaço de terra fértil, numa fome sem precedentes. Ensinou que a vida tem sentido com excesso de pobreza. Como pode vencer léguas do chão áspero e construir grande abrigo para centenas de pássaros sem voo e canto? Recolhidos aos dias tristes, de abandono e solidão? Acreditava que a morada neste planeta é possível com todas as mãos numa só mesa como cantiga geral da universal comunhão.

Ghandy lembra que a cada dia a natureza produz o suficiente para nossas carências. Se cada um de nós tomasse o que lhe fosse necessário, não haveria pobreza no mundo. Ninguém morreria de fome. O genial Charles Chaplin fala do caminho da vida com beleza e liberdade. Lamenta que tenha ocorrido o desvio da ternura. A cobiça envenenou a alma dos homens, ergueu muralhas de ódio no mundo, fazendo-nos marchar a passos de ganso para a miséria e horror dos morticínios.

Aquele homem, que usava um boné xadrez, gostava de oferecer uma rosa a qualquer um quando percorria a cidade, em seu rito de recolher donativos para os pobres. Em linguagem simples dizia que todos nós somos missionários. Consistia a prática em doar-se ao outro, semear o amor entre os excluídos de uma vida digna, muitos deles sem saber a razão de tanta fome e sede.

Ele, Bionor Rebouças, o pai, o filho, o irmão. Um homem como outro qualquer. Homem do bem, desprovido da ganância e outras mazelas. Um libertador para os enfermos do Albergue Bezerra de Menezes. Um anjo que desceu do céu.

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OS CEM ANOS DE ODUQUE TEIXEIRA- Ruy Póvoas

Ninguém completa cem anos impunemente. E José Oduque Teixeira chega a esse limite, transportando o fardo de ter vivido até agora se fazendo útil a seu tempo.
Há várias e múltiplas facetas em tão longo viver. Seriam necessárias várias páginas para uma abordagem que fizesse jus a uma pessoa batalhadora, tal qual tem sido Oduque Teixeira.
Homem de negócios, bem-sucedido, de caráter vigoroso, vontade de ferro, seriedade em tudo que faz. Político que soube equilibrar as contas do município de Itabuna quando foi prefeito, num mandato brilhante.
Formado em Direito pela UESC, mas preferiu continuar sendo homem de negócios e deixou a vida política sem mancha alguma. Nunca se ouviu falar de um ato de corrupção por parte de Oduque na sua trajetória política.
Guardo comigo, de um modo muito particular e pessoal, dois eventos protagonizados por Oduque, ambos relativos ao Bairro Santa Inês. Fui um dos primeiros moradores daquela localidade, desde 1974, quando Amélio Cordier iniciou o loteamento.
No planejamento do bairro, haveria de ter uma rua que se iniciasse ao lado da futura igreja de Santa Inês e subisse até a sentada do morro. Acontece que havia um lote sob o domínio de um oleiro que não permitiu que a citada rua passasse por sua propriedade. Os transeuntes tinham que dar uma volta para chegar até a parte de cima do Alto da Lua.
Quando Oduque soube disso, reuniu seus assessores, garantidos pela guarda municipal, e caminhou para lá, com um trator. De repente, o traçado da Rua Getúlio Vargas se fez de verdade.
O segundo momento que guardo diz de Oduque enquanto pessoa destituída de preconceito. Foi no dia primeiro de janeiro de 1977. Estávamos nos preparando para o ritual de inauguração do Ilê Axé Ijexá, no final da Rua Getúlio Vargas. Tínhamos convidado pessoas de vários segmentos sociais.
Fomos surpreendidos com a chegada também de José Oduque, Lindaura Brandão, Maria Rita Fontes, Eolo Kamei, Denílton Martins, Carlos Eduardo Pitanga, Eduardo Reis e Mercedes Suzart. Esse grupo de pessoas amigas se fez padrinhos e madrinhas civis do terreiro que estava sendo inaugurado.
Agora, Oduque completa 100 anos de vida, cercado por seus familiares, entes queridos, amigos de outrora. E em nós, a profunda alegria por presenciarmos tão importante data de pessoa tão ilustre, tão benfazeja em relação a nossa cidade de Itabuna.
Obrigado, Oduque. O Ilê Axé Ijexá pede-lhe a bênção na condição de afilhado civil seu. E que as bênçãos das Forças Criadoras do Universo se derramem sobre você e de quantas pessoas que o cercam.
Loni oju odum! Feliz aniversário, dileto amigo.
Itabuna, 18 de outubro de 2023
Ruy Póvoas – Ajalá Deré, Babalorixá

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