Produção Literaria

UMA CONVERSA COM RITINHA DANTAS – Por Raquel Rocha

Ritinha Dantas, como é carinhosamente chamada, é uma daquelas figuras cuja trajetória se confunde com a própria história cultural, educacional e social de Itabuna. Professora, escritora, gestora pública e intelectual de múltiplas frentes, ela é um nome marcante na cultura Itabunense, nas páginas da literatura regional e nas memórias de todos que com ela conviveram.

Nesta entrevista, Maria Rita revela com rara sensibilidade as raízes de sua formação humana e intelectual, nos contando sobre sua infância vivida entre a zona rural e a cidade de Itabuna, as experiências musicais precoces, o incentivo familiar à leitura e o amor pela educação e pela cultura.

Relembra também momentos marcantes de sua vida pública, como a criação da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania – FICC –, e reflete sobre os desafios que enfrentou com coragem e espírito coletivo. Suas palavras trazem ensinamentos, inspiração e uma paixão contagiante pela vida, pela literatura e pela transformação social por meio do conhecimento.

Com o olhar atento de quem nunca perdeu a capacidade de se indignar diante das injustiças, Ritinha reafirma, nesta conversa, sua crença no poder da cultura, na força da educação e no valor das novas gerações como sementes de um futuro mais justo e criativo.

Raquel Rocha

 

Raquel Rocha: Ritinha, que lembranças mais marcantes você guarda da sua infância em Itabuna?

Rita Dantas: A minha infância em Itabuna é muito rica em vivências rurais e urbanas. Rurais, pois nasci e morava na Castelo Novo, de meus ancestrais, hoje já completamente cercada pelos Bairros Santo Antônio, José Coelho e Lava-Pés. Essas vivências eu as descrevi no meu livro “Bença Vó”. As urbanas, estão cheias de vida, com lembranças das caminhadas para a minha escola 10 de janeiro, da Professora Alzira Paim; da convivência com meus colegas de uma escola seriada, onde meninos e meninas estudavam juntos em série diferenciadas e aprendiam a conviver com as suas diferenças. Brigávamos, nos desentendíamos, fazíamos as pazes, disputávamos a atenção da professora e de sua mãe que chamávamos de Vovó Bebel. Estão também cheias das lembranças das minhas aulas de piano, com Neide Borges, Vanda Montalvão Souza e Célia Pinho Vita; aulas de solfejo com Amália Souza e canto orfeônico com Zélia Lessa. Era um corre-corre a minha vida dos 3 aos 14 anos. Aos 11, em 1951, entrei na Divina Providência onde comecei o ginásio e tive experiências as mais diversas, com meus colegas, aí incluídas atividades política e social. No contexto familiar sempre me senti muito feliz com meus pais, avós, irmãos e os primos Henrique, Rita Marlene e Tonho. Fazíamos teatro em casa, frequentávamos como fadinhas e depois bandeirantes os acampamentos e as reuniões, aprendendo sobre participação e solidariedade. Mais que tudo tivemos pais, irmãos e avós amorosos e dedicados.

 

Raquel Rocha: Poderia nos contar um pouco sobre as raízes da sua família?

Rita Dantas: Cresci sabendo que nossos ancestrais eram sergipanos por parte dos pais de meu pai. Que eles vieram da Chapada dos índios e de Tomar do Geru, o ramo dos Silva Coêlho. Por parte da sua mãe, os Soares Nascimento que vieram de Maruim. Aprendi desde cedo que os líderes da nossa família eram o meu tio avô Paulino Vieira do Nascimento e o meu avô José da Silva Coêlho, ambos falecidos antes de 1940. Eram pioneiros desbravadores e enriqueceram na lida com o cacau, na atividade comercial e no próprio desbravamento das matas e no plantio do cacau.

A família da minha mãe era da região de Muritiba e Castro Alves. O meu avô materno, Ernesto Neves Simões se radicou em Itabuna, viúvo, com seus filhos, Raimundo, Paulo, João e Carmen Diógenes Simões, minha mãe. A minha avó materna, Anita Diógenes Simões era de Castro Alves e faleceu muito jovem.

 

Raquel Rocha: Como a convivência com seus familiares influenciou sua formação humana e literária?

Rita Dantas: Meus pais priorizavam a educação dos filhos: Éramos seis, dois filhos e quatro filhas. O primeiro filho, depois Dr. Fernando Simões Coelho, foi para o colégio Maristas, interno, logo que terminou o primário. Era o meu guru e trazia as novidades da capital para mim, entre elas livros que admirava. Eu era a segunda filha, com duas irmãs mais próximas, Margarida e Heloísa, e uma irmã Carmen Tereza que nasceu, quando eu já tinha 13 anos. Naquela época meu pai comprou o Tesouro da Juventude, uma enciclopédia que nos ensinava muitas coisas. Comprou um Atlas maravilhoso e nos contava sobre o mundo e muitos livros outros, pois meu pai lia muito. Minha mãe adorava cantar enquanto bordava, lia romances de M. Delly e nós ouvíamos no rádio Francisco Alves, Carlos Galhardo, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira e muitos outros. Meu tio e padrinho Raimundo tinha em sua casa um quarto só de revistas e livros. Eu adorava ler os gibis e as revistas as mais diversas, inclusive as de terror e Ficava encantada com Flash Gordon e aí começou o meu interesse por ficção científica. Nesse quartinho de leitura ficávamos Fernando, Ubaldo, Henrique e eu. Líamos tudo ou quase tudo. Logo eu quis ir para Salvador também e meu pai me colocou interna no Colégio Santíssimo Sacramento, as Sacramentinas. Lá, continuei meus estudos de piano e francês. Conheci vários poetas e escritores franceses por meio das irmãs francesas que descobriram meu interesse por literatura. Cheguei a fazer uma peça de teatro em francês, Joanna d`Arc, em que eu era a protagonista. Como adolescente passei a ler uns romances que minha mãe tinha em casa, de M. Delly, todos de amor. Só muitos anos depois descobri que eram escritos por dois irmãos que usavam esse pseudônimo. Mas na adolescência fiquei mesmo encantada foi com os livros de ficção científica editados em Lisboa pela coleção Argonauta. Li todos que nos chegavam às mãos. Vivi assim, cercada de livros, revistas, partituras, me formando em nível superior de música em 1957.

 

Raquel Rocha: Quem foram suas maiores inspirações na juventude, tanto na vida quanto na literatura?

Rita Dantas: Não é fácil falar sobre inspirações na juventude. Primeiro, o que é juventude? Eu amava os músicos, sobretudo Grieg, Chopin, Mozart, Vivaldi, Bach, Villa- Lobos, Carlos Gomes e Beethoven. Eles eram inspiradores para mim e algumas de suas peças toquei em concertos em Itabuna e em Salvador. Na literatura, como aos 18 anos eu já estava cursando letras na UFBA, entrei em contato com poetas e romancistas portugueses, brasileiros, italianos e espanhóis. Fui lendo Camões, Fernando Pessoa, Cesário Verde, Mário de Sá Carneiro, Molière, Victor Hugo, Stendhal, Balzac, os poetas simbolistas, Don Quixote, Soror Juana de la Cruz e os brasileiros entre outros Carlos Drummond, Cecília Meireles, Castro Alves, Gonçalves Dias, José de Alencar, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Manoel Bandeira, Jorge Amado e Adonias Filho. Me encantei com os dois últimos e passei a estudar profundamente a obra dos dois. Acho que foi inspirador para mim saber que eu tinha um dom especial para entender os poetas e prosadores.

Na vida, foi a minha mãe que me ensinou como a vida era bela, como eu devia ter sempre uma visão otimista da vida, como devia ser gentil e educada com todas as pessoas não importando a origem, cor ou gênero. Como eu devia estudar, me formar e adquirir independência pelos estudos. Convivi apenas 25 anos com a minha mãe, mas foram definitivos na minha vida.

 

Raquel Rocha: Quando você percebeu que a palavra escrita seria o seu instrumento de expressão?

Rita Dantas: Eu sempre gostei de escrever, de fazer diários e redigir discursos. Mas escrever romances para mim sempre foi impedimento, pois nunca gostei de simular intrigas, desencontros, desavenças e sem isto os romances não existem. Assim, me dediquei a escrever crônicas, relatos, poemas, romance histórico, muitos ainda não editados, pois levá-los a público sempre me angustia. Continuo escrevendo minhas experiências de vida com as pessoas mais significativas na minha vida, a minha relação com meus animais, com as pessoas que me ajudaram no serviço doméstico, as minhas perdas e os meus ganhos.

 

Raquel Rocha: De todos os papéis que exerceu, professora, escritora, gestora cultural, qual lhe deu mais alegrias?

Não existe a que deu mais. Foram todas muito gratificantes e diferentes nas suas missões. Sempre as considerei assim. Tive uma experiência das mais felizes como professora nos níveis médio e superior. Sempre considerando que não estava ali para reproduzir e sim para criar junto com meus alunos. Sempre tive o aprender fazendo como inspiração e sempre estimulei meus alunos a estudarem comigo. Eu escolhia algo que nunca tinha estudado, mas eu tinha a teoria e o método para fazer isso e com eles íamos desbravando aquela selva desconhecida e chegávamos juntos no final. Era uma satisfação enorme. Como gestora, utilizei-me da gestão participativa, em que todos opinam e em consenso decidem o que fazer. Coloquei sempre o respeito às diferenças como prioridade e o reconhecimento do mérito para classificação e recompensa. Conviver com a cultura foi uma experiência criativa sedutora. Conhecer cada artista, seus sonhos, suas dificuldades, suas críticas, tudo isso me ajudou a construir uma visão abrangente sobre a questão cultural no nosso município.

 

Raquel Rocha: A criação da FICC foi um marco na cultura de Itabuna. Poderia falar sobre a criação desta instituição? Que memória mais forte você guarda desse tempo?

Rita Dantas: Na primeira gestão de Ubaldo como prefeito de Itabuna de1983 a 1988, eu era Secretária de Desenvolvimento Social. Durante a campanha eleitoral, eu pedi ao então prefeito, Fernando Barreto, tão logo ganhamos a eleição, levar à Cãmara de vereadores a proposta de criação da Secretaria de Desenvolvimento Social. Eu já tinha feito uma pesquisa no nível nacional e achei a proposta da cidade do Rio de janeiro bem interessante. Eu sabia que tinha de me envolver com a educação e a cultura para que a secretaria alcançasse seus objetivos. Com a chegada de Mário Gusmão, e com a professora Tica Simões à frente da Diretoria de Cultura da Secretaria de Educação, ocupada pela Professora Norma Vídero Santos, iniciamos um projeto de envolvimento dos artistas regionais, com atividades e ações que os qualificassem. Nessa época senti a necessidade de criar uma Fundação para que os artistas tivessem voz no município, o que só ocorreu, quando ganhamos a eleição no ano 2000, em que Ubaldo era o vice-prefeito.

Durante a campanha eu me comprometi a criar a Fundação com o apoio de Ubaldo e do então Secretário de Educação. Fui então nomeada pelo sr. Prefeito como Diretora de Cultura na Secretaria de Educação e começamos a preparar a criação da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania. São tantas as memórias de luta, de desafios, mas a maior lembrança foi a luta conjunta com os artesãos para reformar a antiga delegacia da Rua Rui Barbosa e transformá-la no Shopping dos artesãos, permitindo um maior ganho para eles. A Casa do Artesão passou então a ser a sede da FICC. Essa mudança também é uma memória forte, pois tive de reformar a Casa duas vezes, na primeira gestão de Ubaldo e em 2002.

 

Raquel Rocha: Que desafios mais ensinaram você ao longo da sua trajetória de trabalho público e social?

Rita Dantas: Os desafios foram incontáveis. Um que marcou muito minha trajetória foi a invasão do Pau Caído, onde construímos o Bairro Novo Horizonte, na gestão Equipe Ubaldo Dantas. A invasão foi feita por mulheres de idade mais avançada que estavam vivendo com filhos e netos em um quarto diminuto sem condição alguma de uma convivência digna. Fiz um relato dessa experiência no documento Colheita que faz um resumo da gestão Equipe Ubaldo Dantas. Na FICC, a edição de CDs de artistas itabunenses, assim como de livros, a exemplo do de Ramon Vane, tiveram um forte impacto no nosso trabalho, por termos que lidar com desafios e dificuldades de ordem financeira, já que a cultura não consegue mobilizar os governantes no sentido de a enxergarem como um grande investimento social.

 

Raquel Rocha: O que mais encanta você na vida atualmente? E o que a entristece?

Rita Dantas: Continuo encantada com a vida. Sou uma pessoa otimista e crente na capacidade criativa do nosso povo brasileiro. Vivi muitos anos também como consultora na área da saúde, trabalhando na construção do Saúde da Família, de documentos a serem usados por agentes comunitários de saúde, por médicos e usuários nas áreas de saúde pública dirigidos para hanseníase, malária e muitas outras; de material sobre responsabilidade socioambiental e na utilização de medicamentos comprometedores, a exemplo da Talidomida. Entristecer não é a abordagem correta e sim me indignar. Não perdi a capacidade de me indignar com as injustiças, os maus-tratos, os preconceitos e as discriminações.

 

Raquel Rocha: Como você vê o papel da mulher na sociedade contemporânea, em comparação à época em que iniciou sua carreira?

Rita Dantas: É interessante como a minha vida foi e continua a ser moderna, apesar da passagem do tempo. Eu me formei e comecei a trabalhar, enquanto fazia um ano de pós-graduação. Voltei para Itabuna, em 1963, a convite de Flávio Simões para ensinar no Colégio Estadual de Itabuna e na Faculdade de Filosofia, com a primeira turma se graduando em 1964. Me casei em 1964 e continuei ensinando, na época Filologia Românica e Literatura Brasileira. Passei a minha vida trabalhando e tentando conciliar as minhas atividades profissionais com as dos meus três filhos, João Ubaldo, Luiz Fernando e Afonso Henrique com as do meu marido, Ubaldo Porto Dantas, sempre priorizando as suas escolhas, sem que por isso me sentisse prejudicada. Me considerei sempre uma parceira nas missões que lhe eram confiadas e nunca sofri discriminação por ser mulher, ser casada, ser mãe de três filhos. Até na política me envolvi, quando necessário, mas eu soube colocar a harmonia familiar em primeiro lugar.

Acho que a mulher contemporânea pode muito bem conciliar trabalho e família, a depender dos seus sonhos e expectativas. Assim como também pode optar por viver independente, sem que os laços afetivos a limitem ou impeçam a sua liberdade total.

 

Raquel Rocha: Em sua opinião, qual o maior valor que devemos preservar na nossa convivência humana?

Rita Dantas: O respeito é um valor inestimável. Aprendi com meus pais que é preciso respeitar as opiniões alheias. Em uma convivência harmoniosa tem-se que cultivar paciência, tolerância, amor ao próximo. Sempre considerei que gostar das pessoas em geral era o melhor que a humanidade poderia cultivar. Reconhecer que cada um tem uma visão própria da vida e que precisamos respeitar essas visões, mesmo que elas não correspondam às nossas expectativas.

 

Raquel Rocha: Você acredita que a literatura pode transformar vidas?

A literatura é um caminho de conhecimento. Os livros, sejam em prosa ou poesia, eles nos ajudam a entender a humanidade. Um leitor assíduo pode viver várias experiências por meio de suas leituras. A ficção científica, por exemplo, me ensinou novos caminhos, novas visões, novas perspectivas, novas abordagens, muitas delas transformadas em realidade hoje em dia. Os grandes romances, a exemplo dos de Guimarães Rosa, de Machado de Assis colocam para nós desafios que a própria vida refuta. Os novos escritores japoneses são um exemplo para nós de abordagens que nos chocam, nos emocionam e nos ensinam que cada povo tem suas dores e suas realizações. Sem mencionar os romances de viagens que nos levam a locais desconhecidos e aventurosos. Eu mesma já fui visitar vários locais a partir da leitura de livros interessantes, a exemplo do livro de Ildefonso Falcones, “A Catedral do Mar”, em Barcelona, na Espanha; O romance histórico de Kate Mosse, “O Labirinto”, em Carcassonne, na França. O romance “Istambul”, do prêmio Nobel, Orhan Pamuk. Deste autor, inclusive li um livro muito instigante “Neve”, também na Turquia, que aborda questões religiosas bem marcantes.

 

Raquel Rocha: Que projetos ou sonhos guarda consigo, que gostaria de ver realizados?

Rita Dantas: Ah, são tantos os projetos que habitam os meus pensamentos e tantos os sonhos a realizar que a cada dia penso que “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”( Eclesiastes 3). Hoje desejo mais que meus descendentes e amigos possam fazer dos seus sonhos realidades e que a Juventude do meu país não deixe de pensar, nem de elaborar projetos que beneficiem o nosso povo brasileiro.

 

Raquel Rocha: Para encerrar: que mensagem gostaria de deixar para as novas gerações de itabunenses e para aqueles que lutam pela cultura e pela educação?

Rita Dantas: Que busquem ser otimistas em relação à cultura e à educação da nossa terra. Nós temos uma herança cultural valiosa que pode embasar a nossa educação. Na gestão Ubaldo Dantas, tivemos um projeto educativo que incentivava os alunos a pesquisarem sobre suas origens, as origens do seu bairro, para que desenvolvessem o sentido do pertencimento, das necessidades e da defesa dos seus contextos culturais.

Que se lembrem, sempre, que nossa região é rica em termos culturais: Temos escritores, poetas, atores, músicos, historiadores e mesmo que estejam atuando em outras terras, serão sempre itabunenses e mais que tudo grapiúnas. Não devemos pensar pequeno, e sim pensar nessa região fértil que engloba a Nação Grapiúna: Ilhéus, Buerarema, Itajuípe, Uruçuca, Ipiaú, Ibicaraí, Una, Canavieiras, Belmonte, e todos os outros, com nomes de peso na nossa Literatura Brasileira, a exemplo de Jorge Amado, Adonias Filho, Cyro de Mattos, Telmo Padilha, Hélio Pólvora, Jorge Medauar, Sonia Coutinho, Heloisa Prazeres, Sosígenes Costa, Euclides Neto, José Bastos, Florisvaldo Matos, Ruy Póvoas, Margarida Cordeiro Fahel. Sem falar nos artistas Marcelo Ganem, Jean Costa, Jackson Costa, Jafet, Sabará, Ébano, José Henrique, Azulão, Alba Cristina, Betão, Fernando Caldas e tantos outros. A nossa maestrina Zélia Lessa, a nossa formadora musical Mariângela Montalvão Souza Oliveira e a nossa eterna musa Candinha Dórea.

Que se convençam que a educação é uma prioridade para todos que valorizam a vida.

Que como jovens sonhadores exijam uma educação integral de qualidade em toda a nossa região que os possibilite participar ativamente na construção de uma sociedade mais desenvolvida, mais justa e mais igualitária.

 

Julho, 2025

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ENTREVISTA COM HELOISA PRAZERES – Por Raquel Rocha

Uma Vida Feita de Memória, Beleza e Poesia

 

As palavras de Heloisa nos remetem à formação de uma geração que aprendeu a olhar o mundo pela lente da beleza e da palavra. Professora, poeta, ensaísta e pensadora da linguagem, Heloisa atravessou décadas cultivando o silêncio criativo e o gesto preciso, fosse na sala de aula, na vida intelectual ou nas páginas onde resgata o que nos constitui: infância, paisagens, memórias, exílios e retornos.

Nesta entrevista, Heloisa revela a mulher por trás da escritora: filha de um lar sergipano que chegou ao sul da Bahia buscando sonhos; jovem que viveu Itabuna e Salvador nos anos de efervescência cultural; mãe, esposa, professora e amiga.

Mais do que responder perguntas, Heloisa compartilha sua visão de mundo, construída com poesia, mas também com rigor, ética e sensibilidade. Entre memórias de infância, referências literárias, reflexões sobre dor e beleza, e a defesa de valores fundamentais, ela nos lembra que viver é criar, e que a poesia não é apenas um gênero, mas uma maneira de existir no mundo.

 

Raquel Rocha

 

Raquel- Antes de falarmos sobre sua trajetória literária, queria que você contasse quem é a pessoa por trás da escritora: quem é Heloisa Prazeres em sua essência?

Heloisa- Entendo que a minha personalidade deriva de um lar harmonioso, formado por meus pais, Agrícola Santana Prata e Alzira de Oliveira Prata, família oriunda do estado de Sergipe, primeiros imigrantes, atraídos pela notícia do Eldorado no Sul da Bahia.

A consolidação de minha adolescência — final dos anos 1950-1960– deu-se na cidade natal, Itabuna, Ba. Lugar, então, próspero, economia criativa e pioneira no cultivo das roças de Cacau, que conheci como lugar referencial, fazendas de meu tio Raimundo de Oliveira Cruz.

Por iniciativa de meus pais, ambos conscientes da importância da educação, sou fruto da educação formal do Colégio Ação Fraternal de Itabuna e, musicalmente, do coral da maestrina Profª Zélia Lessa e das Professoras de piano Gladys e Lourdes Dantas. Recordo, em minha adolescência, os espetáculos colegiais da cidade, as apresentações de canto regidas pela Professora Maestrina Zélia Lessa, a quem devo a iniciação musical.

Então, fascinavam-me as canções folclóricas, considerava encantatória a mistura entre as palavras e as sonoridades, embora não alcançasse esclarecer bem sua complexidade. Peças do folclore nacional, notadamente de Villa Lobos.

 

Nos verões desta citada faixa de tempo, fui habitante temporária da paisagem da Mata Atlântica Costeira, frequentei Olivença, Pontal de Ilhéus e Barra de Itaípe, acompanhada pelos meus pais, irmãos, avós, tios e primos da família Oliveira João Manuel e Georgina Oliveira Cruz.

Itabuna, no final dos anos 50, era esse burgo de vocação agro-comercial; quem tinha alguma atividade criativa beneficiava-se dos eventos promovidas pelas quermesses juninas e natalinas, mais das vezes sob a liderança do historiador popular, agitador cultural, meu saudoso tio, José Dantas de Andrade.

Outras opções, às quais me foi dado acesso, o Centro Cultural da cidade, onde ouvia e assistia, em arrebatada suspensão, ao poder da oratória e da recitação de poetas condoreiros. Pela primeira vez, ouvi a voz de nomes baianos de impacto nacional, especialmente o fervor e lustre das Espumas flutuantes, de Castro Alves. Como tinha não muito mais que uma dezena de anos, e ali era levada pela sede de conhecimento de outro dos meus mentores, João Martins de Oliveira, meu tio, era a atmosfera e a musicalidade que permanenciam, formando-me o gosto e fazendo emergir o prazer da convivência e a talvez prematura indagação sobre arte, poesia e vida criativa. Ali escutei fascinada versos do poeta da cidade, Firmino Rocha, de sua hoje coleção, O canto do dia novo. Ali ouvi sonetos majestosos do grande Sosígenes Costa, nosso bardo maior.
Esses são feitos, fatos, pessoas e lugares que me constituíram na infância e adolescência.

Poeticamente, fiz o registro desta pequena história e do meu precoce gosto literário:

 

Diáspora ao Sul da Bahia

A Georgina e Luís Manoel Oliveira Cruz

com essa luz de olhos já antigos

acolho o legado de adereços

(no trânsito do clã dos Oliveira)

herdei candeias de janelas móveis

de leves ou maciços parapeitos

déco importado de além-mar

frisos de envieses e ornamentos

colho o saber da estirpe nortista

do feudo de Georgina e Luís

espelho-me em retinas centenárias

(coleção de memórias rurais)

primeiro a dispersão e o rumo

 a outro destino − novo estado

nas pegadas de Sumé ao eldorado

matriarcas aurora Alzira Amélia

meninas gêmeas Lourdes/ Louralina

caçula Sula como o nome

viajante de olhos capitais

 na arribação fora determinado

 avós deixaram sítios das suas terras

 nortistas rumo ao dourado porto

 do jequitibá

 sementes do fruto pariram burgos

(Tabocas Almadina Arataca

Água Preta Camacã Itajuípe)

e a razão marginal: um topônimo Tupi

pedra preta lar Itabuna

ouro antigo de cascas brunidas.

 

Raquel- Quando foi que a literatura entrou em sua vida? Lembra do primeiro livro que leu e lhe marcou?

Heloisa: No alvorecer da década de 1960 e visando ao aprimoramento dos nossos estudos, minha família veio para Salvador. Vivemos no bairro dos Barris. Meu pai deslocando-se para a cidade baixa, para a matriz do Banco da Bahia, para onde viera transferido, e minha mãe a experimentar mais um deslocamento na sua já assinalada experiência de exílios. Sua alma revelava a angústia das separações, daí a presença da poesia, o gosto pela declamação e pelo canto, em sua linda voz de contralto. Talvez daí o meu gosto secundário pela música. Vivendo em Salvador, a partir de 1961, Estudei no Colégio Severino Vieira, onde alcancei a aproximação do coral da instituição e do reclamo de aperfeiçoamento do gosto artístico e literário, tendo como Professora de português Dona Belmira, leitora de Os Lusíadas, de Luís de Camões, educando-nos pelo ouvido.

Poucos anos depois, no colégio Central da Bahia, à época ainda um celeiro de novidades − conheci a geração seguinte à que promovera o histórico processo de renovação e conceituação vanguardista da cidade de Salvador. Minha casa, as mais duradouras amizades, o centro de minha juvenil emoção, encontra-se derramado nas experiências de acesso aos espaços culturais de então: sessões do cinema de arte do Cine Guarani, no coração da cidade, em frente à Praça Castro Alves; frequência ao teatro Vila Velha, que marcou o momento cultural brasileiro e albergou movimentos sociais; auditório da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, espaço de intensa movimentação e divulgação culturais, conferências, debates, recitais, concertos e simpósios; Livraria e Editora Progresso, única editora baiana, a publicar textos· de ciências sociais, filosofia, ensaios literários, romances e livros de poesia. Por meio das edições dessa livraria e secundando os passos de meu irmão, poeta Alitano, Renato de Oliveira Prata, fui formando e aprimorando o meu gosto literário, iniciado nas estantes familiares da minha família de leitores.

 

Raquel- Como foi o início da sua trajetória acadêmica e literária?

No curso de Letras Vernáculas, com Inglês, da Universidade Federal da Bahia, UFBA, e, muito na sequência, após o Bacharelado, fui monitora junto à cadeira de Literatura Portuguesa, a convite dos saudosos mestres Hélio Simões, conquistador de audiências pela singular recitação da Cantigas de Amigo e Amor da tradição ibérica, e da saudosa Jerusa Pires Ferreira, ambos me incentivaram à concorrência ao ingresso no Departamento de Vernáculas. Concomitantemente, na Universidade Católica de Salvador, onde, como jovem professora, convivi com duas mestras da língua e literatura nacional, Joselita Castro Lima e Terezinha Moreira. Literariamente, nos anos 1970, e em companhia de Jamison Pedra, meu esposo, já falecido, companheiro de mais de meio século, escrevi os versos que constaram do desfecho da película/ curta-metragem “Caranguejomem”, que logrou o 5° Prêmio Nacional no Festival Brasileiro de Cinema Amador (Jornal do Brasil). Incentivada pelos mestres aqui citados, produzi os primeiros artigos, publicados no Suplemento de Cultura do Jornal Tribuna da Bahia. Em meados dos anos 1970, comecei a perceber e a assumir com mais consciência um papel intelectual, como escritora e também Professora do Curso de Graduação em Letras. Tal perspectiva, dirigiu-me ao comparativismo, orientada pelos saudosos mestres, Cláudio Veiga, Antônio Barros, Davi Salles e Ildásio Tavares; tal escolha viria a tornar-se a metodologia de trabalhos futuros, desenvolvidos nos cursos de pós-graduação, dentro e fora do país, quando me foi dada a experiência de viver, no gelado centro-oeste norte-americano, na cidade de Cincinnati, EUA. Então, professora universitária baiana, com minha família, já no formato que permanece, vivemos com nossos três filhos, Letícia, Ana e Daniel, em idades entre doze e dois anos. Na vigência do curso, fui orientada pelos mestres, Edward Coughlin, Juan Valencia e pelo hispanista Donald Bleznak. Essa experiência foi recolhida em alguns poemas.

Raquel- Além da escrita, que outras paixões ou interesses fazem parte da sua vida?

Encontro-me naturalmente ligada à área de Letras e Artes. Em verdade não tenho outro forte interesse, senão os versos livres, plenos de ritmo, musicalidade, plasticidade. Gosto de ler, de experimentar, crio efeitos sinestésicos, com o entrecruzamento de sensações e sentidos nos planos semântico e sintático. A pulsação da vida em algum momento alcança voo, por meio da musicalidade que imprimo aos versos. Portanto, poesia, leitura e música.

 

Raquel- Há algo que você goste profundamente — e algo que não goste muito?

Sim. Gosto muito de ler me acalma e me auxilia no processo imaginativo, bem como aumenta a minha capacidade de memorização, pois gosto muito de recitação. Caminhar, estar em contato com a natureza, me permite refletir. Cinema, Teatro são expressões de arte que muito aprecio, bem como a música, que me ajuda na escrita, na recordação e no registro de pensamentos e percepções. Valorizo a conversa com amigos e o tempo de intimidade e solidão. Por outro lado, não gosto de eventos sociais de grandes proporções. Canso-me e desejo seu rápido desfecho.

 

Raquel- Se tivesse que descrever sua personalidade em poucas palavras, como se definiria?

Creio que sou uma mistura de pessoa comunicativa, mas também sensível e intuitiva . As pessoas me consideram intelectual e emocional ao mesmo tempo.

Raquel- Você se recorda de algum conselho que recebeu e que a acompanha até hoje?

Vivi a juventude na década de sessenta, prezo a liberdade e a justiça social. Meu tempo foi marcado por grandes mudanças sociais e culturais. Pessoalmente, admiro e conservo conselhos e valores de liberdade e busca por novas experiências. Também fui principalmente aconselhada a valorizar a autenticidade e procurar a realização pessoal por minha mãe e por minhas muitas tias. Não me afasto muito desta visão de mundo.

Raquel- Em sua trajetória, houve algum momento de desafio que a marcou profundamente? Como o superou?

Sim. Vivi nos EUA a experiência da incomunicabilidade, o luto moral das desavenças entre raças. Como brasileira, creio nas amplas relações inclusivas e miscigenadas. A minha herança cultural e as convicções que defendo, sempre me ajudaram na superação desses choques culturais.

Raquel- Que temas ou preocupações mais atravessam sua obra?

A minha poesia aborda temas universais. Ressalto o amor, a amizade, a maternidade, perdas, deslocamentos, a relativa incomunicabilidade, o luto moral, a história, a natureza, o mundo digital, as relações possíveis na contemporaneidade e a globalização. As ideias resultam da minha vivência social e intelectual com base nas percepções da cidadã, poeta, mulher, docente e intelectual. Há um apelo de imagens e temas próprios dessas vivências. Lembro, ainda, que a  poesia está do lado do ser e contra o seu aniquilamento. Cito o verso de Hölderlin, presente no poema Recordação: O que resta, porém, fundam-no os poetas.

 

Raquel- Quando escreve, busca mais expressar o que sente ou compreender o mundo ao seu redor?

A linguagem poética, em verdade, ultrapassa a função comunicativa, transformando-se em objeto artístico, mediante o desvio e a contaminação semântica, ou seja, poesia implica texto onde a linguagem é explorada em todas as suas dimensões. A subjetividade será sempre filtrada pela intencionalidade.
Mas como escritora do gênero lírico, posso dizer que a minha escrita é o esforço de uma individualidade feminina na direção daquilo que me cerca. Como disse Theodor Adorno, a dimensão subjetiva está apegada à expressão lírica, tanto quanto a sociedade, ou seja, embora pareça distante da esfera social, a lírica, na verdade, carrega em si as marcas da experiência socialmente experimentada.

Raquel- Como vê a relação entre dor e beleza na criação literária?

Desde a modernidade, a beleza não mais se limita ao ideal clássico. Hoje, a busca pela beleza não dispensa o transitório ou o circunstancial; a relação entre dor e beleza é de complementaridade e interdependência.
Não mais um obstáculo à beleza, a dor torna-se um meio de alcançá-la, revelando novas dimensões da experiência humana. Por exemplo, na poesia de Cecília Meireles, há uma relação complexa e paradoxal. A poeta explora a beleza presente no sofrimento, na decadência, elevando o desgosto e as mais humanas condições a distintos patamares temáticos. Porque a poesia é necessária mesmo em tempos de guerra.

Raquel- O que significa, para você, ser poeta em um mundo tão acelerado como o nosso?

Ser poeta exige o encontro e a demonstração de que há espaço para a reflexão e a expressão da sensibilidade, sempre e em quaisquer circunstâncias. Será necessária a dedicação ao tempo da escrita e da leitura e, mais das vezes, será possível encontrar momentos de quietude para a observação. No mundo contemporâneo, a atividade da poesia é de transformação, ou seja, a mudança do cotidiano em arte, em momentos simples do dia a dia que se transformem em poemas. O poeta confronta a dificuldade; cultiva a observação do cotidiano; observa a vida com um olhar interrogativo e questionável e encontra a natureza, nela reconhecendo fontes de observação (seus ciclos, cores e sons). Afinal, os filósofos compreendem a necessidade e incentivam a prática da poesia mesmo em tempos de guerra.

Raquel- Que valores ou princípios considera essenciais para a vida?

Na qualidade de cidadã, consciente da importância da vida em sociedade, comungo com o sistema estabelecido com a finalidade de possibilitar socialmente a vida, a saber, basicamente: honestidade, respeito, justiça, liberdade e amor.

 

Para você, qual o sentido da vida ?

Uma vez que encontro significado na experiência da vida e construo a minha visão impressa em tudo aquilo que publico, em verdade, com base nessa experiência, de mais de quarenta anos de trabalho, posso admitir o sentido da vida como criação, ou seja, uma vida cuja razão e significado têm sido dados pela poesia, que assino. Entendendo-se, portanto, que a poesia não compreende apenas um determinado gênero, mas, também, um esforço “poiético” de transfiguração da existência em formas ou da metamorfose da experiência existencial em palavras. Minha relação com o mundo e comigo mesma, o sentido da vida, liga-se à capacidade autoral de inventar, divulgar e tocar o mundo por meio da arte.

 

Salvador, 01/07/2025

Heloísa Prata e Prazeres

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DISCURSO DE RECEPÇÃO DA POSSE DE RENÉE ALBAGLI – Tica Simões

Boa noite,

Excelentíssimo Presidente da Academia de Letras de Ilhéus, confrade Prof. Josevandro Nascimento, através de quem saúdo os ilustres integrantes desta mesa, as autoridades aqui presentes ou representadas, os confrades, os uesquianos, os amigos; enfim, a todos senhores e senhoras.

Os vagalumes desta noite
iluminam minha noite
e me emprestam
sua luz e suas asas.
Então, feliz,
a estrada clareada,
eu vou te ver.
Valdelice Pinheiro

E aqui estamos, felizes e honrados, Professora Dra. Renée Albagli Nogueira, por recebê-la nesta Casa, onde ocupará a cadeira de nº 32, anteriormente do saudoso e ilustre Prof. Soane Nazaré de Andrade, homem que orientou a vida para a realização do sonho do ensino superior na região e soube distinguir, nas brumas de cada manhã, qual a direção do sol… e andar para lá!

Este é um dos momentos mais ritualísticos e significativos desta Casa de Abel; ato de acolhimento e recepção, enriquecimento da sua confraria; momento de relembrar e dar continuidade à sua própria história. E é uma história que tem buscado, a cada dia, a preservação da memória de Ilhéus. Aqui, é lugar de diálogo, de criação, onde intelectuais das diversas áreas do saber trocam conhecimento e experiências em torno de uma visão ampla da cultura nos seus aspectos literários, artísticos, sociais, educacionais, históricos e das tradições. Aqui, é lugar de convivência respeitosa das diferenças, que fazem a riqueza da multiculturalidade deste país.

Por esses propósitos, é que digo da grande emoção e alegria com que esta confraria, hoje, a recebe, professora. Somos conhecedores do seu idealismo; uma vida dedicada a realização de sonhos e projetos de futuro, voltados para o desenvolvimento educacional, cultural e social desta região.

Assim pensando, tomo os versos de Ricardo Reis, e digo:

Para ser grande, sê inteiro:
nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
no mínimo que fazes.
Assim, em cada lago,
a lua toda brilha,
porque alta vive.

 

Assim é! …
Renée Albagli Nogueira é, ilheense, filha de Isaac Albagli e Rosa Chicourel Albagli, nascidos em Izmir, na Turquia. O casal migrou para o Brasil nas primeiras décadas do sec. XX, aqui constituindo a sua família. Casada com Cláudio Nogueira, é mãe de Claudinha, e é avó de Luís Fernando e Isabel. Uma linda família que, neste momento, cumprimento e parabenizo.

Renée Albagli Nogueira é graduada em Biologia, pela Universidade Santa Úrsula, do Rio de Janeiro, com especialização em Genética na Universidade Católica de Minas Gerais e na Unicamp. Fez especialização e mestrado em Gestão Universitária, na Universidade Estácio de Sá, sendo a última etapa na St. Paul University, em Chicago (EUA). Defendeu o Doutorado em Educação, na Universidade Federal da Bahia.

Na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna – FESPI, foi professora titular, diretora acadêmica, diretora de graduação e extensão. Em 1996, tornou-se a primeira reitora eleita da Universidade Estadual de Santa Cruz, tendo permanecido no cargo até janeiro de 2004, quando terminou seu segundo mandato. Integrou o Conselho Estadual de Educação (CEE), sendo presidente por dois mandatos e atuando sempre na Câmara de Educação Superior. Após concluir o reitorado na UESC, foi Assessora Especial da Secretaria de Ciência e Tecnologia.

Atualmente, presta assessoria e consultoria na área do Educação Superior. Em reconhecimento à sua brilhante trajetória, tem recebido comendas e honrarias. Dentre outras, aqui destaco o grau de Comendadora, outorgado pelo governador do Estado, em 1998. Recentemente, em 2024, recebeu a medalha Jorge Amado, outorgada pela Academia de Letras de Itabuna.

A sua produção de discursos, pronunciamentos, artigos e relatórios comprovam essa vasta experiência.

Entendemos que a propriedade da Profa Dra. Renée Albagli Nogueira ocupar a cadeira de número 32, desta Academia, é inquestionável, ela que esteve ao lado do Prof. Soane Nazaré de Andrade desde os primórdios do sonho do ensino superior na Região.

A trajetória de luta foi de muitos idealistas, mas foi no seu reitorado, que aconteceu o salto de federação de escolas superiores para universidade!

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

Essa primeira estrofe do poema Infante, de Fernando Pessoa, em Mensagem, me remete às trilhas da realização, como foi…“desvendando a espuma”.

E tudo começou em 1974 quando, convidada pelo prof. Soane Nazaré de Andrade, a profa. Renée ingressou na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna – FESPI como sua assessora direta, integrando a Comissão de Assessoria e Planejamento – CAP. Aí atuou por dez anos, responsável pelos projetos de novos cursos.

Com a saída do Prof. Soane da direção geral, continuou integrando a administração superior, nos mandatos dos professores Aurélio Farias de Macedo e Altamirando Marques.

Naquele mesmo tempo, a luta de idealistas – professores e estudantes – pela publicização do ensino, não cessava. Afinal, em 5 de novembro de 1991, através de decreto governamental, aconteceu a estadualização, sendo definida a área de atuação da Universidade Estadual de Santa Cruz, abrangendo o Litoral Sul e Extremo Sul do Estado.

No período de transição – reitorado pró-tempore -, foi Vice-Reitora do Prof. Altamirando Marques.

Em 1996, deu-se a eleição para reitor, um ano histórico!. Renée Albagli Nogueira foi eleita a primeira reitora da Universidade Estadual de Santa Cruz, por voto direto da comunidade acadêmica. Foi o início a uma administração que garantiu a consolidação e a expansão da UESC.

Como já dizia Paulo Freire (2000, p. 54), “os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas.”

Assim foi.

Claro está que era imprescindível à reitora empossada formar uma equipe que comungasse do mesmo sonho. Então, com a vicereitora Margarida Fahel, formou a sua equipe, cujo foco sempre foi a qualidade, visando à responsabilidade social da Instituição. E foram oito anos na Reitoria na UESC, tempo em que, com garra, visão e valentia, levou a antiga escola de ensino superior ao patamar de universidade.

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”

É fato que as marcas de uma trajetória, muitas vezes, ficam pelo caminho. Vão-se apagando com a poeira do tempo. É bem como diz o poeta José Delmo,

Se não vigiarmos a vida,
eles escreverão a história
e o futuro poderá neles acreditar.

Aqui, neste espaço de tempo, difícil será dizer todas as realizações do reitorado da Profa Dra. Renée A Nogueira. De saída, a todos vocês, recomendo a leitura dos vários relatórios das suas duas gestões, do período de 1996 a 2003. No entanto, não posso deixar de, muito rapidamente, referir algumas ações que garantiram a consolidação do projeto universitário.

Inicialmente, na universidade que se instalava, era urgente assegurar a massa crítica imprescindível para o seu credenciamento, pelo Conselho de Educação. Com aquele foco, foram criados o Plano de Capacitação Docente e o Projeto de Absorção de Doutores, que trouxeram competências do Brasil e do exterior para o quadro docente. Simultaneamente, a criação da editora da universidade – a EDITUS – veio assegurar a publicação da produção científica de docentes e discentes.

É também de destacar a significativa ampliação do leque de cursos de graduação e pós-graduação – especializações e mestrados -, nas várias áreas do conhecimento; a instalação de laboratórios para atender às atividades de ensino, pesquisa e extensão; a atenção em relação projetos culturais e de preservação da história.

Tanto a citar, que fica exaustivo, aqui, enumerar… Mas dos muitos cursos implantados na graduação e na pós-graduação, não posso deixar de fazer ressalva ao Curso de graduação em Medicina. É inesquecível a garra com que a reitora ultrapassou os inúmeros obstáculos que se apresentavam. Lembro que, em tempos, o Prof Soane já dizia: “quando Renée quer, saia debaixo…”

E foi mesmo assim… Não esqueço como aquela reitora vislumbrou e teve coragem; lutou arduamente e implantou o curso, tão necessário e desejado pela comunidade.

Claro que, também, teve o olhar atento para as condições físicas do campus. De alguns dos tantos e inúmeros feitos, são exemplos: o Centro de Arte e Cultura, onde funcionam a Biblioteca e um auditório com 1200 lugares, o restaurante universitário, os vários laboratórios… e muito, muito mais…

Vale ressaltar que todo o trabalho desenvolvido naquele período garantiu, em junho de 1999, o credenciamento da UESC pelo Conselho Estadual de Educação, o que assegurou a sua autonomia didático-cientifica.

Naquela época de tamanha luta, eu fazia minhas as palavras de Henfil:

“se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não
houver flores, valeu a sombra das folhas. Se não houver
folhas, valeu a intenção das sementes” .

Passados tantos anos, Profa Dra Renée Albagli Nogueira, o sentimento é de caminho percorrido, é de colheita dos frutos .

Depois daqueles idos de bota e barro, de plantio e construção, hoje temos um Campus que, conforme justo e certo, chama-se Soane Nazaré de Andrade.

Tenho a alegria de constatar que, àquele pequeno bando de sonhadores que integramos, se somaram outros que têm feito o grupo crescer e ficar mais rico e forte. Plural, como deve ser numa universidade. As árvores, que plantamos um dia, estão belas e frondosas, sombreando bancos, onde estudantes e professores sentam e trocam ideias – prática comum em locais democráticos…

Hoje, quando acompanho a colheita e sinto a sombra das folhas, a beleza das flores e o perfume dos frutos, digo-lhe, intrépida Reitora daquele então: valeu a pena! Valeu a intenção das sementes!!

Para finalizar, considero ainda imprescindível dizer da pessoa humana que é Renée Albagli Nogueira! Integra, ética, respeitadora das diferenças, idealista e pertinaz. Especialmente, a sua solidariedade é singular! E, com muito carinho, revelo que essas atitudes eram, também, como educava Claudinha, que me segredou das suas lembranças quando pequena: ”todos os dias, na hora de estudar, as palavras de ordem eram: responsabilidade, correção, pontualidade, liberdade com respeito!”

Ah… e saibam vocês… não é somente de educação e administração que ela entende, nãooo!! Tenho que revelar que é excelente anfitriã e adora receber com honras e circunstâncias!!

Claro está que essas rápidas referências naturalmente não esgotam o seu perfil e os seus feitos. Mas esta noite, além do lembrado e mencionado, é também para brindes e abraços…

Fato é que, nesse caminhar, querida Renée, amiga de tempos, de sonhos e lutas, aqui chegamos. E digo, tomando as palavras de Mia Couto,

“O que faz andar a estrada? É o sonho.
Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva.
É para isso que servem os caminhos; para nos fazerem
parentes do futuro”

Bem como dizia o seu amigo Ladislau Netto:

“Perseguir sonho é vida que segue”

Acreditando no sonho e vendo em você uma sonhadora contumaz, é que esta Casa de ABEL a recebe e acolhe, certa de que a sua presença aqui será de soma e acrescentamento. Com alegria, portanto, dizemos: Seja bem-vinda!

Maria de Lourdes Netto Simões
Cadeira 19.
Ilhéus, em 11 de julho de 2025.

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ENTREVISTA COM CLÓVIS JÚNIOR- Raquel Rocha

E N T R E V I S T A COM CLÓVIS JUNIOR

 

Nascido em Ibicaraí, Clóvis Silveira Góis Júnior construiu uma trajetória que entrelaça fé, memória, serviço e palavra. Leitor voraz, pesquisador dedicado, servidor público da Justiça do Trabalho há mais de três décadas e profundo conhecedor da história da região cacaueira, Clóvis é alguém que escreve para que o tempo não apague e para que as novas gerações saibam de onde vieram.

Casado com a pedagoga Iara Souza Setenta Góis e pai de Felipe e João Marcos, sua vida familiar é espelho daquilo que aprendeu na infância: valores como respeito, honestidade, solidariedade e temor a Deus. Esses mesmos princípios estão presentes em seus livros, nos perfis digitais que administra, como o @historiagrapiuna, e nos tantos registros que vem produzindo com esmero e constância.

Autor de A Gênese do Adventismo Grapiúna (2016), Sequeiro do Espinho: passos de um conflito (2020) e A História de Itabuna em 1.300 eventos cronológicos e ilustrados (2025), ele ocupa a cadeira nº 34 da Academia de Letras de Itabuna (ALITA), cujo patrono é o jornalista, político e escritor Jorge Calmon.

Nesta entrevista, a mim concedida com a dedicação que lhe é característica, Clóvis revela lembranças vívidas da infância em Palestina (Ibicaraí), fala sobre o papel da fé em sua formação, da influência dos pais, do amor pela história, da sua devoção à verdade, e da certeza de que “quem não vive para servir, não serve para viver”. O resultado é um retrato bonito e sincero de um homem que se comprometeu a deixar como legado não apenas livros, mas exemplos.

Raquel Rocha

Raquel Rocha (RR): Clóvis, você nasceu em Ibicaraí, mas carrega consigo todo um território simbólico da Região Grapiúna. Que imagens ou memórias da infância mais marcaram sua trajetória de vida?

Clóvis Júnior (CJ): Eu sou um pouco de tudo que vivi na meninice. Fragmentos de minha infância teimam em brotar nas minhas reflexões e ações. Pedaços do meu passado saltam a todo instante no meu caminho. Louvo ao Eterno por serem reminiscências aprazíveis e saudáveis. A feira livre da antiga Palestina. Os animais de carga descansando num curral circunvalado entre o leito do rio e o fundo do edifício do Cine Teatro Ana; esse redil, guardava as bestas, enquanto seus proprietários negociavam seus pertencentes na feira. Naquele ambiente vi e aprendi coisas inimagináveis para crianças de tenra idade. A beira do rio Salgado, principalmente em momentos de cheias, entre os meses de novembro e janeiro. O jogo de bola em campos improvisados e em locais ermos (futebol de várzea), onde quase sempre eu era o goleiro ou, quando dono da bola, poderia até ser convocado para jogar na linha. O cheiro do cacau mole nos cochos ou das amêndoas a secar na barcaça de pequena propriedade rural da família. O banho no ribeirão do Luxo, corrente d’água cristalina, piscosa e doce. A chuva intensa, quase o ano todo, a ponto de fazer suar as telhas de barro. As noites eram belíssimas, frescas, cheirosas, com mantos verdes de gafanhotos sobre os postes, atraídos pela energia elétrica, e mantos luminares de pirilampos (hoje quase extintos) a imitarem, na terra, estrelas do céu. Me pego ainda ouvindo os antigos conversando suas experiências, suas aventuras, suas mágoas, suas bravatas …

RR: Seu discurso de posse na ALITA traz um tom confessional e poético. Nele, você fala do cheiro do cacau seco, da jaca madura e da terra molhada. Que significado esses elementos têm na sua construção pessoal e literária?

CJ: Eu projeto o mundo hodierno, com base no meu antigo quintal. Aquele início comezinho e pueril delineou minha vida quase que por completo, deixando pouco espaço para adições do presente. Construo minha estrada dando passos para frente e também olhando para trás. Neste ponto penso como o poeta Manoel de Barros: “Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos”.

RR: Como sua família, especialmente, seus pais contribuíram para a formação do seu caráter e do seu olhar sobre o mundo?

CJ: Não consigo entender ou divisar um mundo justo e saudável sem que todos seus participantes exerçam princípios éticos. Aprendi em casa, no seio da família, o respeito, a lealdade, a honestidade, a equidade, o amor ao próximo, a solidariedade, o temor a Deus etc. Nunca ouvi meus pais pronunciarem qualquer palavra torpe, nunca. Uma certa feita, acompanhando meu pai à feira, encontrei, embolado no chão, uma nota de um cruzeiro. Meus olhos brilharam de alegria, prontamente meu pai ordenou que deixasse a cédula onde estava, pois o dono poderia vir ao seu encontro; tirando outra nota idêntica do bolso me restituiu aqueloutra. Pode existir um mulher-mãe igual a minha em zelo, trabalho, honestidade e preocupação com a prole, duvido que no universo inteiro exista outra maior. Não recebi um único bem material deles, nenhuma herança físico-monetária, porém seus princípios suplantam a tudo.

RR: Em que momento a fé e o amor pela história começaram a caminhar juntos na sua vida?

CJ: Em 2016, com a escrita do meu primeiro livro.

RR: O que mais o motivou a escrever A Gênese do Adventismo Grapiúna ?

CJ: A lacuna na historiografia. O Movimento Adventista estava presente na Região Cacaueira desde 1908, sem que existisse um escrito que relatasse a incursão dos primeiros missionários sabatistas nas roças de cacau.

RR: Em um depoimento seu sobre a Gênese do Adventismo Grapiúna, você afirmou que “cada pioneiro que morria levava parte da nossa história para o túmulo”. De onde vem esse impulso por registrar o que poderia ser esquecido?

CJ: Em minhas pesquisas, descobri fatos que ninguém conhecia, tanto no universo de membros da Igreja Adventista  (7.000 membros em Itabuna e 5.000 em Ilhéus), como na Região Cacaueira (centenas de milhares de habitantes). Histórias interessantíssimas, curiosíssimas e importantíssimas (de propósito utilizo o superlativo absoluto) caíram na vala do tempo ou foram sepultadas pela areia da história. Imbróglios políticos e sociais enormes seriam entendidos – e quiçá, resolvidos – se soubéssemos suas origens. Mas suas gêneses não mais existem. É necessário conhecer o passado para se responder perguntas e questões do presente. Se seus atores e protagonistas morrem, sem registrar ou contar o que ocorreu ou como aconteceu, e aí como fica?

RR: Como você percebe o papel da escrita como meio de resgate identitário e espiritual dentro da sua fé adventista?

O membro de qualquer denominação religiosa somente consegue amar e se esmerar em seu mister quando conhece aquele sacerdócio. Como dedicar sua vida, seu tempo, seu talento, e seu dinheiro em algo vazio que não sabe de onde veio nem para onde vai? Você só ama verdadeiramente aquilo que conhece. Eu amo a Cristo porque sei o que fez por mim, que abdicou do trono do universo, que se fez homem e quedou-se numa rude cruz em meu favor. Como não amar alguém que me ama tanto? Assim acontece do ponto de vista terreno. Você só ama aquela agremiação que se sente pertencente. Aí entra o conhecimento histórico. O conhecimento do processo formativo do Movimento. A missão e o alvo que o grupo iniciador fomentava. Que caminhos trilharam os pais adventistas para implantarem o Movimento no mundo e aqui na Região? Por que se submeteram a vir para um local extremamente perigoso e de difícil acesso? Que base bíblica possuíam para sustentar seus discursos? Qualquer fiel que conhece sua origem tende a ser um adorador de proa.

RR: O perfil @historiagrapiuna, no Instagram, tem sido um canal de educação histórica no ambiente digital. Como nasceu esse Projeto?

CJ: Da inexistência no Instagram de um perfil que se preocupasse com nossa rica história.  Surgiu durante o período da Pandemia da Covid-19, na minha ociosidade laborativa pecuniária. Hoje (maio/2025), são 11.000 seguidores. Considero um grande feito, em se tratando de um espaço que se ocupa da História, Memória, Literatura e Arte Regional Cacaueira.

RR: Você é um leitor atento e grato aos autores da Literatura Grapiúna. Que nomes mais o influenciaram e por quê?

CJ: Elencar nomes é certamente perigoso, corro risco de cometer graves injustiças. Mas, vejamos:

João da Silva Campos, que se preocupou em aglutinar registros hemerográficos regionais; Jorge Amado, o paladino da verve e dos tipos humanos grapiúnas; Cyro de Mattos, a maior representação viva da Literatura Cacaueira; Hélio Pólvora, um mágico das crônicas; Euclides Neto, cujos escritos falam da vida, da gente comum e ainda exalam a justiça social; Adylson Machado, dono de um vocabulário consistente e de uma escrita refinada; Sosígenes Costa, dificilmente surgirá outro igual.

RR: Você ocupa a cadeira 34 da ALITA, cujo patrono é Jorge Calmon. Poderia falar um pouco sobre seu patrono?

CJ: Calmon é baiano, nascido em Salvador, em 1915. Foi jornalista, político, escritor, historiador e professor. Escreveu e promoveu a cultura com afinco, a ponto de ser reconhecido como o último grande mecenas baiano quando nos deixou, em 18 de dezembro de 2006. Atuou no Jornal A Tarde, Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Academia de Letras da Bahia, Associação Baiana de Imprensa, Tribunal de Contas do Estado da Bahia e Assembleia Legislativa da Bahia. Estas são suas obras publicadas em vida: Sua bibliografia inclui: A Flotilha Itaparicana, Problemas da  Indústria do Jornal, Manoel Quirino, político e jornalista, Grã Colômbia Vista e Comentada: Notas de um cronista às vezes indiscreto, Imprensas Oficiais no Brasil: Aspectos de sua história e seu  presente, Conceito de História, A cara dos fatos, As Estradas Correm para o Sul: A migração nordestina  para São Paulo, Promessas se Pagam com Pedra e Cal:  Crônicas de viagem, Santo Amaro: Devoção de José Silveira e A Revolução Americana.

 RR: Que papel sua família tem na sua caminhada?

CJ: A importância benévola dos meus pais foi imensa. É aflitivo para o ser humano não ter sido oriundo de uma família equilibrada que lhe serviu de base, de norte e de aio. Agradeço ao Eterno por ter me concedido tal mercê.

RR: Como você vivencia a transmissão de valores dentro da sua casa? Há ensinamentos dos seus pais que hoje você busca passar aos seus filhos?

CJ: Penso nisto todos os dias. Na verdade, em tudo que faço procuro repeti-los no seio familiar.

Por fim, o que você espera que permaneça de sua contribuição — não apenas como escritor ou historiador, mas como homem, cidadão e servo de Deus?

CJ: Anelo não ser pedra de tropeço. Espero ser, mesmo de forma pálida, um imitador do Cristo. Raquel, quem não vive para servir, não serve para viver.

Deuteronômio 16:19, serve como um lema para todo o que defende o ideal cristão: “Não pervertam a justiça nem mostrem parcialidade. Não aceitem suborno, pois o suborno cega até os sábios e distorce as palavras dos justos”.

 Entrevista publicada em 20 de maio de 2025.

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A GAROTA IDEAL: AFETO, EMPATIA E CURA- Por Raquel Rocha

A Garota Ideal- Afeto, empatia e cura


*Por Raquel Rocha

Dirigido por Craig Gillespie, Lars and the Real Girl, em português:  A Garota Ideal de 2007, é uma obra delicada, inesperada e humana. Estrelado por Ryan Gosling em uma das performances mais sutis e comoventes de sua carreira, o filme nos convida a mergulhar nos silêncios e nas dores de um personagem cuja fantasia não é fuga, mas sobrevivência.

A história parte de uma premissa que, a princípio, parece absurda: Lars, um jovem tímido e retraído, apresenta à família sua nova namorada, Bianca, uma boneca inflável adquirida pela internet. O que poderia facilmente descambar para a comédia grotesca ou para o humor fácil, se transforma, sob a direção sensível de Gillespie e o roteiro inteligente de Nancy Oliver, em uma fábula moderna sobre solidão, saúde mental, vínculo e, sobretudo, empatia.

Não sabemos se Lars acredita genuinamente que Bianca é real. Talvez ele tenha algum nível de consciência de que Bianca não é real, um tipo de insight fragmentado, mas prefere manter a ilusão como uma forma de se proteger emocionalmente. Bianca simboliza tudo o que ele nunca teve: uma figura de cuidado, acolhimento e aceitação incondicional. Para ele, que apresenta características compatíveis com um transtorno de personalidade esquizoide, a boneca não é um fetiche, mas um objeto transicional tardio, nos termos de Winnicott: uma ponte simbólica entre o isolamento e a possibilidade de se vincular ao outro.

A atuação de Gosling é comedida e cativante. Com gestos mínimos, olhares perdidos e falas pausadas, ele constrói um personagem que, mesmo preso em seu mundo interno, comove profundamente o espectador, despertando compaixão sem jamais recorrer ao sensacionalismo.

Outro acerto do filme é a forma como retrata a psicoterapia. A médica Dagmar (Patricia Clarkson) compreende o delírio não como algo a ser reprimido, mas como um pedido de ajuda. Em vez de confrontar Lars com a “verdade”, ela propõe que a família e a comunidade entrem na fantasia, não para sustentá-la indefinidamente, mas para permitir que ele, no tempo dele, reencontre a realidade.

E a comunidade acolhe a fantasia de Lars. Esse talvez o elemento mais utópico e mais bonito do filme. Os vizinhos, colegas de trabalho e membros da igreja decidem não ridicularizar Lars, mas abraçá-lo. Levam Bianca ao salão, à escola, à festa, aos encontros sociais. A boneca é tratada como um ser humano, e esse gesto, que beira o absurdo, revela a beleza do cuidado coletivo.

No clímax do filme, quando Lars começa a se despedir de Bianca, é como se estivesse finalmente pronto para nascer para o mundo . Um nascimento simbólico, doloroso, mas possível, porque foi gestado no útero do acolhimento, da aceitação e do amor.

A Garota Ideal é um filme que desarma. O que parece ser uma bizarrice se revela uma prece. Um lembrete de que há, sim, muitos Lars entre nós, pessoas que silenciosamente carregam traumas, medos, dificuldades de se vincular. E que não precisam de confronto ou exclusão, mas de acolhimento e tempo. Em um mundo apressado para julgar, A Garota Ideal pede paciência. E nos mostra, com poesia e compaixão, que amar alguém, mesmo quando é difícil compreendê-lo, pode ser o início de toda cura.

 

*Raquel Rocha é Psicanalista, Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia, Saúde Mental,  Neuropsicologia e Terapia Familiar.

 

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DISCURSO DA PROFESSORA RENÉE ALBAGLI NOGUEIRA QUANDO DO RECEBIMENTO DA COMENDA JORGE AMADO, OUTORGADA PELA ALITA.

DISCURSO DA PROFESSORA RENÉE ALBAGLI NOGUEIRA QUANDO DO RECEBIMENTO DA COMENDA JORGE AMADO, OUTORGADA PELA ALITA.

Local: Auditório do Centro de Arte e Cultura Governador Paulo Souto, na Uesc, campus Soane Nazaré de Andrade

Data: 11 de outubro de 2024.

  1. Senhora Presidente da Academia de Letras de Itabuna, Raquel Rocha, através da qual cumprimento os componentes da mesa,
  2. Senhor Presidente de Honra desta academia, Cyro de Mattos, através de quem cumprimento os demais acadêmicos,
  3. Senhoras e senhores,

       Boa noite!!!!

O momento é de Gratidão e Compartilhamento.

Gratidão à Academia de Letras de Itabuna – ALITA -, sob a liderança de Rachel Rocha, sua ilustre Presidente, que me concede esta homenagem através da sua mais alta honraria, a Medalha Jorge Amado, ícone da cultura regional, cujas obras literárias traduzidas em muitos idiomas, são conhecidas nacional e internacionalmente.

Tenho a intenção de ser objetiva, mas não perder o essencial.

Nesta fala de hoje, pretendo me concentrar na “Responsabilidade Social da Universidade”, com um recorte dos principais projetos desenvolvidos nas minhas gestões como Reitora da UESC (1996/2000 e (2000 /2004) e a participação de alguns colegas, cuja atuação tem expressão para a ALITA, por estarem entre os seus integrantes.

É mister aplaudirmos os pioneiros da Educação Superior de nossa Região, que sob a liderança de Soane Nazaré de Andrade constituíram uma Comissão para elaborar o projeto da FESPI, Érito Francisco Machado, Flávio José Simões Costa, Helena dos Anjos Souza, Manoel Simeão da Silva, Rosalina Molfi de Lima e a grande poeta Valdelice Soares Pinheiro.

E tantos outros pioneiros da Educação Superior da região que eram docentes das unidades isoladas e que se tornaram os primeiros professores da FESPI, nos idos de 1974.

Quero também compartilhar este reconhecimento com a Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, instituição que dediquei muitos anos da minha vida.

A grandiosidade desta obra se eterniza como símbolo de esperança para as gerações sucessivas de jovens que buscam o conhecimento, como forma de autoafirmação e conquista de um futuro melhor

Convidada por Soane Nazaré de Andrade, ingressei na FESPI, em 1974. Fui sua assessora por dez anos, integrando a Comissão de Assessoria e Planejamento – CAP.

A história da Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, tem seu marco fundamental quando, em 1974, as faculdades isoladas existentes em Ilhéus e Itabuna, ou seja, Faculdade de Direito de Ilhéus, mantida pela Sociedade Sul Bahiana de Cultura (criada em 1960), Faculdade de Filosofia de Itabuna – FAFI (criada também em 1960) e a Faculdade de Ciências Econômicas de Itabuna (1970) decidem reunir-se numa Federação de Escolas Superiores.

A Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna, então denominada FESPI, teve o funcionamento aprovado por decisão do antigo Conselho Federal de Educação – CFE.

A época, para o reconhecimento de toda a região e um compromisso com a história, merece destaque José Haroldo de Castro Vieira, então Secretário-Geral da CEPLAC. Ele era incansável no apoio à FESPI e foi o responsável por suas primeiras edificações, onde se inclui a torre de seis andares, que abriga a administração superior da UESC, e que Soane Nazaré de Andrade, com muita justiça, o denominou Edifício José Haroldo de Castro Vieira.

Nos idos de 1988, a região cacaueira foi abatida por forte crise financeira, em decorrência da “vassoura de bruxa”, e esta crise teve repercussões, também, na FESPI. Foi quando, em 1989, ocorreu a estatização da FESPI, com a criação de uma fundação de direito público, a Fundação Santa Cruz – FUNCRUZ, no governo Waldir Pires, fundação esta que realizava a transferência de recursos financeiros para a FESPI. Era a transitoriedade de um modelo original de fundação privada para fundação pública.

Mas foi em 1991, através de uma mensagem à Assembleia Legislativa do estado da Bahia, que o Governador Antônio Carlos Magalhães assina em 5 de novembro, no Dia da Cultura, a extinção da FESPI e a criação da Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, incorporando a manutenção da Universidade ao orçamento do estado da Bahia.

A missão da nossa gestão era preparar a UESC para seu primeiro Credenciamento como Universidade pelo Conselho Estadual de Educação CEE/BA, honrosamente presidido pelo Conselheiro Rogério Vargens.

No período da nossa gestão de 1996/2004 foram implantados os seguintes Cursos de Graduação:

Em 1997, Medicina Veterinária;

Em 1999, Ciência da Computação, Ciências Biológicas, Comunicação Social e os Bacharelados de Física, Matemática e Química;

Em 2000, Ciências Contábeis;

Em 2001, Medicina;

Em 2003, Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais;

Em 2004, Biomedicina, Educação Física e Engenharia de Produção e Sistemas.

A implantação do Curso de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais (LEA), na UESC, em Convênio com a Universidade La Rochelle, na França, constitui-se uma experiência pioneira para ambas as partes, já que o eixo da cooperação, totalmente inovador, sendo o primeiro curso, no Brasil e na América Latina, a apresentar particular flexibilidade em seu desenvolvimento. Visa preparar profissionais com formação linguística, humanística e técnica.

Com o Curso de Engenharia de Produção e Sistemas, a UESC inaugurou uma nova vertente no campo científico e tecnológico. Com isso, habilitou-se a promover iniciativas conjuntas com o setor produtivo, visando a inovação de serviços e produtos.

Dirijo-me agora ao Senhor Francisco Valdece Ferreira de Souza, Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna, instituição que tenho a honra de compartilhar este reconhecimento. A importância dessa instituição foi muito bem destacada pela ALITA.

Neste momento, eu compartilho o reconhecimento, falando da grande contribuição da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna, em 2001, e em todos os anos subsequentes, para a implantação do Curso de Medicina na UESC.

Foi a primeira instituição que fizemos a parceria e o Senhor Edmar Margotto, Provedor em 2001, foi incansável no seu apoio.

Merece registro, também, a Professora Dra. Mércia Margotto, que como primeira Coordenadora do Curso de Medicina, reuniu uma equipe médica exemplar, que possibilitou a implantação do curso, o primeiro em uma instituição pública, depois da UFBA.

O Diretor-Médico à época era Paulo Bicalho, que integrou o corpo docente do Curso de Medicina e muito se empenhou para sua implantação.

Destaco primeiro, a Professora Margarida Cordeiro Fahel, Vice-Reitora da UESC, em dois períodos consecutivos, de 1996 a 2004, com quem compartilhei todas as lutas e todas as conquistas para a UESC. Além de Vice-Reitora, havia atribuições de acompanhamento de projetos importantes em desenvolvimento na UESC, que exigiam um olhar cuidadoso da administração superior.

Desde a antiga FAFI, Margarida Cordeiro Fahel foi Professora Titular de Literatura Brasileira.

Foi Coordenadora Editorial da Revista FESPI e da Revista Especiaria, periódicos científicos da Universidade.

No Conselho Estadual de Educação, CEE-BA, de 1998 a 2006, onde compunha a Câmara de Educação Superior, foi Vice-Presidente.

Margarida Cordeiro Fahel ocupa a cadeira nº 12 da Academia de Letras de Itabuna, ALITA.

É escritora, romancista. Tem várias obras publicadas, e aqui, eu destaco o romance A Casa da Esperança não era Verde, uma história ficcional, amparada em bases históricas, no que se refere ao tema, e que acompanha a humanidade em sua trajetória. O tema da orfandade ou da “pseudo-orfandade”. Neste romance percebemos inteligência, profunda sensibilidade e humanidade, qualidades que se parecem muito com as qualidades da autora.

Destaco o Professor Dr. Alessandro Fernandes, Reitor da Universidade Estadual de Santa Cruz. Ele é poeta e sob seu comando caminha com galhardia a UESC, pela sua competência, desvelo e grande compromisso institucional.

Podemos dizer que tudo valeu a pena. A Região Cacaueira, embora com percalços econômicos, ostenta um dos seus grandes patrimônios: a Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC.

Na UESC, depositam seus sonhos 12.237 estudantes de graduação; 666 de pós-graduação, em nível de mestrado; e 481 estudantes de doutorado.

A UESC oferece 34 Cursos de Graduação, sendo 12 licenciaturas e 22 bacharelados.

Desenvolvem as atividades acadêmicas de Ensino, Pesquisa e Extensão 749 professores, sendo 549 doutores e 200 mestres.

Avaliada positivamente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), vinculada ao Ministério da Educação, a UESC tem, entre seus programas, um com nota 6 e oito programas com nota 5.

Trabalha com a universalidade do conhecimento, destacando-se, na pesquisa, com projetos importantes de inserção regional, sem perder a perspectiva dos temas globais.

Sua produção científica, em 2023, foi de 753 artigos e 390 Anais de Eventos.

Número de dissertações e teses defendidas nos Programas de Pós-Graduação da UESC: no mestrado 2904 e no doutorado 473.

Outro ponto a ser destacado na administração do Professor Alessandro Fernandes é o seu cuidado com a preservação da história e memória institucional, inaugurando na sua primeira gestão, uma galeria dos  ex-dirigentes da FESPI/UESC, ponto que considero relevante e uma importante responsabilidade social da Universidade.

Maria de Lourdes Netto Simões (Tica Simões) é pesquisadora e ensaísta, Doutora e Pós-Doutora em Literatura Comparada e Turismo Cultural (UNL, Portugal). Tem produção científica com livros, artigos e documentários na sua área de atuação.

Na nossa primeira gestão foi Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação (1996/2000.) Coordenou o Programa de Absorção de Doutores (PAD), primeira política pública responsável pelo fortalecimento científico e tecnológico da UESC, importante responsabilidade social da Universidade.

Ao Programa de Absorção de Doutores somou-se o primeiro concurso público da UESC, exclusivamente, para mestres e doutores, com 150 vagas, considerado, à época, o maior Concurso Público Universitário no País. Esse concurso foi liderado pela querida Professora Norma Vídero, Pró-Reitora de Graduação, aqui presente, e pelos Departamentos da UESC.

Nesse período de 1996/2004, foi impulsionada a pós-graduação, implantando-se seis mestrados: Cultura e Turismo; Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente; Genética e Biologia Molecular; Zoologia Aplicada; Produção Vegetal; e Sistemas Aquáticos; e mais dois doutorados, os primeiros da UESC: Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente; e Genética e Biologia Molecular.

Maria Luíza Nora de Andrade é pedagoga, com área de concentração em Sociologia, Mestra em Cultura e Turismo. Foi a primeira Diretora da Editus, Editora Universitária, implantada na nossa gestão.  A Editus foi pensada não só para a produção acadêmica, sua principal missão, mas também para atender a escritores regionais.

Ruy do Carmo Póvoas é licenciado em Letras, Mestre em Letras Vernáculas, Doutor Honoris Causa pela UESC.

Na nossa gestão, Ruy do Carmo Póvoas fundou o Laboratório de Redação e o Núcleo de Estudos Afro-Baianos Regionais – Kàwé, da Universidade Estadual de Santa Cruz, do qual foi coordenador durante dezesseis anos, sendo editor do Jornal Takada, do Caderno Kàwé e da Revista Kàwé.

Com vasta produção literária, que inclui prosa e verso, Ruy Póvoas ocupa a cadeira 18 da Academia de Letras de Ilhéus e é membro-fundador da Academia de Letras de Itabuna.

Em conformidade com as posturas sugeridas em nível nacional, a UESC manteve a política de participação dos Programas Extensionistas Interinstitucionais que estabelecem o intercâmbio entre o conhecimento científico e as práticas sociais, contribuindo com os processos de desenvolvimento humano, socioeconômico e cultural da sociedade sul-baiana.

Destaca-se a linha programática Extensionista “Cultura e Memória Social” com um trabalho coordenado pelo Centro de Documentação e Memória Regional – CEDOC, dirigido pela Professora Dra. Janete Macêdo, com doutorado na Universidad de León, na Espanha. A Professora Janete Ruiz de Macêdo é mais uma Alitana, aqui presente, e ocupa a cadeira número 39, na ALITA.

Na nossa gestão, o CEDOC, visando o resgate e preservação do patrimônio, realizou vários programas. Organizamos arquivos públicos de 23 municípios, e coordenamos as atividades do Centro de Documentação e Memória da Costa do Descobrimento, na cidade histórica de Porto Seguro, o Museu da Casa Verde, em Itabuna, em convênio com a Fundação Henrique Alves, e o Museu da Casa Colônia, em Porto Seguro.

Aqui, presente também a Professora Dra. Lurdes Bertol Rocha, geógrafa, e a Dra. Raimunda Alves Moreira de Assis, Professora Emérita da UESC, cuja área de atuação é a Educação.

É imensa a responsabilidade com a comunidade, porque não dizer grapiúna, que há alguns anos, me distinguiu com o título de Cidadã Itabunense.

Gostaria de Compartilhar com todos os meus colegas professores desta casa, os de ontem, e os de hoje, que com competência e idealismo dignificam o papel social da Universidade.

Aos meus Familiares Cláudio, Claudinha, Cyro, Luís Fernando e Isabel o meu eterno reconhecimento pela força, coragem e compreensão na caminhada profissional.

E a todos os demais membros da minha família, este é o legado que lhes ofereço, um trabalho apaixonante e profícuo para o bem da sociedade, aspiração de todo cidadão.

Concluo o meu pronunciamento com a voz de Cyro de Matos, primeiro Doutor Honoris Causa da UESC, título concedido em 19 de setembro de 2016.

Ele traz uma mensagem de esperança, no seu poema Eu creio nessa manhã. E a Cyro de Matos, Presidente de Honra desta Academia, quero expressar a minha profunda gratidão pela indicação do meu nome, aprovado, por unanimidade, pelos acadêmicos da ALITA, para ostentar tamanha honraria.

 

Eu creio nessa manhã

Cyro de Mattos

Por que os homens

Amam a droga

E não como a abelha

Os favos de mel?

Por que os homens

Amam as balas

E não a paz

Sem nenhum fuzil?

Por que os homens

Só enxergam o chão

E não a estrela

Em seus caminhos?

Por que os homens

Perfuram a rosa

Com a ponta aguda

E mais dura do espinho?

Viver amargos, sozinhos,

Viver nos escombros,

Viver na vida desigual,

É do que os homens gostam?

Mas eu creio nessa manhã

Anunciada pelo menino

Nascido na manjedoura.

No brilho dessa estrela

Espalhando o amor no chão.

Eu gosto de ouvir nesta hora

Essa canção que me afaga

Falando duma união geral,

Que viver vale a pena

Quando a vida é uma dança.

Com os homens como irmãos

No doce fruto da ternura,

No doce fruto da alegria

Sorrindo como criança.

Muito obrigada!

[i]  Renée Albagli Nogueira, Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Mestra em Gestão Universitária pela Universidade Estácio de Sá, Especialista em Gestão Universitária na DePaul University, Chicago. Especialista em Genética Molecular.

Discurso proferido em 11/10/24, na cerimônia de Outorga da Medalha Jorge Amado.

Notícia e fotos do Evento: https://academiadeletrasdeitabuna.com.br/2024/10/14/alita-homenagem-renee-albagli-e-a-santa-casa-de-misericordia-de-itabuna-com-a-medalha-jorge-amado/

DISCURSO DA PROFESSORA RENÉE ALBAGLI NOGUEIRA QUANDO DO RECEBIMENTO DA COMENDA JORGE AMADO, OUTORGADA PELA ALITA. Read More »

DISCURSO RELATIVO AO RECEBIMENTO DO TÍTULO DE CIDADÃO DE XIQUE- XIQUE -Marcos Bandeira

DISCURSO RELATIVO AO RECEBIMENTO DO TÍTULO DE CIDADÃO DE XIQUE- XIQUE

MARCOS BANDEIRA

 

SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE XIQUE-XIQUE, SR. DELMARTIN NOGUEIRA, EM NOME DE QUEM SAÚDO A TODOS OS EDIS DESSA EGRÉGIA CÂMARA.
GOSTARIA DE AGRADECER ESPECIALMENTE AO MEU AMIGO, GILMAR LUSTOSA, GRANDE FIADOR DESTE HONROSO TÍTULO, AO LADO DO VEREADOR, NINO MEIRA, AUTOR DO PROJETO, BEM COMO A TODOS OS VEREADORES QUE APROVARAM ESSA COMENDA.
GOSTARIA TAMBÉM DE AGRADECER A TODOS OS FAMILIARES E AMIGOS QUE VIERAM ME PRESTIGIAR, ALGUNS QUE VIERAM DE MUITO LONGE.
“ EU E TANTOS OUTROS XIQUEXIQUENSES DE NASCIMENTO SEMPRE QUE A OPORTUNIDADE NOS OFERECE RESSALTAMOS O MAIS PROFUNDO DOS ORGULHOS E NOS UFANAMOS DE SERMOS NATIVOS DESSA TERRA ESPECIAL..
SER XIQUEXIQUENSE POR OPÇÃO, POR LIVRE ESCOLHA OU POR DETERMINAÇÃO DE UMA FORÇA MAIOR, TALVEZ SEJA MAIS MERITÓRIO E MUITO MAIS NOBRE DO QUE AQUELA CONDIÇÃO DE SER ILHO NATO” ( Carlos Santos, in Crônicas Xique Xiquíssimas, vol II, 2011).
MAS SENHORES E SENHORAS, JÁ QUERO LHES ADIANTAR, QUE SIMBOLICAMENTE ESTE É O TÍTULO MAIS IMPORTANTE DA MINHA VIDA. DEVIDO AS MINHAS INÚMERAS ATIVIDADES, PRINCIPALMENTE EM FACE DA CARREIRA DE MAGISTRADO, ADQURI OS TÍTULOS DE CIDADANIA DE ITABUNA, ILHÉUS, MASCOTE, CAMACAN, URANDI, PAU BRASIL E SANTA LUZIA, PELO RECONHECIMENTO DOS RELEVANTES SERVIÇOS PRESTADOS A ESSAS COMUNIDADES. TÍTULOS IMPORTANTES E DE ELEVADA HONRA PARA MIM, MAS ESTE É O MAIS IMPORTANTE, POIS RESGATA A MINHA PRÓPRIA IDENTIDADE.
MEU PAI, SEBASTIÃO BANDEIRA, NO FINAL DOS ANOS 50 VEIO DE BELMONTE, EXTREMO SUL DA BAHIA, PARA XIQUE-XIQUE, ACOMPANHADO DE DOIS IRMÃOS: SILVIO BANDEIRA E ANTONIO BANDEIRA.
TODOS, AEROVIÁRIOS, VIERAM TRABALHAR NA EMPRESA AÉREA REAL, DEPOIS TRANSFORMADA NA VARIG, QUE AQUI FAZIA LINHA, E ONDE CONSTRUÍRAM FAMÍLIAS E HISTÓRIAS. MEU TIO SILVIO BANDEIRA, QUE AQUI ESCOLHEU PARA VIVER, FUNDOU PIONEIRAMENTE AO LADO DOS IRMÃOS SEBASTIÃO E ANTONIO, DE PEDRO CACHAÇA, GORDINHO E OUTROS A BATUCADA RITMOS DO SAMBA.
MEU PAI SE CASOU COM MARLUCE ( CONHECIDA COMO LUCY), XIQUEXIQUENSE NATA E FILHA DA CONHECIDA PROFESSORA EMIDIA LACERDA SANTOS, QUE CONTRIBUIU NA FORMAÇÃO DE VARIOS XIQUEXIQUENSES ILUSTRES.
E ASSIM, NO DIA 24 DE JANEIRO DE 1961 MINHA MÃE LUCY DÁ LUZ AO PRIMOGÊNITO, MARCOS BANDEIRA, QUE POR UM CAPRICHO DO DESTINO, NASCEU EM BOM JESUS DA LAPA. MEU AVÔ MATERNO, NESTOR, QUE DETINHA UMA BOA CONDIÇÃO ECONÕMICA Á ÉPOCA, COLOCOU TODA A FAMÍLIA NO AVIÃO DA VARIG E FEZ COM QUE SUA FILHA DESSE A LUZ DO SEU PRIMEIRO NETO NO MELHOR HOSPITAL DA REGIÃO: O HOSPITAL CARMELA DUTRA EM BOM JESUS DA LAPA. DEPOIS DO RESGUARDO DE 30 DIAS, MINHA MÃE E TODA A FAMÍLIA RETORNARAM PARA XIQUE-XIQUE, ONDE MORAMOS ATÉ O DIA 06/12/1974, QUANDO MEU PAI FOI PROMOVIDO PELA VARIG PARA A CIDADE DE ILHÉUS. ALÉM DE MIM, O CASAL SEBASTIÃO E LUCY TEVE OS SEGUINTES FILHOS: MARCELLO BANDEIRA ( IN MEMORIAM), NASCIDO EM XIQUE-XIQUE;MAURICIO BANDEIRA, NASCIDO EM BOM JESUS DA LAPA; VANESSA BANDEIRA E MARCIO RIVELINO, NASCIDOS TAMBÉM EM XIQUE-XIQUE.
ENTÃO, QUANDO ME PERGUNTAVAM DE ONDE SOU , ONDE NASCI, EU TINHA ALGUMAS DIFICULDADES EM RESPONDER E DIZIA MAIS OU MENOS ASSIM: FUI CONCEBIDO EM XIQUE-XIQUE E NASCI EM BOM JESUS DA LAPA..
AGORA, COM ESSE TÍTULO, ELE ME DÁ A CONDIÇÃO DE PERTENCIMENTO, DE RESGATE DA MINHA IDENTIDADE, POIS AQUI VIVENCIEI TODA A MINHA INFÂNCIA E PARTE DA ADOLESCENCIA. AQUI CONSTRUÍ A MINHA MEMÓRIA AFETIVA. AGORA, POSSO DIZER QUE SOU XIQUEXIQUENSE
EXISTE UMA TRADIÇÃO DA TRIBO MÃORI DA NOVA ZELÂNDIA, QUE TODA CRIANÇA AO NASCER RECEBIA UM PRESENTE SAGRADO: UMA CANÇÃO ÚNICA, QUE CARREGAVA O RITMO DO SEU CORAÇÃO, O SOM DA SUA ALMA E O SOPRO DA TERRA ONDE PISAVA. ERA A CANÇÃO DO CORAÇÃO OU DO RETORNO, POIS ERA ENTOADA NOS RITOS DE PASSAGEM, NOS SONHOS, NAS FOGUEIRAS DAS HISTÓRIAS E NOS DIAS EM QUE O MUNDO PESAVA DEMAIS SOBRE OS OMBROS DE ALGUÉM.
MAS HAVIA TEMPOS EM QUE UM DOS FILHOS DESSA TRIBO SAÍA DE SUA TERRA E SE PERDIA MUNDO AFORA, EM OUTRAS TERRAS, AFASTANDO ASSIM DA SUA RAIZ, ESQUECENDO QUEM ERA, DE ONDE VINHA E QUAL ERA A SUA CANÇÃO.
QUANDO ISSO ACONTECIA UM ANCIÃO, UM AMIGO OU PARENTE IA ATRÁS PARA CANTAR A CANÇÃO DO CORAÇÃO E ASSIM RESGATAR A SUA IDENTIDADE ESQUECIDA. FOI ASSIM, QUE O AMIGO DE INFÂNCIA, GILMAR LUSTOSA BARETO, FOI ATRÁS DE MIM PARA QUE EU PUDESSE NOVAMENTE OUVIR A CANÇÃO DO CORAÇÃO E ASSIM LEMBRAR DA MINHA INFANCIA, DA MINHA ADOLESCENCIA, DA MINHA RAIZ, DO MEU POVO E DA ESSENCIA DA MINHA ALMA.
MARCEL PROUST EM SUA VASTA OBRA INTITULADA “ EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO” TRABALHAVA BASTANTE COM A IDEIA DA MEMÓRIA INVOLUNTÁRIA. NUM FRAGMENTO DE SUA OBRA ELE DIZ:
“E, DE REPENTE, A LEMBRANÇA ME SURGIU. ESSE GOSTO ERA O DO PEDACINHO DE MADELEINE QUE MINHA TIA ME OFERECIA, DEPOIS DE TÊ-LO MOLHADO NO CHÁ DE TÍLIA..”
E EU DIGO, QUANDO MEU PAI OU MINHA NETA HANNAH MOLHAVA O PEDAÇO DE PÃO COM MANTEIGA NO CAFÉ EU LEMBRAVA DE XIQUE- XIQUE…
LEMBRAVA DA PRAÇA DO GINÁSIO HELCIO BESSA JOGANDO BOLA COM HELDINHO, FILHO DE TINU, XANDU, JOÃO DE SAMUEL, DUDU, JORGINHO DE SINHOZINHO, EDIVALDO DA TIRIRICA E TANTOS OUTROS;
LEMBRAVA DA SORVETERIA “O CANECÃO” DE ZÉ REIS E AS CONVERSAS E HISTÓRIA TRAVADAS COM OS MEUS SAUDOSOS AMIGOS, GIBSONS E GILMAR, FILHOS DO DONO. ENTRE UMA PROSA E OUTRA, SEMPRE TINHA UM PICOLÉ OU UM SORVETE DE GRAÇA;
LEMBRO TAMBEM DO BAR E SORVETEIRA DO SAUDOSO QUINCAS ( QUE NOS DEIXOU ESSA SEMANA- MEUS SENTIMENTOS A FAMILIA ENLUTADA) E O SEU FAMOSO SINUQUE.
LEMBRAVA DAS AVENTURAS COM MEU AMIGO, MANUEL AMANCIO, NOS PASSEIOS DO PRIMEIRO CARRO ELÉTRICO VERMELHO DE XIQUE-XIQUE A DESFILAR NO JARDIM DA PRAÇA DA MATRIZ COM GILMAR LUSTOSA OU NA VEZ QUE FOMOS DE BICICLETA MONARETA TOMAR BANHO NO RIACHO NA CARNAÚBA E QUANDO CHEGUEI EM CASA, JÁ TARDE, MEU PAI JÁ ESTAVA ME ESPERANDO E ME DEU UM SURRA
LEMBRAVA DE PESCAR MANDIN NO VELHO CHICO, ANTIGO CAIS DA CIDADE, PRÓXIMO DO “BAZAR DAS NOVIDADES” DE FLORZINHO, OUVINDO O SAUDOSO MARIO VELHO, SOLTANDO AS CANÇÕES ROMANTICAS E DIZER COM SUA AVELUDADA E BELA VOZ NO ALTO FALANTE QUE COBRIA TODA A CIDADE: “ AQUI É A VOZ DA LIBERDADE TRANSMITINDO DIRETAMENTE DE NOSSO STUDIO PARA TODA A CIDADE”.
LEMBRAVA DO FUTEBOL DE XIQUE-XIQUE , DO BRASINHA, DO BOTAFOGO OU DO FLAMENGO DE JOÃO PACHECO. LEMBRO DE CABEÇA A SELEÇÃO DE XIQUE-XIQUE NOS ANOS 70: CARLINHO BARBOSA, BENJAMIM, NEO BALÃO, CANGURU E REIZINHO, JOÃO DE DIDI, RAIMUNDINHO ( OU PAULO NERES), JOAO GRILO, ZE DE HELENA, AILTON MARÇAL E ONALDO. AINDA JOGAVA ZAMBA, PERNETA, GILBERTO “ BOSTINHA”, KINKINHA E O SAUDOSO “PINHEIRINHO”, JOGADOR DO BAHIA ESPORTE CLUBE, QUANDO VINHA PASSAR AS FÉRIAS EM XIQUE-XIQUE;
LEMBRAVA DA CASA DAS CRIANÇAS, DOS RECREIOS, E DAS BRINCADEIRAS COM AFRANIO, SAUDOSO TABAJARA, MARGARETE E OUTROS COLEGAS;
LEMBRAVA DOS EVENTOS, PRINCIPAMENTE CARNAVAL, NO CLUBE 7 DE SETEMBRO E DO CONJUNTO DOS IRMÃOS JETSON A EMBALAR OS BAILES NAQUELE CLUBE
LEMBRO-ME DO DR. HELCIO BESSA E SEU PASTOR ALEMÃO, DEITADO NUMA REDE NA VARANDA DA TUA CASA, OUVINDO AS RESENHAS ESPORTIVAS DO SEU BOTAFOGO. UM MÉDICO EXEMPLAR, UM SER HUMANO INCRÍVEL E UM EXCELENTE ORADOR;
LEMBRO-ME DO JARDIM DA PRAÇA DA MATRIZ EM DIA DE FLA FLU, QUANDO FICAVA UM GRUPO DO FLAMENGO NUM LADO, E DO FLUMINENSE DO OUTRO, TODOS COM AQUELES RADIOS ENORMES. LEMBRO-ME DO RADIO DE EBIVALIO. NAQUELA EPÓCA NÃO HAVIA TELEVISÃO AINDA EM XIQUE- XIQUE; CRESCI OUVINDO VALDIR AMARAL, JORGE CURY, LUIZ MENDES E JOÃO SALDANHA, ATRAVÉS DA RADIO GLOBO DO RIO DE JANEIRO.
QUANDO OUÇO A MÚSICA “ OS MILIONÁRIOS” DO CONJUNTO INCRÍVEL, LEMBRO-EM QUE ERA O PREFIXO DO CINEMA, E QUE TERIAMOS QUE CORRER PARA ASSISTIR O FILME DE “DJANGO”, MAS TINHA QUE CHEGAR MAIS CEDO PARA ASSISTIR O CANAL 100 E VER AQUELE LANCE DO NOSSO TIME QUE OUVIAMOS NO RADIO.. E COMO ERA DIFERENTE!
LEMBRO-ME DO COLÉGIO POLIVALENTE E DOS MEUS PROFESSORES RUI SANTANA E DINORÁ. TEMPOS BONS , TEMPO DE UMA INFANCIA E ADOLESCENCIA MARAVILHOSAS.
ENTÃO, ESSE MARCOS, ADOLESCENTE, QUE VIVE DENTRO DE MIM, NÃO MORREU. EU DIALOGO DIARIAMENTE COM ELE PARA MOSTRAR , COMO DISSE O AUTOR MARCEL PROUST, QUE O TEMPO NÃO ESTÁ PERDIDO, MAS APENAS ADORMECIDO DENTRO DE NÓS. NÃO ESTOU FALANDO DE UM SAUDOSISMO PIEGAS, MAS DE UM TEMPO QUALITATIVO, EXISTENCIAL, NÃO CRONOLÓGICO, QUE SEJA CAPAZ DE RECONSTRUIR A NOSSA SUBJETIVIDADE, POIS SOMOS FEITOS DE NOSSA SENSAÇÕES E REVIVÊ-LAS É REVIVER A ESSENCIA DO NOSSO EU.
FINALMENTE, AQUELE ADOLESCENTE, QUE ESTAVA SENTADO NUM BANCO DO JARDIM, EM FRENTE A IGREJA SENHOR DO BONFIM, PADROEIRO DESTA CIDADE, OU QUANDO ESTAVA SENTADO NA ARQUIBANCADA DO ESTADIO DE XIQUE-XIQUE E OLHAVA PARA O HORIZONTE, VISUALIZANDO NUVENS E MONTANHAS, A IMAGINAR QUE FUTURO ESTAVA A ESPERAR… QUAIS OS DESAFIOS QUE ESTAVAM POR VIR… COMO SERIA ESSA NOVA VIDA….
EVIDENTEMENTE, QUE A NOSSA CONSCIENCIA, ASSIM COMO FOGO, SE EXPANDE, E VOCE SE TRANSFORMA NUMA METAMORFOSE AMBULANTE E VAI SE REIVENTANDO NESSE MUNDO
HOJE, APÓS O DECURSO DE 50 ANOS, RETORNO A MINHA TERRA ABENÇOADA, AO LADO DA MINHA ESPOSA, ROSANA, COMPANHEIRA INSEPARAVEL QUE ME ACOMPANHA HÁ MAIS DE 43 ANOS, E QUE ME AJUDOU A CONQUISTAR COISAS IMPORANTES NA VIDA, SEJA NO ESPORTE, NA MAGISSTRATURA, NA DOCENCIA, NA ADVOCACIA, NA LITERATURA, NA VIDA. HOJE TEMOS QUATRO FILHOS, MICHELLE( JUÍZA DO TRABALHO EM SALVADOR), DANIELLE( ADVOGADA, MORANDO ATUALMENTE EM ORLANDO, ESTADOS UNIDOS), MARCOS BANDEIRA JUNIOR, EMPRESÁRIO E ADVOGADO) E FRANCIELLE, ATUALMENTE COM 27 ANOS. TEMOS TAMBÉM QUATRO NETOS: HANNAH, GABRIEL, FILIPE E MARINA.
NESSAS MINHAS ANDANÇAS, FUI JOGADOR DE FUTEBOL, BANCÁRIO, JUIZ DE DIREITO, ESCRITOR, PRIMEIRO PRESIDENTE E FUNDADOR DA ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA, MEMBRO DA ACADEMIA DE LETRAS JURÍDICAS DE ILHÉUS, MEMBRO DO INSTITUTO GEOGRAFICO E HISTÓRICO DA BAHIA. ATUALMENTE SOU PROFESSOR DE DIREITO DA UESC HÁ MAIS DE 20 ANOS, ADVOGADO E SÓCIO DO ESCRITÓRIO BANDEIRA ADVOCACIA E DOUTORANDO EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA.
AQUELE ADOLESCENTE SONHADOR ESTÁ AQUI AGORA, DE RETORNO AO SEU TORRÃO QUERIDO, PARA OUVIR A CANÇÃO DO CORAÇÃO E REVER SEUS FAMILIARES E AMIGOS E DIZER QUE SUBIU MONTANHAS E ENFRENTOU MUITO DESAFIOS, MAS A SUA VERVE DE SERTANEJO DESTEMIDO E QUE NUNCA DESISTE DOS SEUS SONHOS PREPONDEROU NESSA CAMINHADA!
E COMO O APÓSTOLO PAULO NA CARTA A TIMÓTEO POSSO DIZER:“ COMBATI O BOM COMBATE, ACABEI A CARREIRA E GUARDEI A FÉ”.
OBRIGADO!

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TRIBUTO A CARLOS VALDER- Por Raquel Rocha

Carlos Valder e sua família fizeram parte da minha trajetória de forma afetuosa, com vínculos marcados por admiração e respeito.

Fui aluna de seu irmão, o professor Fernando Rios, na UESC, logo ao chegar a Itabuna. Fui também orientanda de sua esposa, Dinalva Melo, hoje minha colega psicanalista.

Conheci Carlos Valder em 2013, ao ingressar na Academia de Letras de Itabuna. A partir de então, encontrávamo-nos com frequência nos eventos acadêmicos e, também, em eventos na casa de nossa querida amiga Sônia Maron, com quem ele cultivava uma amizade de longa data.

Carlos Valder era presença de vigor e alegria. Sua palavra era sempre firme, lúcida e bem-humorada. Ele sabia ocupar os espaços e sua ausência, nos últimos tempos, foi sentida como um silêncio que culmina neste momento de saudade. Aquela saudade que só permanece quando partem os que preenchiam os lugares com presença viva.

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em 1978, Carlos Valder construiu uma trajetória notável no campo jurídico, acadêmico e institucional. No serviço público, foi Procurador Seccional da Advocacia-Geral da União (1993–2003) e, posteriormente, Procurador-Chefe da Procuradoria Federal da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Atuou também como parecerista, sendo referência em sua área de atuação.

Jurista de pensamento crítico e inovador, defendeu propostas consistentes de reforma tributária, com foco na eficiência do Estado e na justiça fiscal. Dedicou-se à produção e à difusão do conhecimento jurídico com admirável rigor intelectual, deixando como legado mais de 30 livros publicados, mais de 60 obras coordenadas ou em coautoria, além de mais de 200 trabalhos técnicos e científicos.

Carlos Valder foi membro atuante da Academia de Letras de Itabuna – ALITA, onde ocupava a Cadeira nº 23, cujo patrono é Sabóia Ribeiro. Também integrou a Academia de Letras de Ilhéus, o Instituto Ibero-Americano de Direito Público e a International Fiscal Association, com sede na Holanda.

Contudo, para além das credenciais e da vasta produção intelectual, Carlos Valder foi um homem de espírito cordial e generoso. Sua participação em nossas reuniões era sempre leve e bem-humorada.

Tive a honra de acompanhar, de perto, o cuidado amoroso de Dinalva durante o processo de adoecimento do confrade. Recebi, com frequência, notícias cheias de fé e ternura. Foi um privilégio testemunhar esse gesto contínuo de amor, entrega e dignidade, que é também parte da biografia dele.

Hoje, minha homenagem não é apenas como presidente da Academia de Letras de Itabuna. Ela vem, sobretudo, como amiga e admiradora. Despeço-me de Carlos Valder com reverência, com carinho e com a certeza de que sua vida foi fecunda, sua obra permanece, e sua memória seguirá nos inspirando.

4 de maio de 2025
Raquel Rocha
Presidente da Academia de Letras de Itabuna – ALITA

 

 

 

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VÓ CARMINHA- Por Ceres Marylise

VÓ CARMINHA

Ceres Marylise*

Caminhava apressadamente, pois recebera o chamado que tentava evitar havia muitos dias. Uma chuva fina tamborilava no guarda-chuva da mocinha que seguia à minha frente, dispersando um pouco meu pensamento. Finalmente, e com um nó a paralisar-me a garganta, parei diante da casa que me era tão familiar e toquei a campainha. A gentil cuidadora recebeume em silêncio e, vagarosamente, dirigi-me para o quarto.

No silêncio daquela manhã em que a percepção da morte rondava por dentro despedaçando o melhor de mim, olhei para a frágil e pálida mulher reclinada na cama com gestos e voz enfraquecidos, cuja presença aos poucos se findava.

Mantive-me de pé refletindo sobre o tênue fio de vida que a prendia a este mundo, onde entre os seres vivos, só o homem tem consciência de sua própria finitude. Sentindo-se finito, desmorona seu mundo de certezas ao imaginar-se em algum momento, na iminência do limiar dessa outra realidade. Existencialista, o homem tem dificuldade de lidar com a morte, exatamente pela sua incapacidade de conviver com as circunstâncias da vida de tantos significados e tantas insignificâncias.

Olhei mais uma vez para aquela mulher de tantos anos: minha querida Vó Carminha, a mulher que ainda chamava a atenção pelo contraste do seu olhar transbordando candura e firmeza, quando nada mais poderia ser feito; a mulher marcada pela simplicidade e pela fortaleza que a faziam saltitar como uma menina sobre a trilha dos dias e ao mesmo tempo, agigantar-se diante dos desafios, sabendo-se envelhecer; a mulher de sóis e chuvas que nunca se intimidou diante do difícil e do improvável; ao contrário, fez deles seus motivos para sonhar, lutar e viver, doando-se sem descanso à sua família.

 Nessa perda prenunciada, senti-me sozinha sem o dedo e o olhar que sempre me apontaram os caminhos por onde deveria transitar na outra margem. Uma sensação de incompletude apossou-se de mim ao perceber-me nela e saber que ela também carregava parte  mim. Beijei-a ternamente na fronte, tomei suas mãos entre as minhas e orei ao Nosso Pai. Confortei-me na fé e me amparei entre a dor e a certeza de que nunca mais a teria ao meu lado vivendo pedacinhos soltos de felicidade.

Com esses pensamentos, e sob o pesado silêncio do ambiente, revi-me ainda muito pequena, quando ela segurava minhas mãos e me dizia de coisas grandiosas que eu poderia ser e que eu nada entendia, pois o tempo e a conquista de algo, nada significavam para mim naquela idade; lembrei-me de quando se punha a rezar mostrando a fé de sua alma pura; de quando me ensinava deveres e direitos e me dava conselhos, dos quais nunca poderei esquecer; também das valsas e de algumas canções, principalmente Menino de Braçanã e Guarânia da Lua Nova, eu já adolescente, que entoávamos juntas e ela se fazia acompanhar de batidas suaves na mesa; da traquinagem de algum neto que a fazia ameaçá-lo de mentirinha com um abano nas mãos; da poesia que escreveu e me presenteou no aniversário de 15 anos, da qual ainda lembro a primeira estrofe: “Quinze anos hoje completas / alvorecer do existir / quantas esperanças adejam / em teus lábios a sorrir.”

Entre chorosa e meio perdida dentro de mim mesma, baixei minha cabeça e meus olhos se fixaram no chão. Ficaram os chinelos debaixo da cama… sem ela. Haveria algo mais triste naquele momento? Saí do quarto e me refugiei num local mais afastado da casa tendo a certeza definitiva de que só o tempo é eterno e deixa as marcas inexoráveis de seus passos em cada um de nós; que é na triste experiência da perda do outro que podemos refletir e entender sobre a vida dando-lhe valor e novo significado.

 

  • Natural de Ubaitaba, Sul da Bahia, é graduada em Pedagogia e Letras, pós-graduada lato sensu em Alfabetização com concentração na área de Linguística e pós-graduada stricto sensu em Linguística. Docente aposentada pela Universidade do Estado da Bahia, onde também ocupou os cargos administrativos de Coordenadora de GT de Implantação dos Campi XIII e XX, Diretora do Campus XIII, Chefe de Departamento do Campus XIII e Coordenadora de Colegiado de Curso no Campus XX. Possui produção literária publicada no Brasil e no exterior em várias antologias, inclusive bilíngues, e é autora do livro Atalhos e Descaminhos lançado em Brasília no XI Encontro Internacional de Escritoras, no Salão do Livro em Paris – França e nas Bienais do Rio de Janeiro e São Paulo. É associada efetiva do Rotary International, onde assumiu os cargos de Presidente de Clube, Presidente de Imagem Pública, Presidente de Desenvolvimento do Quadro Associativo, International President District Scolarship Subcommittee Chair – District 4391 and Honorary Member. Membro efetivo da Academia Brasileira Rotária de Letras – ABROL, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – IGHB, da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia da Bahia e faz parte de diversas instituições literárias no Brasil e no exterior. Na Academia de Letras de Itabuna – ALITA, ocupa a Cadeira 16 e tem como patrono, Abel Pereira.

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MENSAGEM DO IJEXÁ- Ruy Póvoas

Entre muitas belezas que o pintor Carybé produziu, há uma imagem de Oxalufã, numa recriação artística de admirar. Dobrado sobre si mesmo, segurando o opá do mistério, Oxalufã, o mais velho de todos os Orixás,  representa a busca do autoconhecimento que, inevitavelmente, nos leva de volta a nós mesmos. Ele é o senhor das nuvens que cobrem o mundo. Por isso, está permanentemente rebuçado por uma toalha branca, o Alá da Paz.

E sob essa toalha, está a busca do oculto, o encontro marcado com o Destino, a aceitação de si mesmo, o olhar voltado para aquelas áreas da natureza humana, onde a luz é rarefeita ou nenhuma. Daí, o seu poder de revelar o que está oculto nas profundezas de nossa personalidade. E pleno de compaixão, ele abraça a nossa humanidade e nos socorre com as suas bênçãos, numa profunda compreensão da fragilidade e finitude dos humanos.

Então, através de Oxalufã, podemos nos dar conta de alguns fundamentos nos quais é possível basear nossa existência.

Esta época em que vivemos nos obriga mergulhar em constante estado de vigilância, mas também em perspectivas, E por que não dizer? Também em expectativas, pois somos filhos da Luz; não somos filhos da Sombra. Podemos tomar o Oxalufã de Carybé como uma motivação e imaginarmos reflexões.

Os iluminados escolhem, embora muitos ainda estejam na fase de quem precisa esperar para ser escolhido. Por isso mesmo, é necessário render graças por todas as oportunidades que a vida nos oferece, num ato de reconhecimento e gratidão. Não escolhemos ninguém. Os parceiros e parceiras, amigos e companheiros já foram escolhidos pela própria vida, desde que fizemos nossas escolhas.

Cumprir a destinação é nossa tarefa na existência, através das várias experiências, preferências, orientações e tendências nossas. Ocorre, porém, que cumprir o destino nem sempre é fazer aquilo que desejamos. Aliás, muitas vezes, para cumprirmos o nosso destino, é necessário sacrificar alguns sonhos, desejos e vontades. E quem segue um caminho onde suas coisas não estão jamais em tal caminho suas coisas acharão.

Nós somos Luz e Sombra e tudo tem o seu contrário. E só podemos nos encontrar conosco, se aceitarmos essa dualidade em nós. Tomar consciência de nossa Sombra é o marco inicial da grande viagem para além dos nossos próprios limites. A maioria, no entanto, sempre necessita vivenciar muitos altos e baixos na caminhada escolhida.

Na convivência, não podemos condenar os outros por causa de seus pontos de vista. Não devemos julgar o outro, se não o entendemos e desconhecemos sua história.

No grande inimigo de hoje, pode estar o irmão ou o amor de outras vivências, pois não há mistérios apenas no amanhã; o ontem também tem os seus. Por isso, é regra de ouro não odiar pessoa alguma. E afinal, como disse Shakespeare, “há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa pensar nossa vã filosofia.”

Aprendemos muito mais com aqueles que nos condenam do que com os que nos elogiam. Para isso, no entanto, é necessário humildade.

Na existência humana, todas as alegrias desejam ser eternas, mas não são. Todas as tristezas se julgam infinitas; também não são.

Nenhum saber supera as ações de um coração movido pelos sentimentos de misericórdia, compaixão e generosidade. Ai de nós, em nossas limitações, quando não recebemos a misericórdia do outro. Ai do outro, quando ele não é alvejado por nossa misericórdia. Eis uma das grandes causas de tanto sofrimento no mundo.

É necessário que estejamos atentos às bênçãos e oportunidades oferecidas pelo Universo e assumi-las com reconhecimento e gratidão. Quem não agradece o que recebeu não é digno do recebido. Podemos até não as aceitar, mas a cada bênção ou oportunidade rejeitada, cresce o débito consigo mesmo, a ser pago mais tarde, com maiores sacrifícios, inevitavelmente. Na existência, quem quer alcançar a Luz, termina escolhendo muito pouco, o demais é mera aceitação. E quando tomamos consciência disso, a vida se torna um fardo leve, pontuada de momentos de felicidade. Não significa, porém, combinarmos com o erro, o engano ou a estupidez.

Mais cedo ou mais tarde, a vida nos impõe sob forma de destino tudo aquilo que rejeitamos de nós mesmos, mas não é nada fácil tomar consciência de si próprio.

O que  afirmamos constantemente como âncora de nossa fé, não raro,  pode ser indício do que não cremos. Acreditar no que seja falso como se verdadeiro fosse só nos leva até à escuridão.

Só é possível aceitarmos o outro, se tivermos plena aceitação de nós mesmos e isso significa reconhecer nossa própria Sombra. Aí, então é possível pensar em iluminação.

Na labuta da existência, corremos o risco de eleger como tesouros as mesquinharias do cotidiano. Vale, então, lembrar o fundamento: “Onde estiver o teu tesouro, aí estará teu coração.” É necessário, portanto, a constante avaliação daquilo que imaginamos ser nosso tesouro.

Por último, cumpre lembrar o ensinamento de Otura, o décimo quinto Odu de Ifá: “Fale comigo para que eu possa falar com você. Pelas nossas vozes, reconhecemos um ao outro, mesmo que seja na escuridão.”

No mais, Oxalufã nos abençoe e nos guarde hoje e sempre. Que o Alá da Paz nos rebuce com vida, vigor e vitalidade. Axé!

Ruy Póvoas

Ajalá Deré

Babalorixá

Abril 2025

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