Entre muitas belezas que o pintor Carybé produziu, há uma imagem de Oxalufã, numa recriação artística de admirar. Dobrado sobre si mesmo, segurando o opá do mistério, Oxalufã, o mais velho de todos os Orixás, representa a busca do autoconhecimento que, inevitavelmente, nos leva de volta a nós mesmos. Ele é o senhor das nuvens que cobrem o mundo. Por isso, está permanentemente rebuçado por uma toalha branca, o Alá da Paz.
E sob essa toalha, está a busca do oculto, o encontro marcado com o Destino, a aceitação de si mesmo, o olhar voltado para aquelas áreas da natureza humana, onde a luz é rarefeita ou nenhuma. Daí, o seu poder de revelar o que está oculto nas profundezas de nossa personalidade. E pleno de compaixão, ele abraça a nossa humanidade e nos socorre com as suas bênçãos, numa profunda compreensão da fragilidade e finitude dos humanos.
Então, através de Oxalufã, podemos nos dar conta de alguns fundamentos nos quais é possível basear nossa existência.
Esta época em que vivemos nos obriga mergulhar em constante estado de vigilância, mas também em perspectivas, E por que não dizer? Também em expectativas, pois somos filhos da Luz; não somos filhos da Sombra. Podemos tomar o Oxalufã de Carybé como uma motivação e imaginarmos reflexões.
Os iluminados escolhem, embora muitos ainda estejam na fase de quem precisa esperar para ser escolhido. Por isso mesmo, é necessário render graças por todas as oportunidades que a vida nos oferece, num ato de reconhecimento e gratidão. Não escolhemos ninguém. Os parceiros e parceiras, amigos e companheiros já foram escolhidos pela própria vida, desde que fizemos nossas escolhas.
Cumprir a destinação é nossa tarefa na existência, através das várias experiências, preferências, orientações e tendências nossas. Ocorre, porém, que cumprir o destino nem sempre é fazer aquilo que desejamos. Aliás, muitas vezes, para cumprirmos o nosso destino, é necessário sacrificar alguns sonhos, desejos e vontades. E quem segue um caminho onde suas coisas não estão jamais em tal caminho suas coisas acharão.
Nós somos Luz e Sombra e tudo tem o seu contrário. E só podemos nos encontrar conosco, se aceitarmos essa dualidade em nós. Tomar consciência de nossa Sombra é o marco inicial da grande viagem para além dos nossos próprios limites. A maioria, no entanto, sempre necessita vivenciar muitos altos e baixos na caminhada escolhida.
Na convivência, não podemos condenar os outros por causa de seus pontos de vista. Não devemos julgar o outro, se não o entendemos e desconhecemos sua história.
No grande inimigo de hoje, pode estar o irmão ou o amor de outras vivências, pois não há mistérios apenas no amanhã; o ontem também tem os seus. Por isso, é regra de ouro não odiar pessoa alguma. E afinal, como disse Shakespeare, “há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa pensar nossa vã filosofia.”
Aprendemos muito mais com aqueles que nos condenam do que com os que nos elogiam. Para isso, no entanto, é necessário humildade.
Na existência humana, todas as alegrias desejam ser eternas, mas não são. Todas as tristezas se julgam infinitas; também não são.
Nenhum saber supera as ações de um coração movido pelos sentimentos de misericórdia, compaixão e generosidade. Ai de nós, em nossas limitações, quando não recebemos a misericórdia do outro. Ai do outro, quando ele não é alvejado por nossa misericórdia. Eis uma das grandes causas de tanto sofrimento no mundo.
É necessário que estejamos atentos às bênçãos e oportunidades oferecidas pelo Universo e assumi-las com reconhecimento e gratidão. Quem não agradece o que recebeu não é digno do recebido. Podemos até não as aceitar, mas a cada bênção ou oportunidade rejeitada, cresce o débito consigo mesmo, a ser pago mais tarde, com maiores sacrifícios, inevitavelmente. Na existência, quem quer alcançar a Luz, termina escolhendo muito pouco, o demais é mera aceitação. E quando tomamos consciência disso, a vida se torna um fardo leve, pontuada de momentos de felicidade. Não significa, porém, combinarmos com o erro, o engano ou a estupidez.
Mais cedo ou mais tarde, a vida nos impõe sob forma de destino tudo aquilo que rejeitamos de nós mesmos, mas não é nada fácil tomar consciência de si próprio.
O que afirmamos constantemente como âncora de nossa fé, não raro, pode ser indício do que não cremos. Acreditar no que seja falso como se verdadeiro fosse só nos leva até à escuridão.
Só é possível aceitarmos o outro, se tivermos plena aceitação de nós mesmos e isso significa reconhecer nossa própria Sombra. Aí, então é possível pensar em iluminação.
Na labuta da existência, corremos o risco de eleger como tesouros as mesquinharias do cotidiano. Vale, então, lembrar o fundamento: “Onde estiver o teu tesouro, aí estará teu coração.” É necessário, portanto, a constante avaliação daquilo que imaginamos ser nosso tesouro.
Por último, cumpre lembrar o ensinamento de Otura, o décimo quinto Odu de Ifá: “Fale comigo para que eu possa falar com você. Pelas nossas vozes, reconhecemos um ao outro, mesmo que seja na escuridão.”
No mais, Oxalufã nos abençoe e nos guarde hoje e sempre. Que o Alá da Paz nos rebuce com vida, vigor e vitalidade. Axé!
Ruy Póvoas
Ajalá Deré
Babalorixá
Abril 2025