A POESIA EXISTENCIALISTA DE WALKER LUNA- Cyro de Mattos

                    Nascido em Itabuna, no dia 6 de agosto de 1925, o poeta Walker Luna publicou os seguintes livros de poesia:  Estes Seres de Mim (1969), Companheiro (1979), Estações dos Pés (1983) e Na Condição do Existir (1999). Deixou inédito   Onde Os Fogos Se Cruzam. Inseri esse poeta em minha antologia Itabuna, Chão de Minhas Raízes (1966) e o indiquei para a de Assis Brasil, A poesia baiana no século XX (1999), como havia feito com Valdelice Soares Pinheiro, Firmino Rocha e Carlos Roberto Santos Araújo. No meu livro Prosa e Poesia no Sul da Bahia (2020) dediquei o estudo “Ritmo Existencialista” sobre os impulsos da existência crítica desse poeta pouco estudado na Bahia. Poeta que fez do corpo a morada de sua solidão e que soube o quanto sua vida esteve em lugares e espaços com falares e gestos sofridos, reconhecendo que para entrar no interior dessa casa, percorrer os incômodos de seus cômodos, só existia uma porta, a da entrada.

          Dotado de uma linguagem fluente, Walker Luna move seu discurso num ritmo vertiginoso dentro dos limites do existir. Expõe essa paisagem estranha e solitária que comporta o ser humano na dor do viver. É poesia com qualidade vazada numa experiência humana vivida com intensidade, entre a amargura e a insônia, o sofrimento e a existência. É produzida em sua paisagem interior como um corajoso testemunho de resistência luminosa, acesa com as limitações físicas do autor, suportadas com dignidade e altivez. Mas seus versos, de plena lucidez nas estações que indiferentes trafegam, trazem acenos que nos descobrem no difícil gesto da existência com tons verdes, que são transformados em sumo vital, proliferam frutos.

         É sobre seu último livro, Na condição do existir (1999), publicado pela Secretaria da Cultura e Turismo, Selo As Letras da Bahia, em Salvador, que fiz algumas anotações de leitura. O seu discurso nesse livro é marcado novamente pelo enfoque de ressonâncias agudas na aventura precária comportada pelo ser humano ao assumir a vida. Na corrente do existir, o poeta estabelece o diálogo com o viver crítico do ser. Aqui, neste encontro de alma e soluço, realidade e sonho, sinto o pulsar de espantos e indignações como elementos essenciais de uma condição interior, mitificada por meio de imagens que ferem. Resvala por entre fendas, provoca dores, ressoa com o seu tom vertiginoso, suas angústias, que são as de todos nós, em todos os tempos. São momentos vertiginosos que não se escondem através dos rumores de nossos sentidos.

          O poeta sabe que, mesmo quando protesta na coerência falha dos mortais, /num aprendizado duro e sem termo/ na convergência de todo extravio, procede nas dobras do pensamento secreto e puro. E como lhe custa saber que na alquimia obscura da existência há o risco e o transe expondo situações perigosas, um ritmo secreto de contágio e fogo, uma canção onde as constantes influências dos clamores tocam-se nos extremos, faz e repete seu espanto feito de abismos.

         Emotivo sem ser lamurioso, porque consciente de que poesia é coisa séria, destituída de desabafos inconsequentes, imagens piegas, usa com engenho e arte o eu reflexivo, que não chega a ser conceitual no sentido estéril, hermético, fechado. Os versos de Walker Luna resultam de uma experiência humana de natureza crítica do homem solitário. Cercado de sombras, indagações, fugas, depressões, incertezas que queimam como fogo, sinalizam verdades na lucidez do sonho. Como na solidão passiva dos loucos descobrem-nos livres dos falsos ajustes/neste estágio maravilhoso/ entre a vida e a morte. Assim, o poeta inveja esta ausência total, desconhecimento da própria matéria,/ verdadeiros símbolos/ de pureza unânime.

       Em seu clima adensado de conflitos interiores permanentes, a poesia de Walker Luna está expressa nos limites do existir com a sua problemática subjetiva inserida na dor de viver, nesse estar do mundo das criaturas como cúmplices do sofrer ante o transitório e o inevitável. Vida é dor, disse o poeta Jorge de Lima, logo se vivemos, onde todos os fogos se cruzam, é porque sofremos. A dor de viver com toda a sua carga terrestre, as estações sempre em chamas, o ontem e o hoje como uma unidade que lateja nas cordas mais agudas da condição humana, essa é a matéria que nas visões oblíquas mantém propostas motivadas pelos golpes desferidos da vida e se transforma nos sinais poéticos da escrita operada com fluência para atingir aquelas zonas da ilusão, habitadas no sonho, que nos acompanha desde não sei quando e transmite verdades.

            Poesia de homogeneidade temática e formal, dá a impressão na sua fluência de um poema puxar o outro que se interliga pelo fio condutor do existir com dor. Na dicção crítica, um poema complementa o outro, uníssonos todos formam uma conjunção de gritos nos becos do homem, sem saída. Concepção na ideia e execução no discurso tenso unem-se sem esforço neste poeta sempre a deflagrar a dor de viver no absurdo do tempo conflitante entre o eu e as perplexidades,  capturado na constatação de  uma situação de alma, possuída pelo desencanto de lugares e espaços.

        Plasmada no ritmo agudo da existência, recuperando vivências, projetando uma canção cheia de delírios, esta poesia mostra como o poeta deve usar a palavra com suas imagens e metáforas precisas para alcançar aquele nível expressivo, íntimo da boa fatura estética. Com a força dos que amam, a poesia de Walker Luna dá um testemunho dos que sofrem com lucidez quando então buscam na tristeza, na angústia, a alma de todos nós, seres contraditórios, finitos, confinados na condição do existir.

           Walker Luna é o patrono da cadeira 9 da Academia de Letras de Itabuna, que tem atualmente como ocupante Rilvan Batista de Santana.

           Faleceu em 3 de julho de 2007, em Jundiaí, São Paulo.

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