Discurso para recepção do confrade Clóvis Silveira Góis Júnior em sua posse na ALITA.
Excelentíssimo senhor Wilson Caitano, presidente da Academia de Letras de Itabuna, boa noite. Em seu nome saúdo as confreiras e confrades da ALITA aqui presentes. Prezada confreira Josane Morais, aqui representando a Academia Grapiúna de Letras, minha gratidão por sua presença na abertura do ano acadêmico da ALITA e desejo de que a AGRAL traga muitos frutos para nossa região.
Prezado novo confrade Clóvis Silveira Góis Júnior, bem vindo a esta academia! Em seu nome dou meu boa noite aos convidados e convidadas, aos amigos, parentes e demais pessoas aqui presentes para essa noite de festa.
Foi logo após sua seleção para integrar nesta Academia que fui procurado por professora Janete, nossa vice-presidente da ALITA, para saber que seria minha a honra de lhe dar nossas boas vindas. Diante deste aviso de minha querida mestra apenas uma única resposta podia sair de minha boca: Sim, senhora!
Dado meu aceite, indaguei o que poderia escrever a seu respeito sendo que não o conhecia. Como primeira assertiva, professora Janete foi indicando se tratar de um historiador. Aqui já tinha um primeiro ponto a discorrer, sendo a História minha seara e minha grande paixão desde minha adolescência.
Imediatamente me reportei ao século XIX e me lembrei do prefácio do primeiro volume do livro História dos Povos Germânicos, do historiador alemão, Leopold Von Ranke. Dizia, esse que foi considerado o pai da historiografia moderna, no início de sua grandiosa obra sobre a Alemanha, que, em sua pesquisa, buscava entender a “História como esta havia sido”.
Tal afirmação foi depois mal compreendida, de modo particular no Brasil. Em muitos livros de historiografia, era indicado que essa afirmação se tratava de uma indicação do caráter positivista deste historiador, e da grande maioria dos historiadores do século XIX. Ledo engano. Em primeiro lugar, Ranke abominava o positivismo de Augusto Conte. Achava-o superficial e sem método. Ele, assim como a maioria dos historiadores dos oitocentos, pertencia à Escola Metódica, buscavam de toda forma adequar o conhecimento histórico a partir da constituição de um método.
Para entender o porquê dessa afirmação de Ranke em seu prefácio, e assim entender seu contexto, elemento assaz fundamental para se entender a própria História, é preciso voltar um pouco mais no tempo. Segundo os historiadores alemães Christian Meier, Odilo Engels, Horst Günther e Reinhart Koselleck. foi no Império Romano que o poeta, filósofo e senador romano Cícero, escreveu que à História caberia servir como guia moral para as pessoas. Dos ensinamentos que a História traria se aprenderia como agir, e que regras seguir. Seria ela, segundo Cícero, a Magistra Vitae, isto é, Mestra da Vida.
Essa acepção de história, enquanto mestra da vida, foi a base na qual se alicerçou o entendimento desta área de conhecimento durante cerca de 1.800 anos. Foi somente a partir do século XVIII, com o Iluminismo, e em solo alemão, que a ideia de uma história, mestra da vida iria ruir. Em seu lugar, os historiadores germânicos colocaram um novo conceito. No lugar da Historie, coletânea de exemplos para uma vida piedosa e justa, advinda de Cícero, surgiu a Geschichte, isto é, História, conjunto de emaranhado de relações político-sociais deste mundo (KOSELLECK, 2013, p. 38).
Essa explicação de Reinhart Koselleck, sobre a alteração no conceito de História feito na Modernidade, é ponto para se entender o contexto que esclarece a fala de Ranke. Sua afirmativa de que a ela interessava contar a história como havia sido, fica assim compreendida ao verificar em que contexto ela foi inferida. Não competia a Ranke, como a nenhum outro historiador moderno, dispor de exemplos morais ou piedosos para possibilitar que a História fosse a Mestra da Vida. A História desenvolvida a partir do século XVIII e XIX, seria aquela que, por meio do método, buscaria analisar e entender as relações sociais, políticas, culturais e econômicas que vicejam na humanidade.
Nesse sentido, prezado confrade Clóvis, foi com grande alegria que soube você se tratar de mais um filho de Clio. Mas, como historiador, ainda me vinham outras indagações: novamente corri para professora Janete e perguntei que obras você havia escrito. Ela então me informou sobre um livro seu. Precisava então ler esse livro.
Vem o destino, e sou agraciado pela Fortuna mais uma vez. Em minhas relações pessoais prezo da amizade de diversas e maravilhosas pessoas. Entre elas, duas são por mim muito queridas, Lu e seu esposo, o historiador, poeta, dramaturgo e confrade da AGRAL, Cláudio Zumaêta. Em uma de nossas conversas semanais, lhe informei que competiria a mim dar as boas vindas a você. Ele então exclamou que havia lido seu livro. De imediato falei que precisava que ele me emprestasse. Fui então informado por ele que mais que um empréstimo, ele me daria um exemplar pois contava com dois em sua casa. Marcamos um café.
Em nosso encontro, um entusiasmado Cláudio me entregava o livro Sequeiro do Espinho, passos de um conflito, e indicava ser este um livro histórico com as melhores qualidades que um texto deve possuir: coesão, coerência, concordância e uma escrita inspirada, de fácil leitura, com profundidade teórica e documental, enfim, um livro que cativa e prende o leitor do início ao fim.
Como sei que meu amigo se empolga e sempre é muito expansivo, fiquei com um pé atrás: seria esta uma obra que traria em sua verve algo que é tão ausente na escrita histórica, isto é, um texto bem escrito, sem o “ranço” tão característico da leitura acadêmica? Fui ler o livro.
Um dos fatores a me intrigar em relação a obra é por esta tratar de um tema que foi meu ingresso no universo amadiano. Foi por meio de Terras do sem fim, que me vi fisgado pela escrita de Jorge Amado. Daí que guardo um carinho especial por esse assunto.
Ao iniciar a leitura de Sequeiro, ainda matinha um quê de desconfiança. Mas nada pude fazer! À medida que me aprofundava na leitura, lia seu texto, via os documentos analisados, os autores citados, as imagens usadas, fui me apaixonando pela obra, sua excelente escrita, e vi ali um autor que escreve com profundidade de conhecimento, com paixão, e que sabe, de fato, ser um bom narrador.
O livro evidencia aquilo que Koselleck conceitua como História, e que foi ambicionado por Ranke, Carlily, Michelet, Droysen, Southey, Coulanges, Burckhard, dentre outros, isto é, a compreensão do presente como sendo a relação entre o “espaço de experiência”, isto é, o passado, e o “horizonte de expectativas”, o futuro.
Dessa maneira ao trazer à baila personagens como os coronéis Basílio de Oliveira, Juca Badaró, Sinhó Badaró, Antônio Pessoa, Misael Tavares, Henrique Alves, políticos como Eusígnio Lavigne, João Mangabeira, dentre tantos outros nomes do passado de Ilhéus e Itabuna; ao indicar fazendas, estações de trem, casas comerciais, armamentos, jagunços, peões, mapas, e outros tantos documentos, Clóvis Silveira nos situa entre o passado, nossa experiência, e o futuro da região Cacaueira, nossa expectativa.
Encantado pelo texto fui então buscar mais informações sobre o autor. Recorri novamente a professora Janete indagando sobre a documentação por ele apresentada para sua candidatura a ALITA. Fui então socorrido, de modo solícito e competente, pela confreira Lurdes Bertol que me encaminhou as informações requeridas.
O confrade Clóvis Silveira é autor de outra obra histórica A Gênese do adventismo grapiúna. Este ainda não li, mas no prefácio do livro Sequeiro do Espinho, passos de um conflito, professora Janete indica que A Gênese do adventismo grapiúna se situa “no campo temático História e Religião”. Ela informa que nesta primeira obra o autor indica que aí estuda a Igreja Adventista no sul da Bahia para “completar grandes lacunas” e por inexistir “qualquer obra que conte a história”. Nesse sentido caminha o confrade no entendimento de uma História não mais alicerçada em buscar preceitos morais, mas em entender a dinâmica das relações sociais.
Continuando minha pesquisa descubro que é o novo integrante da ALITA, Administrador, formado pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Licenciado em História pelo Instituto Mantenedor de Ensino Superior da Bahia – IMES, Especialista em Gerenciamento de Micro e Pequenas Empresas, pela Universidade Federal de Lavras – UFLA.
Além dos dois livros já citados, tem textos publicados no Jornal Agora e mantêm no Instagran uma página intitulada @história.grapiuna. Participou de inúmeros eventos, estes divididos entre a História, sua vocação religiosa na Igreja Adventista, além daqueles vinculados a sua área de trabalho. Nosso confrade é servidor público, atua como Técnico Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª região. Em sua carta para concorrer à vaga da ALITA evidenciou que: “considerando o escopo dessa Casa em promover a literatura, as artes, e as ciências humanas, bem como sua elevada finalidade em preservar a memória da cultura itabunense, grapiúna e brasileira; tendo em conta, ainda, o distinto fomento ao cultivo da língua pátria e ações decorrentes me ponho à disposição do seleto grupo de alitanos, como pretendente à trigésima quarta cadeira, cujo patrono é o eminente jornalista Jorge Calmon.”
Nossa região surgiu oriunda de nosso passado na capitania de São Jorge dos Ilhéus, embasado pelo avanço e riqueza que a expansão do cacau trouxe a essas terras dos sem fim. Analisando sua altaneira vontade em integrar essa nobre casa das Letras, Artes e Ciências, observando seu caminhar e sua produção, estudando sua escrita e estudos históricos e sua trajetória profissional, tenho certeza que o novo confrade irá auxiliar a alicerçar e fomentar, em parceria com todos nós que aqui nos encontramos, novos caminhos e estudos para o saber, a cultura, a História, as Letras e as Artes de nossa região do Cacau. Prezado confrade Clóvis Silveira Góis Júnior, esta Casa e os seus, os saúdam. Seja muito bem vindo. Obrigado.
[2]Historiador. Mestre em Cultura e Turismo (UESC/UFBA). Doutor em História (UNESP/Assis). Professor na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XVIII, Eunápolis. Na Academia de Letras de Itabuna – ALITA ocupa a cadeira de número 40, tendo como patrono o escritor e poeta Natan Coutinho.
Prof Charles, referência! O melhor!
Que lindo texto de recepção para boas vindas.
Que passeio cultural vc fez para apresentação desse historiador como novo membro dessa Academia, o que avaliza a referida nomeação. Parabéns!
Quanto orgulho de você, meu amigo! Você nasceu pra ser grande! Sua determinação, coragem, competência e acima de tudo sua fé, te levaram ao sucesso! Parabéns, Charles! Você é uma inspiração e um exemplo a ser seguido! Continue voando! É lindo demais ver o seu voo!
Um imortal que é uma história. Charles de Sá.
Parabéns . Vida longa
Gratidão pelas generosas palavras, dileto professor Charles.
Linda e com profundidade a recepção do Dr. Histiador Charles Sá.
Degustei o texto pelo mergulho nos detalhes e a elegância no tratamento à Clóvis Silveira.
E a breve resenha de Sequeiro do Espinho, me instigou ler a referida obra.
Viva a cultura literária grapiúna.
Parabéns ao Chalés e ao Clóvis.