Aqui, não pretendo evitar que o leitor de A casa da esperança não era verde, o novo romance da Professora Margarida Fahel, tenha o prazer de suas próprias descobertas. Por isso mesmo, apenas tomarei algumas percepções do leitor que gosta de romances. Eles se constituem verdadeira cancelas escancaradas, estradas amplas que nos levam a revisitar memórias, até mesmo aquelas há muito tempo adormecidas.
Se a casa não era verde, qual a cor da casa, então? Os teóricos da Literatura se debruçam sobre a obra de arte literária munidos de um farnel de conceitos e categorias, a partir dos quais a obra é posta sob compreensão, interpretação e análise. Correndo por fora de tal grupo, há o leitor comum que se deixa levar apenas pelo sentimento, pela emoção, pela sensibilidade.
Então, pelo viés do sentimento, da emoção e da sensibilidade, qual é a cor da casa da esperança? Ora, faz parte de nosso imaginário tomar a cor verde como símbolo da esperança. Para a nossa psique, no entanto, de um ponto de vista individual, a esperança pode ser simbolizada por um perfume, uma música, uma paisagem, ou outros materiais também.
E o que faz a Professora Margarida Fahel? Como se estivesse na Torre de Belém, em Portugal, aprecia surfistas cavalgando ondas gigantescas. E não satisfeita por porta-se assim, ela mesma toma sua prancha e vai à busca de alguns deles. Surfando nas ondas da intuição artística, a autora quer ouvir os diálogos travados entre eles. E ela mesma termina se tornando uma dialogante também.
Seus personagens “surfistas da vida” falam de amores, de dores, de rejeição. De uma busca sôfrega para desvendar seus passados. A Professora Margarida quer que seus personagens, eles mesmo digam de si e o do outro. Extremamente cuidadosa com os detalhes, assumindo conscientemente um olhar interpretativo sob um prisma neorromântico, até mesmo os poás são apanhados quando ela detalha a vestimenta de uma de suas personagens.
Munida de uma gentileza sem igual para registrar os altos e baixos da vida de cada herói que pulula as páginas do aludido romance, tudo é tecido generosamente. De uma coisa, no entanto, a autora não nos poupa: a presença do anti-herói. E ele nos é mostrado em carne osso, sentimentos ruins, portando uma Sombra descomunal. E apesar de Jung já ter nos advertido para “maior a luz, maior a sombra”, é Nogueira, o grande antagonista que emerge das sombras. E por isso, Nogueira provoca dores, sofrimentos, lágrimas, insônias para os demais personagens, atingindo a todos direta ou indiretamente. É isso justamente o que acontece quando a vida nos envolve, até mesmo à nossa revelia, com pessoas que se querem controladoras do destino dos demais.
Ao tempo, porém, que Nogueira destila raiva e rancor que brotam das profundezas de seu ser, isso também faz com que as demais criaturas de Margarida Fahel não percam a esperança de, um dia, a grande luz resplandecer nas trevas. Claro que essa saga custa muito caro. E à medida que a busca de cada personagem vai acontecendo, também nos damos conta de que história de cada um só poderá ser compreendida quanto juntada à história dos demais.
São múltiplos os narradores desse romance, a partir da própria autora. Não raro, precisamos de redobrada atenção para saber o dono da voz que narra aquele ou outro acontecimento. Uma bela construção artístico-literária, não tenhamos dúvidas.
Na maciez do estilo de Margarida Fahel, a preferência para apreciar que seja do bom e do melhor. E isso faz com que seus leitores nem sintam ódio ou raiva por Nogueira, muito embora não concordem com ele, em momento algum da narrativa.
E tudo vai se avolumando, cada personagem segurando um fio da narrativa, até que todos eles – exceto Nogueira, é claro – se reúnem para uma refeição. É o momento de se colocar os acontecimentos em pratos limpos. É a ocasião de se entender por que A casa da esperança não era verde. Afinal, cada um de nós pintamos a casa de nossa esperança da cor que a vida a construiu para nós.
Para além da cor da casa da esperança, fica o entendimento de que somente sentados em torno da mesa da vida, poderemos narrar fragmentos de nossa história para que os demais possam entender nossas buscas e nossas escolhas. Na junção dos fragmentos, se dará a compreensão: é preciso que a história de cada um se faça luz para superação da sombra, não apenas a de cada um de nós, mas a da coletividade também.
Ruy Póvoas
Itabuna, abril de 2022