Produção Literaria

CENTENÁRIO DA SANTA CASA DE ITABUNA- Silvio Porto de Oliveira.

Calixto Midlej Filho no leito de morte, profetizou: Silvio você , um dia, vai ser Provedor da Santa Casa. Pensei, o Estatuto da Instituição não permite isto. Foi no ano de 1984. No ano de 2001, 17 anos, depois, Edmar Margotto, me chama e diz: Vou mudar o Estatuto da Santa Casa e você vai ser o Provedor. Estava concretizada a profecia.

Calixto é uma unanimidade em Itabuna, na Santa Casa, e tudo que temos feito desde a sua morte , ainda é pouco para pagarmos o que devemos a ele.

Sobre Calixto, escrevi:  “05/07/1984 morre Calixto Midlej Filho, legítimo representante dos homens de Bem desta terra, a melhor  identidade dos homens que amam Itabuna, e grande responsável pelo engrandecimento da medicina da Santa  Casa.

Vai ser difícil imaginar a Santa Casa sem Calixto. Suas visitas matinais , cumprimentando médicos, enfermeiros, funcionários, operários , fiscalizando com minúcias e esmero as obras em curso. O Centro de Estudos era a menina dos olhos de Calixto. Quase sempre no final das atividades na sexta feira à noite, chegava ofegante, sempre com uma boa notIcia, de que tal aparelho estava sendo comprado, que fulano ou sicrano tinha doado algo para os hospitais.  Jamais seremos suficientemente gratos, por tudo que você representou para a medicina de Itabuna. A sua lição de amor e fraternidade e de servir ao próximo, jamais será esquecida”

 

Manoel de Souza Chaves, escreveu : A Calixtinho, o benfeitor.

“Levarás no esquife para os céus, a palma

Da grandeza mansa, da

Virtude austera

Realizou na vida, a perfeição

Da alma

Foi bondoso como a lua é calma

Foi um santo, sem saber que era”

Telmo Padilha, escreveu: Súplica:

“Senhor,

Este que queres levar contigo vai nos fazer muita

Falta.

Já são tão poucos os que fazem alguma coisa por

Nos!

Bem que poderias deixá-lo ficar um pouco mais,

Não apenas para concluir sua obra

Mas para vê-la crescer aos nossos olhos.”

 

Ainda Telmo, em Réquiem para Calixto Midlej Filho :

“Vejo-te no Mariano, o cafezinho

Fumegando nos dedos o cigarro

Em que te amparavas para sustentar a solidão

Do enigma itabunense, a voz ainda firme,

Vejo-te atendendo ao último enfermo

Que te procurou para um lugar a mais

Onde não havia  lugar para um novo leito

Vejo-te dando lições a Hipocrates

Ao novel médico, ânimo ao saturado,

Vejo-te amparando os que ignoravam

Que também precisavas de amparo”

 

Selem Rachid, escreveu Calixto, Calixtinho: “Eu era o palestrante convidado no Rotary, e como de costume, em tese, dei alfinetadas em nossos homens importantes, em nossos líderes. E aí fiz uma exceção. Uma única exceção. Falei que havia em toda região cacaueira , uma só pessoa, um só líder, que fugia a essa armadilha, denuncia construída por mim, o Cavalete Cultura, na tentativa de explicar o porquê de uma pobre região rica”.

 

Meu abraço a todos meus colegas  com quem compartilhei uma vivencia   durante estes  quase 50 anos que atuo nesta Casa , juntando o tempo acadêmico e profissional.  Aqui desde 1970 fiz uma carreira igual na Igreja Católica e  o Exército. Comecei como acadêmico, ocupei todos os cargos na hierarquia médica e cheguei ao cargo máximo da mesa administrativa. A todos os funcionários que também ao longo deste tempo convivi, sempre em harmonia.

Destaco como funcionários emblemáticos e  puro  sangue Santa Casa: André, Tereza Araújo , Lourdao, Lourdes Alves,  Mestre Ataide, Cássia, Cacia, Jorge Pedra, Arnaldo, José Sales, Jorge, Jarinalva, Clodoaldo, Renilda,Rose, Normalice, Loiola, Mestre Adauto, Alberto “Paulo Isidoro”,Heleno e Gel Takaci  in memoria, em nome de vocês , saúdo todos.

Jamais esquecerei o compromisso e o amor demonstrado por abnegados funcionários que criaram um movimento vitorioso, chamado Depende de Nós, idealizado por Hélder, Itamar, Lania, Lourdao, Vitorinha, Rose, Borba, Ana Galvão, entre outros.

A irmandade desta Santa Casa , minha eterna gratidão, que proporcionou uma oportunidade única na minha vida. Ter servido mais intensamente a esta Casa, ao permitir que eu pudesse ser Provedor, e incluir no meu curriculum este Título importante na minha carreira. Destaque especial ao meu amigo e ex Provedor Edmar Margotto, que me confiou a difícil tarefa de continuar o seu trabalho nesta Instituição.

Agradecer  Deus a oportunidade de conviver com médicos extraordinários e pessoas dedicadas  que fizeram história na história desta Casa.

Cheguei a Santa Casa pelas mãos de Urandi Riella, outro gigante nesta história, que ao lado de Galvão Filho, iniciaram a Oncologia Cirúrgica, e depois Urandi implantou o serviço de Quimioterapia , que funciona até hoje.

Urandi , foi Presidente do Centro de Estudos, Vice-Provedor, secretário da Provedoria e não foi Provedor porque não quis.

No meu tempo de acadêmico e estagiando no Hospital Santa Cruz, atual Calixto, aprendi muito, com os médicos da época que tive a honra de conviver.

Aprendi com Guilherme Belmiro de Matos, Clodoaldo Carvalho, Mário Peixoto, Orlando Matos, Raymundo Freire, John Leahy, Geraldo Moura e Silva, Galvão Filho, Julio Brito, João Otávio, Arthur Almeida, Afonso Malta, Nilton Barros, Otilia Moraes,Itamar Pitanga, Wilson Rosas,   Renato Costa, Julio Porto, Alberto Seixas, Amilton Gomes, Ivan Argolo, que foi o primeiro neurocirurgião a trabalhar na instituição.

Tive o prazer de fazer parte de um grupo de acadêmicos , que iniciaram na década de 70, a frequentar os hospitais da Santa Casa, como Urandi, Vieira, Waldemir, Luiz Carlos Duarte, Arcleide, Dóris, Álvaro, Luciano Peixoto, Ubiratan Riella, Josicelin, Eduardo Galvão, entre outros.

Convivi com religiosas admiráveis, como a Irmã Maria José, Irmã Almerina Moretti, Irmã Creuza, Irmã Irene.

Tive a felicidade de conviver com Calixto Midlej Filho, o Provedor do século , e pessoas como Alcides Bezerra, Ottoni Silva, Anisio Torres, Renato Cunha, Eduardo Fontes, Raimundo Seixas, José Oduque,  Alberto Lessa, Licio Fontes, José Orleans, Osvaldo Chaves, Geraldo Pedrassoli, Eduardo Paixão – Duduca, Clodoaldo Matta Virgem, Osmundo Teixeira, Gerino,Entre outros.

A minha equipe da Provedoria,  equipe médica, a minha homenagem citando Eric Ettinger de Menezes, Urandi Riella, José  Humberto Martins, José Antero, Arthur Almeida, Ramiro Aquino, José Lathyner, Ruy Souza, Isaac Ribeiro, Silvany Chaves, John Leahy Filho, Álvaro Andrade, Ricardo Amaral.

Minha gratidão ao ex Provedor José Carlos Macedo que me nomeou Diretor Médico em 1986.

Aos colegas que trabalhou na minha equipe, quando diretor, Jurandy Bezerra, Rene Andrade, Antônio Mangabeira, Mercia Margotto, Ricardo Kauark, Alair Castro, Fanny Reinel, Antônio Carlos Brito, Jurema Mendonça , John Leahy, Jaime César Nascimento.

Momento marcante da minha gestão em 2002, quando foi realizado o primeiro transplante renal da Santa Casa e do Sul, Sudoeste, e Extremo Sul da Bahia, no dia 26/10/2002, sendo a equipe médica de Itabuna João Correia, Fernando Cruz, Almir, Neide, Marcelo Araújo, Ruy Souza diretor médico.

Outro momento importante foi a implantação do CACON – Centro de Alta Complexidade em Oncologia na Santa Casa,  em  2003, contando com a presença de Galvão Filho, que deu nome ao novo Serviço, e contando com a participação decisiva no projeto da equipe Oncosul,  o Chefe do Serviço de Oncologia Urandi Riella, o Chefe da RadioterapiaFrancisco Vieira,  o secretário de saúde Edson Dantas,  o diretor médico Ruy Souza. Na solenidade de assinatura do ato em Brasília,  além dos citados, ainda tivemos as presenças do Ministro da Saúde Barjas Negri, o Secretário Executivo do MS Renilson Rehem, o diretor do INCA Jacob Kliegerman e o Sr. Humberto Riella que representou a Irmandade da Santa Casa no ato solene.

No Plansul, após uma assessoria especializada, implantamos um modelo de negócios compatível com as regras mercadológicas das operadoras de planos de saúde e contratamos o Dr. Carlos Benjamin Auad, experiente colega na gestão de operadoras e conhecedor dos normativos da ANS.

O Centro de Estudos , fundado pelo médico Renato Costa em 1974, foi outra grande ideia e responsável por manter o nível de qualidade e especialização dos médicos da instituição. Grandes médicos foram importantes para manter a longevidade do mesmo,  atuando como presidentes Urandi Riella, Perivaldo Almeida, Angela Setenta Ferreira, Célia Kalil Mangabeira, Wandick Rosa, Alair Castro, Augusto Lins, Almir Alexandrino, Antônio Rossi, Neide Vinhático,Marcelo Araújo.

Agradeço a Edmar e Paulo Bicalho a oportunidade de ser Presidente do Centro de Estudos, que na nossa gestão transformamos na Fundação , hoje conhecido como Funcepes.

Não posso esquecer o papel decisivo de Edmon Lucas, na pacificação da instituição  e que resultou na eleição de outro grande provedor deste século, responsável pela aquisição do primeiro tomógrafo do interior da Bahia em 1988, e o início da alta complexidade nos hospitais da Santa Casa.

Estou falando do Grande Ailton de Melo Messias.

Outra grande médica que ao meu lado iniciou a alta complexidade em imagem da Santa Casa, minha homenagem a Maria Helena Andrade.

Outros grandes médicos da Santa Casa, que tive o prazer de conviver, foram brilhar em outras cidades como Alberto Peregrino, que elevou o nome da Santa Casa, em Congressos Nacionais e Internacionais, com publicação de trabalhos científicos em revista de renome. Em Itabuna fundamos com Prof. Spina França a Sociedade de Neurologia Tropical do Brasil secção Bahia.Os clássicos trabalhos  inéditos sobre Neurocisticercose e Esquistossomose Mansoni do SNC na Bahia.

Desde Alicio Peltier de Queiroz, Galvão Filho, Alair Castro, Alberto Peregrino e atualmente Luís Jesuino, sempre a Santa Casa teve seu nome agregado aos trabalhos científicos dos médicos citados.

Outro itabunense, que também trouxe importante contribuição para Itabuna, e que modernizou a anestesiologia de Itabuna,  José Abelardo Garcia de Meneses, ao lado de  Ubiratan Riella, Isaac Ribeiro, Lucidio Liborio, Antonio Andrade Brito Filho, Angela Farias, Telma Dantas e Antônio Gomes.  Abelardo Foi trabalhar em Salvador e  galgou cargos importantes nas entidades médicas baianas e nacionais, com destaque para Conselheiro Federal do órgão máximo da medicina brasileira, o nosso Conselho Federal de Medicina , Presidente do Conselho de Medicina da Bahia, Coopanest e SBA.

Na história mais recente tive a oportunidade de conviver com pessoas do Bem e de grande futuro para Itabuna e para a Santa Casa, como Eric Ettinger Jr, Edmar Jr., Silvio Roberto, Ronaldo Abude, Peter Deviris, Clovis Aquino e Glaucio Mozer Carvalho.

Mas até para morrer em paz,  vou abrir uma homenagem pessoal ao meu colega  e amigo Manoel dos Passos Galvão Filho, primeiro médico com pós graduação a chegar em Itabuna  e trabalhar na Santa Casa na década de 1960, e que foi um divisor de águas na medicina de Itabuna, dentro da minha contemporaneidade.

A Bahia, Itabuna, a Santa Casa de Misericórdia de Itabuna deve uma justa homenagem a  esse acreano, cuja história medica se confunde com a história da própria instituição.

A medicina contemporânea  de Itabuna tem dois períodos : antes e depois de Galvão Filho. Galvão está no mesmo patamar de outro medico que marcou a nossa história, Alicio Peltier de Queiroz, em outro tempo.

Os médicos mais novos, precisam saber da importância de Galvão para este momento que vivemos.  Todos sabemos da história patrimonialista que sempre conduziu a pratica medica na nossa região, e Galvão teve como missão principal resgatar o que ele chamava dos filhos da terra, para o exercício da medicina em Itabuna. Galvão naqueles tempos difíceis, levou o nome da Santa Casa para o Brasil e para o mundo, participando de Congressos e treinamentos no exterior. E clássico o seu trabalho sobre  prevenção do câncer ginecológico na região rural da zona cacaueira.

Hoje a alta complexidade,  a oncologia , os transplantes renais, a cirurgia cardíaca, a hemodinamica, a Neurocirurgia, a cirurgia bariatrica, Unidade Coronariana, a cirurgia videoendoscopica entre outros,  teve seu inicio quando Galvão introduziu a laparoscopia em nosso meio.

Meus amigos, ninguém tira frutos de raiz. Para se colher os frutos , tem que ter alguém para trazer a semente, semear em terreno fértil, cuidar da arvore e depois colher, e as vezes nem sempre quem colhe  e o mesmo que plantou.

Galvão você foi sempre um mestre para todos nos medicos de sua geração. Pela sua competência e pela grandiosidade de sua trajetória profissional.

Disse o poeta: Amigo e coisa para se guardar no lado esquerdo do peito. Mas você Galvão eu guardo nos dois lados do peito.

Galvão sempre incentivou os jovens medicos, e eu me incluo nesta lista. Galvão que o seu exemplo continue a inspirar os medicos e dirigentes desta Santa Casa. Que o seu exemplo seja fonte permanente da busca da excelência na saude da nossa região.

Para terminar nao poderia deixar de mencionar duas poesias , sobre  a nossa querida cidade de Itabuna e a nossa Santa Casa , autoria de Valdelice Pinheiro e de Cyro de Mattos representantes dignos da cultura itabunense , que hoje   tem duas Academias de Letras.  Onde despontam figuras como Cyro de Mattos, Marcos Bandeira, Sônia Maron, Sione Porto, João Otávio Macedo,Jaime César do Nascimento Oliveira, Lurdes Berthol, Raquel Rocha, Silmara Oliveira , entre tantos outros, e que orgulham a nossa cidade.

No cemitério,

no chão puro,

no ar,

no tempo que passou,

em tudo,

aqui,

vive tudo de mim;

meu pai e minha mãe

sob uma legenda e flores,

os meus primeiros sons,

a primeira imagem

de meus pés andando por si sós

e todos os meus olhos

se estirando

pelo verde dos cacaus abertos na mata

como um mar que desse frutos de ouro

e frutos de fome.

Aqui cresceram as minhas mãos

com ânsias de infinito e cheias de agonia.

Aqui nasceram e morreram

as minhas dores mais reais

e mais as ilusões de minhas alegrias.

Aqui eu aprendi o sentido da Paz,

a extensão do amor,

o quanto vale o homem

e de que tipo

de suor,

de força,

de coragem,

de doces e tristes coisas

é feita a vida.

Eu sou plantada neste chão.

Este chão sou eu.

Valdelice Pinheiro.

“Santa Casa de Misericórdia, Era preciso um leito/ na última agonia// Para curar e aliviar,/ era preciso um leito/ Monsenhor Moysés Couto/ sem hesitar dizia./ Fez-se a planta/ numa colina./ Canto de um dia novo/ andou na cidadezinha./ Santa casa que clareia,/ Santa  Casa  das dores./ Até hoje no leito/ duelam a noite e o dia”.

Cyro de Mattos: “Quem ama Itabuna, ama a Santa Casa de Itabuna. “

Obrigado Santa Casa! Obrigado Itabuna!

Silvio Porto de Oliveira.

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ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A OBRA DE ELVIRA FOEPPEL – Margarida Fahel

Palestra apresentada na mesa 2, do FLISBA  2021, dia 25.09, sob o tema A mulher na literatura

Reflexões em Elvira Foeppel e Carolina de Jesus.

O exposto pela confreira Raquel Rocha proporcionou-nos uma boa fotografia de um retrato da autora. Não se trata aqui de um pleonasmo. Defino, nesta fala, fotografia e retrato com diferentes sentidos. Entendo, deste modo, o retrato como algo pronto, definido, e fotografia com algo que se pode ver de diferentes maneiras, em conformidade à forma de enxergar, de entender, de questionar, de iluminar para mais ou para menos. Teríamos, na fala da expositora, a biografia da poeta e ficcionista ilheense, Elvira Foeppel. Diante dessa biografia, perguntamos: – O que é exposto na história é revelado na escrita? Parece-nos ser esta a necessária busca do leitor e, mais exigentemente, do leitor crítico ou do estudioso da obra.

A biografia nos fala de uma mulher à frente de seu tempo e do seu lugar. Uma mulher que, muito jovem ainda, se lança sozinha para a então capital do país, a cidade do Rio de Janeiro, centro do poder político, dos avanços de comportamento, de novos costumes, e das novas tendências filosóficas e literárias recebidas especialmente da Europa. Tendências que já repercutiam nos meios literários brasileiros. No Rio de Janeiro, lá estavam aglomerados nos círculos de discussão, ou nas mesas boêmias, muitos já grandes, bem como uns poucos iniciantes escritores. Bonita, de aparência vaidosa, bem cuidada, rosto bem maquiado, sorriso permanente no rosto, a eles juntou-se Elvira, a moça de Ilhéus. De logo com emprego fixo, emprego que nada lembraria o buscado mundo de escritora, que transpareceria de início, como introspectivo e controverso em seu aparente mundo interior. Tratava-se de um emprego na Revista Súmula Trabalhista, da Legislação Federal, dirigida por Nelson Fonseca. Diríamos lembrar, tal publicação, os nossos conhecidos Diários Oficiais.

Quando partira para a capital do país, Elvira já havia publicado um bom número de poemas e contos em jornais de Ilhéus. Prenunciavam eles uma escrita inovadora em sua forma, com estranha pontuação, alguns neologismos, mas controversa em sentimentos: saudades da infância e grande amor por aquela cidade que tomou como sua. Talvez mesmo já se pudesse entrever em suas publicações a temática de natureza existencialista, mal-estar no mundo, náusea, incompreensão alheia, deslocamento social, e busca de novos rumos. Já se enxergava em seus textos a necessidade de ajustar-se, mas a incapacidade para tal. Estava ali presente, ainda, certa sexualidade contida, velada.

Descobrimos, em sequência de leituras, e somando-se à biografia traçada, que a poeta era uma personalidade intrigante. Talvez para ela própria, assim como para nós, leitores. Embora deslocada e incompreendida em seu meio social, a cidade que tanto amava, a sua Ilhéus, ela se portava como uma jovem que amava as atividades festivas, dedicava-se a   fazer teatro, gostava de beber, de dançar, de namorar e de ir ao cinema. O retrato, portanto, vai ganhando novos traços. Neste momento, com vistas a nosso objetivo nesta mesa, vamos nos deter na Elvira carioca, aquela que começa a publicar fervorosamente nas revistas e jornais conhecidos da época, na capital do país. Para isso, selecionamos alguns contos, a fim de indagar quem seria ou como se apresentaria a escritora por dentro de suas personagens, e que espaços tais personagens trilhariam. Elvira Foeppel escrevia contos sem o esperado e tradicional enredo ficcional. Cada um dos contos vive um momento de uma mulher- personagem e quase sempre narradora. Dentre os selecionados para esta curta apresentação, apenas um conto tem um homem detendo o foco narrativo. Mesmo assim, ao final, ele parece, claramente, dar voz a uma mulher, que poderia  lembrar-nos a própria escritora. Aquela da fotografia.

Estamos assim a dizer que Elvira Foeppel se autobiografava? Pergunta que preferimos, e precisamos deixar em aberto, mesmo ao final desta fala. Há muito a estudar sobre sua obra poética, sobre muitos outros contos e sobre seu único romance, intitulado “Muro frio”. Ademais, além da própria complexidade do texto literário, mais complexo ainda é o ser humano e o imaginário que o comanda.

Mas, levantaríamos, ainda, uma outra interrogação. Haveria, conforme já apontado no início desta fala, na obra de Elvira, a influência do existencialismo sartreano, a presença da náusea, do sem sentido? Do “mal do século” daqueles anos cinquenta, mal saídos da terrível Segunda Guerra Mundial? E perguntaríamos ainda um pouco mais. Haveria nela, na enigmática escritora, por outra visão, uma feminista nascida? Livre, operosa, sem medo? Decidida a ser solteira, optara ela por uma buscada e segura felicidade de ser só? Ou haveria naquela mulher, ou na mulher-personagem, um grande medo da adaptação, um profundo medo de dividir-se?

Dessa forma, tomaremos para estas possíveis indagações, e buscando prováveis ou improváveis respostas, passagens de alguns contos do livro Da Sombra à Luz: seleção de contos de Elvira Foeppel. Organização Vanilda Manzzoni, Alicia Lose. _Ilhéus, Ba: Editus, 2004.

Para tal, na tentativa de englobar algumas características, sequenciamos alguns títulos.

Volta para casa às seis. Publicado na Revista Carioca, 1950.

Aspectos temáticos – O tédio. Personagem: uma mulher numa fila de ônibus. A incapacidade de sair de si mesma. As conversas em torno são frívolas. Nada a interessa ali. A fim de isolar-se, ela se fixa nas nuvens e em tudo que pode criar a partir do que enxerga naquele vai e vem incessante.

 Os minutos deslizavam sonolentos. Quinze já passados inativos. Fim de tarde no seu limite extremo, a noite chegando, invadindo de negrume todo o espaço. Olhei para cima, para as nuvens ainda claras que se moviam destacadas no fundo escuro, e procurei distrair-me imaginando figuras diversas que se formavam e se desmanchavam naqueles segundos (p. 41).

– Breves momentos. Publicado na Revista Carioca, 1950.

Aspectos temáticos – A rotina, a impaciência, a revolta. Mulher indo para o trabalho, no interior de um ônibus cheio. Pensamentos duros, desconexos, solitários. A mulher reflete que todos ali vivem a mesma difícil realidade, no entanto conversam, brincam e riem. Por que ela não consegue ser como eles?

  E sabiam sorrir. Deus, com displicência, sabiam conversar alto e dizer chistes e anedotas a qualquer instante e brincavam despreocupadas com as dificuldades dos dias e das noites. E então, porque Luciana não podia ser assim, fazer como elas e afastar, jogar para trás, para o passado, aquela revolta seca e muda, consumindo, gastando impulsos, trazendo inércia e germinando ódio e amargura no coração pequeno (p.73)?

– Uma menina loura. Revista Carioca, 1950.

Aspectos temáticos – Uma lembrança feliz. A personagem desperta feliz, o que é lhe incomum, e relembra o dia em que salvou uma menina de ser atropelada. Sente a utilidade de sua vida naquele momento. E surpreende-se pela alegria que a invadira ao ver que não fora esquecida pela criança, quando ela lhe trouxe flores.

 O mar continuava monstruosamente belo e importante. O céu ainda coberto de nuvens distantes, brancas, muito brancas, e quase correndo num passinho miúdo uma criança loura, de olhos azuis, muito azuis, com um buquê de flores nas mãos meigas. Ela não me esquecera. Como sorria e gritava o meu nome que na sua boca tinha uma beleza rica e era música, unicamente música (p.45).

– O pretinho João. Revista Carioca, 1950.

Aspectos temáticos – A lembrança saudosa, mas feliz e grata, de um menino pretinho, que passava todos os dias embaixo da janela da mulher sozinha. Conversam, tornam-se amigos, ele fala da dureza de sua vida, do “cemitério de rua”, mas lhe diz que é melhor ser bom e tratar a todos com alegria. O menino desaparece um dia e fica na mulher a saudade e a lição de vida que lhe deixara aquele menino de cabeça raspada, que sempre passava com sua enorme trouxa de roupa.

  Decididamente eu não podia esquecer o menino preto, como pedaço de carvão que todos os dias passava por mim com um sorriso grande na boca estreita, mastigando umas mesmas frases de palavras usadas e velhas como os molambos de panos que os vestia (p.63).

 Estranhava os seus pés descalços, e as suas calças rotas mostrando pedaços de um negro forte das pernas compridas e secas como caniços… Sempre aquela mesma roupa remendada em algumas partes e verdadeiros fiapos mostrando buracos em outros lugares (p.64).

–  Rotina. Revista O Cruzeiro, 1950.

Aspectos temáticos – Preparação de uma mulher para sair com seu marido.  Marido bom, nada lhe falta, nem beijos. Ela se sente má. Por que tão infeliz? Quantas mulheres queriam aquilo: sua vida. “Fácil, enterrada no luxo e tantas horas livres.” Ele nunca saberia de sua tristeza, de sua inadequação. Jamais ele compreenderia isto, ela pensa, enquanto apenas ajeitava a gravata do marido.

  Jamais teria queixas dela. Jamais pensaria que ela tinha olhos tristes, e boca silenciosa demais, para sua juventude. Sim, jamais ele compreenderia isto, percebeu olhando naquele momento, tão longe dele (p.72).

Assim estragada e incompreendida de se parecer apenas restando em felicidade através de seu segredo, guardado por vaidade e orgulho, de que valia viver, mentir-se em aparências, sempre? Cuidadosa como era sabia que jamais ele descobriria seu mistério, sua inadequação e quedaria sempre ignorado dela e da revolução que enchia suas idéias alimentando aqueles grandes desejos, perigosos desejos de ser livre descalça, sobre campos descampados a colher flores sob o sol ou sob a chuva (p.71).

– Indecisão. Revista Carioca, em 1950.

Aspectos temáticos – De repente, uma manhã de alegria. De repente, uma grande alegria! E seus planos de vida, de toda uma vida? Roberto a espera na praia. Ele deterá seus planos? A mãe a chama para o café. Ela descobre a alegria da mãe, por não ter escolhido a solidão como meta para a felicidade. É o que ela lhe diz ali, naquele instante mesmo. A dúvida. Roberto? E seus planos? Seus planos tão configurados para uma vida inteira? Fará como a mãe, como sua avó? Sua mãe e sua avó tinham razão? Os pensamentos eliminados.

Precisava decidir-se. Roberto ou sua solidão de sempre, de agora. Se não fosse medo dos anos vindouros, poderia quase afirmar que ia ser feliz., muito feliz com Roberto. Ele era bom, alegre, e tratavaa com uma ternura jovem, como se lidasse com uma criança a quem se diz tudo sobre as coisas. Regina se sentia bem, aprendendo em cada instante uma coisa nova. E aquela dependência que surgia, aquela entrega de problemas e aquele descuido, podendo viver encostada, confiando, sem cansar-se, era bom, era novo para ela (p.55).

Muitos outros contos desta obra ora citada estão também a exigir estudos e indagações. Assim como muitos, muitos outros, guardados em páginas fechadas. Assim está a bela e por vezes enigmática obra de Elvira Foeppel. Há que abrir suas páginas, folha a folha, linha a linha. Há que resgatá-la. Como dever de salvar beleza!

Margarida Fahel

Em 25 de setembro de 2021.

Observação – As reflexões sobre Elvira Foeppel se fizeram em dois momentos seguidos: Raquel Rocha, com aspectos biográficos e Margarida Fahel, observando aspectos literários, a partir dos contos selecionados.

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DISCURSO DO HERÓI DE PALMARES- Cyro de Mattos

Ao receber a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara de Vereadores de Salvador, em sessão solene, online, às 20 horas, no dia 3 de novembro de 2020.

Boa noite a todos.

           Ilustre jurista, vereador e confrade Edvaldo Brito.

Primeiro quero agradecer esse momento a Deus, depois à  minha esposa Mariza, que tem sido minha base durante 52 anos de casados, aos meus três filhos André Luís, Josefina e Adriano, que tanto me  motivam para que eu seja um cidadão digno, e aos meus seis netos, Rafael, Pedro Henrique, Gabriel, Luís Fernando, Marizinha e Murilo, que me dão alegria e certeza de que quando eu estiver em outra dimensão continuarei ainda aqui, neste velho mundo, em cada um deles.

Faço um agradecimento especial ao professor emérito e jurista consagrado, vereador Edvaldo Brito, o autor do projeto para que esta Casa me concedesse a distinção. Muito me honra ter sido colega daquele estudante pobre na turma de 62 da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Aquele rapaz de corpo comprido, que foi o orador da turma. Esse homem de cor, cidadão digno, um símbolo vitorioso da negritude na Bahia e no Brasil. Essa criatura rara, de cultura adquirida com esforço nos livros, brilho de sua inteligência, crença na força dos antepassados, e que se sabe herdeiro da fraternidade e compromissado com a verdade, portador do axé, que, como se diz no candomblé, é “a luz do dia”. É por sua iniciativa generosa que estou aqui sendo homenageado, apesar de surpreso até agora ao receber essa láurea, e comovido.

Certa vez minha tetravó materna contou à minha trisavó que contou à minha bisavó que contou à minha avó que uma gente que vivia nas suas aldeias foi retirada da África como bicho, pior do que bicho, para a escravidão no Brasil Colonial.  Filho foi retirado da mãe, marido da mulher, irmão do irmão, acorrentados foram trazidos com os rostos tristes, até que se viram jogados para o embarque como um fardo deplorável no porão fétido do navio negreiro.  Longe, tão longe, foi ficando atrás na savana a lágrima de Deus.  No rumo desconhecido, seguia aquela gente na carga desgraçada, feita com vozes sofridas na cena lastimada. Uma pobre gente solitária vagando pela imensidão das ondas salgadas. Viajava marcada sem perdão, o corpo amassado, a fome e a sede nas horas de aflição, menos para o traficante branco, que conduzia o navio por entre as águas de cobiça e perversidade.

No poema “Navio Negreiro”, de meu livro Poemas de Terreiro e Orixás, dou minha versão dessa sinistra embarcação com sua carga sofrida numa rota dos infernos.  Eis o poema:

Navio Negreiro

não adiantava

gemer

não adiantava

mugir

não adiantava

 viver

muito melhor

morrer

funda a ferida

amargo o ferrão

ardido o sal

aguda a solidão

negro negro negro

o mugido anuncia

a sede e a fome

 de boi em agonia

todo esse mar

é a desgraça

não branca

que até hoje

das entranhas

rola nas ondas

o seu mal-estar

o despejo na praia

diz de um tesouro

alimentado do pai

alimentado da mãe

do filho e do irmão

como ofensas no amor

do suor fabricado

para a saborosa canção

do constante senhor

 Na rota da desgraça foi submetida essa gente ao trabalho servil do Brasil colonial. Alguns negros inconformados fugiam da senzala em busca da liberdade na mata fechada. Não conseguiam reter o suor e a amargura que derramavam todos os dias para irrigar o canavial do senhor de engenho.  A fome do Brasil açucareiro era insaciável, nunca se satisfazia com o trabalho de graça dado pelo braço escravo. O feitor com os cachorros logo ia atrás do negro fujão, que terminava castigado com a sua afronta no pelourinho. Treze, trinta, cinquenta chibatadas. Muitos não suportavam o castigo, morriam esfacelados.  Tristes, os outros olhavam, não podiam fazer nada. Calados, lambiam o vento, que soprava no peito a sina feita de atrocidades, assim guardadas como ruínas dos dias nos gemidos mudos.

Quem de novo fugisse e fosse apanhado, o remédio agora era cortar um pé, para que o exemplo fosse melhor disseminado.  Minha avó contava que em outros casos de insubmissão a língua era cortada daquele negro falador, inflamando os outros para fazer a revolta. Contou mais que minha tetravó tinha o seio farto, foi lambido, bebido como gostosura o seu leite puro para o anjinho do senhor não sucumbir.  Senhores bigodudos, sisudos doutores provaram do leite morno e doce, saindo ilesos das sombras da morte.  A paga daquele ofício era na roupa lavada, engomada, no fogão aceso e abanado, no asseio de inúmeros cômodos, no carrego de feixes de cana, em tudo que tinha o gosto amargo para que a vida continuasse no seu ritmo invariável de dor e solidão.

O mel da cabaça da negrinha era para servir a seu dono, que deixava o fel nas entranhas. Matava a sede do que batia os dentes, montava nela com todas as forças que pudesse reunir e perfurava, sem remorso, umas carnes tenras. Arrancava os tampos com sua flor guardada entre as pernas, olhe lá, não tens que gritar, é pra ficar abafada nos lamentos, entorpecida pelo som e a fúria dos meus punhos, o querer é só meu, ninguém se atreva a interromper.  Passava o inverno, passava o verão, o tempo e as dores essa gente desgraçada ia moendo, remoendo. Como devia ser, os céus ordenavam. As horas se resumiam na fome e na sede de animal em passividade e agonia. O final todos sabiam, uma coisa, que teve a vida toda em luto perpétuo, era enterrada na cova rasa, mais nada.

E dizer que o Brasil foi carregado nos ombros dessa gente vítima de mazelas, violência e injustiça. De toda sorte de vilanias, preconceitos, desigualdades. Essa gente da qual também procedo, que deu o suor de sol a sol ao jugo do senhor branco e de volta recebeu a canga. O Brasil tem uma dívida com o negro que é impagável. Esquecido dessa dívida, ainda se vê hoje, em pleno século vinte e um, atos pusilânimes que alimentam a mancha que envergonha, essa chaga que subtrai e faz da vida um horror com fendas acumuladas de aversão, feridas que não curam.

Ontem na televisão, diante do rosto da humanidade pasma, a notícia veio com a cena do negro que teve a vida esmagada pelo policial branco.  Tiros foram desfechados nas costas de outro, que, indefeso, tentou fugir da perseguição como fúria canina. É comum a rejeição ao negro, considerado ao longo dos séculos como um ser inferior, de gradações baixas, daí não ser nada de mais ser visto até hoje no semblante inocente dele o ladrão ou o assassino.

Diante de tantas atitudes para alimentar o império do mal, destruir o espírito universal do bem, mais que nunca é preciso resistir, denunciar, lutar para desfazer a mentira e ao invés disso gritar a todos pulmões que a liberdade é o valor maior, a igualdade não é privilégio de ninguém, Deus fez todos nós com a mesma alma, o amor é o sentimento mais forte.

Devo lembrar que o Quilombo dos Palmares era formado por três aldeias. Aí por volta de 1640 viveram cerca de dez mil quilombolas. Eram fortes e contentes, plantavam de tudo e não se serviam da terra como fonte única de riqueza, através do açúcar. Cada família em Palmares ocupava um lote de terra, o que tirava dela era para o seu sustento. Em 1670, já inúmeros povoados cobriam muitos quilômetros de terra na serra do Barriga, em Alagoas.  Palmares havia se transformado em um Estado, situado na borda do litoral do mundo canavieiro. Tornava-se por isso mesmo em grave ameaça ao império do açúcar, com seu sistema fixo calcado no braço escravo, em benefício exclusivo do senhor de engenho.

         Tinha uma população de trinta mil almas quando sob o comando de Zumbi sucumbiu às investidas de Domingos Jorge Velho, chefe de um exército armado de canhões, constituído de nove mil homens. Sucessor do trono de Ganga Zumba, Zumbi mostrara ser um guerreiro implacável antes mesmo de ser derrotado por Domingos Jorge Velho. Há quem diga que ele se pareceu aos heróis de guerra Aníbal, Alexandre, Ciro e Napoleão. Diferente deles porque não combateu para conquistar territórios e glórias, mas para fazer de Palmares uma flecha a ser atirada para o coração da liberdade.

Muitos historiadores esconderam dos compêndios oficiais a grandeza do caráter de Zumbi dos Palmares, mas a verdade prevaleceu. Ele se tornou um verdadeiro herói do Brasil, símbolo da resistência negra perante o ferro do colono usurpador. De maneira que a essa altura só me resta dizer nesse momento de especial reconhecimento o quanto me dignifica receber da Câmara de Vereadores de Salvador, a mais antiga do Brasil, uma honraria com o nome desse herói negro. E assim terminar minha fala com um poema inspirado nessa figura, que por sua coragem e amor à liberdade, lealdade ao seu povo, tornou-se um marco elevado da tão esperada abolição.

Zumbi

Falo Zumbi,

digo Palmares,

ritmo da liberdade.

Falo Zumbi,

digo Palmares,

batuque da igualdade.

Falo Zumbi,

digo Palmares,

manual da fraternidade.

Falo Zumbi,

digo Palmares

sem o açúcar insaciável.

Falo Zumbi,

digo Palmares,

gente em grito indignada.

Falo Zumbi,

digo Palmares,

no abismo a África salta.

Luzes da Manhã,

força do amor

pelo chão e nos ares.

Espero que minha voz como um grão nos ventos da resistência venha se juntar ao movimento que vem lutando nos anos pela sanidade da razão, expandindo-se para a valorização e conscientização do universo do negro.

A todos, o meu muito obrigado por esse momento gratificante em minha jornada de vida.

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ILHÉUS NAS CRIAÇÕES DE ADONIAS FILHO- Cyro de Mattos

                    Na coletânea Histórias dispersas de Adonias Filho, que organizamos, Ilhéus aparece como o espaço ideal para a criação de dois contos desse ficcionista maior de nossas letras. A figura lendária de Dom Eduardo ressurge em O Nosso Bispo, através de imagens trazidas da memória, que em cada episódio exibe a criatura mais humilde e generosa, o único a que os presos amavam, os assassinos e os ladrões eram os irmãos preferidos. O autor ressalta a figura daquele abnegado frei, que percorria as roças de cacau, a pé ou montado pelas estradas de brejo. É para ele que Ilhéus pulsa a alma de sua gente com devoção e fé, reza e tem seu retrato nas casas, as criaturas apanham as flores no jardim porque acreditam que esse homem generoso como um santo, sereno como o mais humilde entre os seres humanos, possui os poderes do céu.

        Em A Lição, o narrador de segurança técnica enfoca o menino na aventura da vida, livre como o vento, ágil como o peixe, alegre como o pássaro. Ao ser levado pelo tio para estudar no internato em Ilhéus, o menino vai saber de repente como a vida é triste quando trancada lá dentro, na alma, com pedaços da infância. O choque causado em razão da mudança da vida livre para a prisão do internato fere e torna o menino, naquele instante, o pior dos rebeldes. Com uma voz mansa, o diretor diz para ele só permanecer na escola por sua livre e espontânea vontade. Ele pergunta se pode tomar um banho. Com a aquiescência do diretor, dirige-se para o banheiro do colégio. Era assim a primeira lição

     O mar de Adonias Filho, autor de ritmo poético, estilo sincopado na prosa cantante, mostra em Luanda Beira Bahia como exerce seu poder trágico para seduzir os homens, que não conseguem fugir ao destino de seu aceno movediço. Pelas vastidões das águas tudo trocam, pois são incapazes de permanecer na rotina do chão seguro. O mar no romance Luanda Beira Bahia está cheio de desafios e sortilégios.

Os homens de Ilhéus, ali do Pontal e do Malhado, tinham apenas dois caminhos – dois caminhos e nada mais que aprendia. Entravam matas adentro para o ventre da selva ou saíam mar afora para os portos do mundo. Preferiam o mar, os brancos e os negros, os de sangue português e africano, enquanto os caboclos de sangue índio escolhiam os sertões. O mar, assim começavam a andar, era o primeiro brinquedo. (p. 13)

                A personagem Lina do Malhado via o que estava muito além do próprio mar. As mulheres queriam os homens e eles, como os filhos, saíam para o mundo. Primeiro fora o marido Pedro, depois o filho, também Pedro. Como se elas, as mulheres, “estivessem a parir homens para o mar.” (p. 13)

                Luanda Beira Bahia apresenta também a personagem Maria da Hora, professora de Caúla, ainda moleque em Ilhéus, é quem traz as primeiras impressões a respeito do continente africano. Em certas horas, a mão negra se abria sobre o mapa e, mostrando os continentes, parava na África. “Homens de Ilhéus estão nesses mares”, observava.

             No romance com sabor de obra-prima, os dois irmãos Caúla e Iuta apaixonam-se e se unem sem que conheçam o parentesco entre eles. Os dois são filhos de João Joanes, o Sardento, “que tinha o doido sangue dos marinheiros, herdado do pai, avô e bisavô”. Durante o tempo que viveu em Angola, João Joanes assumiu a identidade de Vicar. Num desfecho funesto, os três descobrem em Ilhéus, no sul da Bahia, ao mesmo tempo, os laços sanguíneos que os uniam e, diante de situação terrível, o pai põe fim à vida dos filhos e à própria vida como forma de reparar a tragédia que havia promovido.

              O desfecho trágico do amor entre irmãos tem como testemunha a jindiba, árvore que era para o menino Caúla como o centro do mundo. O mar e as colinas tinham nela o ponto de referência. A jindiba de Adonias Filho tem função importante no alcance do verdadeiro efeito dramático carregado de simbolismo. Será derrubada e transformada em canoa, servindo como caixão para guardar os três corpos. Mulheres surgiram, não muitas, flores dos quintais nas mãos. Debruçaram-se sobre o caixão de jindiba e, dentro, viram o Sardento sozinho, em frente. Abaixo, lado a lado, Caúla e Iuta. Colocaram as flores, benzeram-se, fizeram o silêncio.

E, logo os homens ergueram o caixão e andaram na direção do cemitério, a chuva caiu como se viesse para lavar o mundo. Pé de Vento atrás, a seguir sem pressa, a pensar que deviam pôr um velame. Um velame de saveiro pequeno na canoa que era o caixão, largá-lo em mar alto, João Joanes e Caúla gostariam daquela viagem como bons marinheiros.  O negro pensando, a andar. E, com o velame aberto, fariam a volta que fizeram por Luanda, Beira, Bahia. (p. 139)

       Em Luanda Beira Bahia, romance imantado sobre a dimensão de horror da tragédia, Adonias Filho mostra como consegue construir uma obra literária com valores míticos a impor soluções exasperadas, movidas pelas forças da vida e da morte. Entre a paisagem do mar, que exerce uma atração fascinante às gentes dos Ilhéus, e os mares interiores, fundos, profundos, no vaivém de águas aflitas, impregnadas do amor.

         Os bonecos de seu Pope é um dos livros que Adonias Filho escreveu para o público infantil. Narrado com graça e mistério, conta a história de um velhinho, de poucos dentes, cabelos brancos, rosto vermelho de tomate maduro. Um tipo sábio, que um dia aparece na cidade de Ilhéus com seus bonecos de madeira, bem-falantes, sem que alguém soubesse de onde ele veio com seus filhos, que por serem diferentes atrai a curiosidade das pessoas.  Os bonecos Quincas, Gaspar e Chico são como se fossem de osso e carne, sofrem e amam como qualquer criatura. Quincas pilheriava, Gaspar era o contador de histórias, o que mais agradava, e Chico o que dizia coisas sérias. Vestido como se fosse um artista de circo, conversando com os seus   bonecos de roupas coloridas, o velhote fazia um espetáculo à parte, que atraía gente grande e adulta à praça, aos domingos.

        Ilhéus serve de cenário luminoso e aconchegante para a exibição desses bonecos, que falam através de Seu Pope, velhinho que tem dez vozes na garganta. O mistério de como os bonecos foram criados por seu dono é guardado por Formiguinha, uma mulher que nascera do encontro entre o arco-íris e uma égua selvagem. Como isso foi possível, ninguém fica sabendo, pois Seu Pope some de Ilhéus no último espetáculo que daria na praça, lotada por gente ansiosa para saber a revelação de tal mistério.

            Auto dos Ilhéus é um primor de texto no gênero. Está dividido em dez quadros. A Povoação, Os Colonos, Os Jesuítas, Os Sertanistas, A Santa Nossa Senhora, Os Desbravadores, Os Imigrantes, Os Sírios, Os Coronéis e Dom Eduardo. Os quadros cobrem o período de 1535 até o primeiro quartel do século XX, no qual sobressai a figura de Dom Eduardo, o padre dos pobres, pai dos desvalidos, dos necessitados de Ilhéus. Texto escrito com o som da história e as cores do coração recria a epopeia da fundação e desenvolvimento de Ilhéus, ofertando aos pósteros a memória da cidade plantada numa baixa de extensa varjaria, à borda da costa.

A novela Simoa alude à fase da ocupação da terra na infância da região cacaueira. Simoa veio das águas, foi encontrada na praia dos mares de Ilhéus. Suas atitudes na selva mostram-se ligadas ao plano divino. Torna-se respeitável, será guia no êxodo do povo negro, que recebe no final a nova terra, com a água doce nascendo e enchendo os canais. E todos viram quando ela e seu louro Naro sumiram no fundo da fronteira, em caminho do mar. Os mares de Ilhéus exercem aqui uma função mítica e contribuem para que a solidariedade seja exercida.

É prazeroso ver como Adonias Filhos demonstra que basta ao escritor tomar como motivação de sua obra o lugar onde nasceu e cresceu, mesmo que seja um ponto desconhecido do mapa, para ser reconhecido no mundo.

Referências

MATTOS, Cyro de. (organizador). Histórias dispersas de Adonias Filho, Editus, Ilhéus, 2011.

  FILHO, Adonias. Luanda, Beira, Bahia, Editora Civilização Brasileira,  Rio,17971.

———————– Os bonecos de Seu Pope, Edições de Ouro, Rio, 1989.

———————– Auto dos Ilhéus, Civilização Brasileira, Rio, 1981.

———————–“Simoa”, em Léguas da Promissão, Civilização Brasileira,  Rio, 1968.

 

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ROMANCE DO NEGRO EM TORTO ARADO- Cyro de Mattos

           Romance do baiano Itamar Vieira Junior, Torto arado (2019) conquistou o prêmio Internacional Leya, um dos mais prestigiados em língua portuguesa, que tornou o autor em um fenômeno da literatura contemporânea. Graças à láurea merecida foi conduzido para além das fronteiras nacionais. O prêmio conquistado deu fama ao autor que há pouco tempo só tinha publicado dois livros de contos: Os dias e Oração do carrasco. O romance rendeu ainda a Itamar Vieira Junior os cobiçados prêmios Jabuti e Oceanos de Literatura, o que expandiu ainda mais o seu nome de romancista e impôs a tradução da sua obra em outros idiomas.

        Romance de narrativa segura, que encanta, dotado de uma uniformidade em sua construção estética que satisfaz, apresenta-se com dois planos no enfrentamento do tema, um de natureza histórica conectado à solidariedade da realidade social e o outro nas relações com o mágico, adotado por alguns de seus personagens, em convívio atemporal com os espíritos conhecidos como encantados. Intenso na carga dramática prende na medida em que vai desenvolvendo a trama vivida por Zeca Chapéu Grande, mãe Salu, as filhas Belonísia e Bibiana, vó Donana, e outras personagens paralelas, como Crispina, Crispiniana, Tobias, Severo, Domingas, Maria Cabocla, compadre Saturnino, o gerente Sutério, Miúda e até mesmo pelos encantados Velho Nagô e Santa Rita Pesqueira.

           O tema do romance atravessa o Brasil mascarado em outra face da escravidão do negro, esse desgraçado vivente que um dia estupidamente foi retirado de África para fornecer mão de obra gratuita nos longes de outras terras.  O discurso do baiano Itamar Vieira Junior motiva-se assim com o tema que envolve o descendente desse negro esquecido depois da abolição da escravatura. Quando então soube de outro tipo de escravidão, imposto no trabalho sem paga pelo dono da terra.

          Chegando à   fazenda, depois de vagar, vulnerável por todos os lados, recebia de favor a morada de adobe e vara trançada, de fragilidade visível para que não durasse com o uso e fosse substituída nos mesmos moldes pelos descendentes da mão servil e gratuita. No jogo que só favorecia ao dono da terra, não era permitido ao trabalhador que fosse construída uma casa de tijolo.  Na morada precária, sem água encanada e energia elétrica, exigia-se de seu morador que trabalhasse a terra sem receber remuneração e tudo que produzisse nela por mãos calosas, na lavoura de duração perene, era destinado ao dono da fazenda.

          Difícil que em ambiente de tamanha dificuldade o trabalhador arranjasse tempo para zelar de sua lavoura de pouca duração na várzea quando estava seca, isso era tarefa para a mulher e os filhos. O quintal da casa era também onde a mulher plantava a abóbora, a batata-doce, o quiabo, o tomate e o alface. O alimento sempre era escasso nos períodos de seca prolongada ou de chuva em abundância. Nessas horas de mais vexame, recorria-se ao parente e ao vizinho para arranjar algo que abrandasse o duro passadio.  No estio demorado, o trabalhador alimentava-se com beiju de jatobá, peixe pequeno pescado no rio empoçado. Nas cheias, em algum braço do rio ou lagoa que se formava na várzea, pescava-se o peixe grande, o que até certo ponto aliviava.

      Torto arado conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia, que ainda pré-adolescentes sofrem o acidente com a faca de cabo de marfim e lâmina que brilha como espelho, escondida entre as roupas velhas da avó Donana, na mala debaixo da cama.  É quando a aguçada curiosidade das irmãs força que descubram o que existe guardado na mala debaixo da cama, fazendo que se vejam surpresas diante da faca de intenso brilho na lâmina e com o cabo de marfim. Ocorre o acidente em que uma delas tem a língua cortada enquanto a outra apenas fica ferida. A irmã que ficou sem a língua só será revelada no final do romance, recurso que o autor usa com habilidade na técnica de sustentar o suspense para aprofundar a narrativa na trama, em cujos atalhos de passagens impressionantes desenvolvem-se outros acontecimentos arrojados vividos pelas duas personagens.

           Com o acidente, uma irmã fica como responsável na transmissão   dos sentimentos da outra, do significado dos dizeres em silêncio provocados pela espontaneidade do riso ou desconforto da tristeza. Na situação que sempre existia com a compreensão recíproca, numa convivência de gestos expressos com o sentimento de amor fraterno, como antes nunca deixou de existir. Mais unidas estavam agora, apreensivas, até certo ponto cautelosas, uma pressentindo o que se passava no coração da outra, sem poder expressar suas reações diante dos seres e das coisas.

                Aparece em suas vidas o primo Severo para separá-las nos sentimentos bons que existiam entre elas, naquela irmandade formada pela cadência do viver desprovida de animosidade. As chamas do amor surgem para aquecer de repente o coração de cada uma, as pulsações agora são causadas pelas visões que as inquietam, originadas pela jovialidade do primo. A desconfiança e o ciúme são mazelas que nascem dessas chamas para separá-las no rancor, que não souberam antes em qualquer circunstância.   O diálogo nutrido pelo afeto já não se faz disponível pela alma que teme ser ofendida pela vitória do amor da outra, a que não ficou emudecida com o acidente provocado pela faca de cabo de marfim.  Somente no final é também revelado o mistério que envolve a faca de lâmina brilhante, durante tanto tempo guardando o segredo de algo fatal por Donana, que reage zangada quando pressente que o instrumento afiado possa ser descoberto por algum curioso.

          Bibiana faz-se agricultora com o passar do tempo enquanto a irmã Belonísia acompanha o marido quando ele se afasta da fazenda Água Negra em busca de melhores dias na cidade. É lá, em chão estranho, de desafio e dificuldade, que ela consegue se formar em professora.  De volta às origens tempos depois, o marido entrega-se à causa de conscientização dos que trabalham na terra com as mãos incansáveis, recebendo no final como recompensa o descanso no cemitério Viração. E dessa  maneira, conscientes do  discurso solidário, possam se libertar do jugo imposto na rotina do trabalho sem paga,  que exaure, torna a vida sofrida, inconcebível, sugada na lavra até a derradeira gota de suor, que só encontra sossego no sumidouro de uma cova rasa.  Severo é assassinado. Belonísia decide retomar a luta do marido para a libertação dos que vivem submissos à canga do dono da terra, o único que tira proveito do trabalho exercido em condição desumana.

          Em Torto arado, romance audacioso na denúncia social, como Beira rio beira vida, do piauiense Assis Brasil, o autor não se omite quando é para dar seu testemunho crítico sobre a questão social da terra usada em níveis desumanos. Faz ecoar de suas páginas o grito pungente riscado nas dores de uma realidade soprada pelo vento de amanhecer áspero, que só encontra alento no escape para uma hora mais branda vivida no plano espiritual com os encantados.

              No final de romance tão belo quanto revelador da vida encalhada numa estrutura arcaica, a personagem Salu deixa seu grito ecoar contra os donos da terra e o uso dela de maneira desumana, num misto de coragem assombrosa e grandeza humana:

“Vocês podem até me arrancar dela como uma erva ruim,   mas nunca irão arrancar a terra de mim.” (página 230, edição 2020)

            Para esse romance de incursão intimista e social na realidade rural brasileira, motivado pela gente do quilombo, a mensagem de uma épica contemporânea é encerrada com o pensamento reflexivo de afirmação lúcida.

                                             “Sobre a terra, há de viver sempre o mais forte.”  (página 262,  ano 2020)

              À afirmação de mensagem poderosa pode ser adicionada a bandeira do sentimento do amor, que é de fato o mais forte, e o da liberdade, o mais valoroso.

 

            Referência

    JUNIOR, Itamar Vieira, Torto arado, romance, Prêmios Leya, Jabuti e Oceanos de Literatura, Editora Todavia, São Paulo, 2020.

 

*Cyro de Mattos é autor de 80 livros, de diversos gêneros. É também publicado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos.  Membro da Academia de Letras da Bahia, Ordem do Mérito do Governo da Bahia, Pen Clube do Brasil e Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.  Distinguido com a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara de Vereadores de Salvador. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.     

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UMA SALA, UM JARDIM E O QUE MAIS AS LETRAS PERMITIREM- Silmara Oliveira

 

Primavera do ano de 2021, neste vigésimo terceiro dia do mês de setembro, inauguramos novas folhas na Academia de Letras de Itabuna, ano de seu décimo aniversário. Estas folhas compõem-se de esperança nos homens e na literatura e, não há sombra que paire sobre si, fazem vivo o capítulo da existência, por meio da roupagem literária, os acontecidos do cotidiano.

 A literatura nos fuxica com detalhismo, dependendo do seu criador, o calor amarelo-morno do sol, aroma dos corpos, o barulho das águas, certo tiroteio na rua de baixo, folha nova molhada pelas gotículas de sereno, o frio na espinha de quem vê assombração, namoro novo no capinzal.

 

 Ela que conta com palavras para formar imagens, mostra-se como abóboda celeste recobrindo paisagens e criaturas humanas, criaturas não-humanas, sonhos das crianças pobres, ricas, meigas; a fome da criança no barco, ao atravessar o rio noite a dentro. A literatura ainda nos faz sabedores dos estupros nos ônibus; andar manso da bunda redonda da mulher com o tabuleiro na cabeça, pinta a cena dos pãezinhos de queijo.

A literatura nos assombra com as onças que devoraram a criança, o rifle no branco-claro da lua, na tocaia, e o estampido que paralisa sua vítima; a ligeireza do ladrão em fuga, o menino, escondido na trincheira dos sacos de cacau, sobreviveu a chacina de sua família; piano solitário nomeio da mata.

Letras e palavras em poemas e romances despertam nossa fome com o cheiro do feijão com charque e abóbora na casa de barro batido. Faz vingar a plantação novinha de milho verde; a música orquestrada pelo vento no capim doce, o silvar das cobras, coacho dos sapos; a roda dos carros no asfalto, pipa multicor no céu azul.

A Lítera-arte faz a linha de sangue subindo e descendo ladeira, sonho e loucura andarem juntos, ouro em tigelas no garimpo; A língua de uma que fala pela outra; O cego tátil na vulva; sonhos da impossível liberdade, a realidade ocultada por sílabas de amor. E vamos lembrar Macondo, a cidade que pulsa no coração da via latino-américa. Mas, é também pela literatura que chega a esperança da liberdade, notícias da vida real, de como fazer, de como aprender, de como Ser. As lutas, o sangue, a espada, e o clamor do povo.

Nesta noite, a crença de que já somos tudo isso que está posto nas páginas dos milhares de livros do mundo, aqui e em muitos lugares, nos traz a alegria de poder continuar nesta Sala, nesta universidade, como fator de soma, amparada pela institucionalidade federativa desta nação e, por isso, agradecemos a generosidade da Magnífica Reitora Joana Angélica, e a toda sua equipe, nos nomes, do Decano Fernando Gigante Ferraz, Cláudia Pungartinik, Raquel da Silva Santos, Fran Silva.  Agradecimento a todos os colaboradores desta casa UFSB.

Gratidão a ALITA nobres confrades e confreiras, Eugênio Nobre, artista da noite, gente de Itajuípe. E especial agradecimento a Ulisses Luedy e Júlia que me acompanham nas viagens físicas e oníricas.

Boa Noite!!! Viva a ALITA NOS SEUS DEZ ANOS, um salve especial a tão preciosas presenças na abertura desta sala e, ao reitor da Universidade Estadual de Santa Cruz, o confrade Alessandro Fernandes, o nosso desejo de ser também apoiada nesse construto que é a oferta da literatura em favor da nossa região.

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AS BENEVOLENTES – LITERATURA EM TEMPOS DE FASCISMO – Charles Nascimento de Sá

A Segunda Guerra Mundial foi o maior conflito bélico que o mundo já vivenciou. Ocorrida entre os anos de 1939 a 1945 envolveu todos os países do planeta. Na sanha militarista e expansionista da extrema direita alemã, italiana e japonesa se encontram a gênese desse conflito. Na figura de Adolf Hitler jaz o artífice e causador das ações iniciais que deflagaram a guerra.

A história já teceu inúmeros estudos sobre o nazismo e o facismo, sobre a Alemanha após I Guerra, a expansão dos regimes autoritários de extrema direita e extrema esquerda no mundo após 1918, bem como diversos outras análises e interpretações sobre a Europa e demais continentes entre a eclosão da Grande Guerra de 1914 até o término da Segunda Guerra em 1945. No dizer do historiador inglês Eric Hobsbawm foram 31 anos de celeumas envolvendo diversas partes do mundo, ou todo ele.

Mas não apenas a história se assenhorou do período entre as guerras, a literatura foi aí pródiga na produção de obras, sejam aquelas escritas no calor da hora, como A revolução do bichos de Olwen, Por quem os sinos dobram de Hemingway, ou trabalhos mais autobiográficos como O diário de Anne Frank. Esse são apenas alguns exemplos do período. A posteriori uma gama diversificada de autores, em todos os continentes, se dedicaram a escrever livros tendo como pano de fundo a Europa, ou outro continente, durante a guerra.

O alvorecer do século XXI viu o empenho em romancear e escrever sobre as Grandes Guerras crescer majoritariamente. Entre obras descartáveis, romances confusos ou piegas, boa escrita tem sido desenvolvida. Entre os textos que se destacam, devido à sua escrita e impacto sobre o leitor e a crítica especializada, o romance As benevolentes, do escritor norte-americano, mas de formação francesa, Jonathan Littell, tem lugar capital.

Seja pela profundidade da obra, pela sua escrita, pelo caráter de seu personagem principal, pela pesquisa histórica que embasa todo o romance, pelo cinismo concernente ao modo como o tema é tratado, pelo seu desenvolvimento e desfecho, em todos os lados para onde se olhe o texto de As Benevolentes é cativante, desafiador, envolvente, perturbador, profundo, esclarecedor, revoltante e apaixonante. Possui, enfim, tudo aquilo que uma grande obra literária requer para ser sempre indicativo de uma boa leitura.

O livro foi considerado pela crítica francesa o novo Guerra e Paz do século XXI. Se no majestoso romance do escritor russo Leon Tolstói as guerras napoleônicas servem de pano de fundo para o desenredo do romance entre seus personagens, com destaque para Pierre Bezukhov, Natasha Rostova, André Bolkonski, Maria Bolkonskaya e Nicolau Rostov, além do próprio Napoleão Bonaparte, no livro de Littell o enredo centra-se na figura de Maximilien Aue, alemão de ascendência francesa que, após ter sido detido pela polícia alemã por estar em um parque dedicado a encontro entre homossexuais é cooptado por Thomas, jovem oficial nazista, que após uma conversa com Aue o convida a entrar nas fileiras do partido. Cínico e egoísta Aue vê nisso a oportunidade para aproveitar a ascensão do partido Nacional-Socialista alemão e ganhar poder e prestígio para si.

A trajetória dos dois amigos será desenvolvida em paralelo a todo processo político, militar e humanitário gerado pela Segunda Guerra. Da invasão da Polônia, passando pelos guetos judeus, campos de concentração, países invadidos, conspirações, encontros entre as elites europeias que apoiaram o Reich, eventos do partido Nazista, entre os quais destaca-se aquele que definiu o conceito de solução final, surgido durante a Conferência de Wannsee e exposta depois em uma carta do general das SS Reinhard Heydrich. Os dois oficiais vão galgando a cada novo período maiores postos no interior do partido. Vale lembrar que a organização oficial do Nazismo assemelhava-se ao do exército alemão com postos, títulos, patentes e medalhas similares ao que as forças armadas germânicas faziam nessa época.

Um dos traços que distingue toda a narrativa contida no romance vem do caráter cínico do seu personagem principal. Maximilien Aue começa sua narrativa descrevendo com precisão germânica os números concernentes ao conflito: vítimas, mortes, destruição perdas financeiras são aí indicadas em um texto que pode ser utilizado em qualquer aula de história dado seu preciosismo e veracidade. No desenvolvimento do romance suas motivações e avanços junto ao partido são sempre explicadas e analisadas de forma biltre e sem nenhum tipo de remorso ou arrependimento.

Uma das característica desse personagem tem a ver com sua homossexualidade e seu amor pela irmã. Quando eram novos eles mantiveram um caso, seu afeto e desejo por ela foram o motor para desenvolvimento de sua sexualidade. Ambos mantiveram o romance até que ela teve sua menarca, a partir daí, não tiveram mais contato. Ao irem para internatos em separado durante a adolescência o amor da irmã por Aue feneceu, ele, porém, manteve o desejo sexual aberto. Ao perceber que ela não iria mais ter contato com ele, decidiu então, por amor a ela, sentir o mesmo prazer que esta sentia, buscando satisfação nos braços de outros homens. A sexualidade do personagem será um dos vetores em todo processo de sua ascensão nas fileiras do partido e na forma como ele interagia com outras personagens. Sua discussão e digressões sobre o assunto são ácidas, racionais e irônicas.

As vitórias da Alemanha nazista no início do conflito são detalhadas e explicadas durante as trezentas primeiras páginas do romance. Toda euforia, perseguição, orgulho, sede de poder, nacionalismo, fanatismo e mentiras que eram espalhadas pelo partido e que permeavam o povo alemão são descritos e explicitados. O processo de expansão da Wehrmacht, a força de defesa que substituiu a Reichsheer, exército germânico da Primeira Guerra, que ficou impossibilitado de se expandir devido a cláusulas do Tratado de Versalhes, é narrado com todo o vigor e destruição que causou nas áreas inimigas. A convicção de que o poderio alemão era inigualável, demonstrado pelas inúmeras vitórias da Blitzkrieg, são traçados nessas páginas do romance. Junto a vitória, o delírio e fanatismo da extrema-direita alemã é explicado.

A narrativa que inicia a segunda parte do ramonace, tem como pano de fundo a batalha de Stalingrado. Ela redireciona o leitor para o outro viés do conflito. A partir do momento em que a máquina de guerra alemã começou a dar seu primeiros sinais de que não conseguiria avançar em direção ao Leste, que os esforços e poderio militar da União Soviética demonstravam ser significativamente melhores e superiores ao dos nazistas, o impacto dessa incerteza e do medo se faz sentir em todo o romance.

Levados pelos embates no leste e receando não vencer a guerra contra os comunistas, os nazistas intensificam ainda mais suas loucuras e convicções políticas. Aue acompnha a batalha de Stalingrado e dali parte para as áreas dedicadas ao extermínio do povo judeu. Ele e Thomas participam da organização e desenvolvimento dos campos de concentração. Todo rigor e precisão alemã se voltam para solucionar aquele que era considerado o mal maior entre os nazistas, isto é, o extermínio dos judeus. Junto a estes, homosexuais, ciganos dentre outros adversários do regime, seriam também eliminados.

Ao longo das mais de seiscentas páginas seguintes somos engolfados em diversos horrores e tentativas desesperadas e alucinadas por parte dos nazistas, de modo particular entre sua cúpula dirigente, de tentar frear e reverter a perda de poderio militar e de espaço da Alemanha diante da União Soviética.

Quanto mais o exército recua, quanto mais a Luftwaffe demonstrava sua inferioridade frente aos caças soviéticos e a Real Força Área britânica, mais Hitler, Goebbels, Himmler, Goering e demais dirigentes do partido, bem como a alta cúpula do oficialato alemão, se dedicavam a perseguir, torturar e exterminar aqueles que era considerados inimigos do sistema. Vetor dessa espiral de loucura os personagens Aue e Thomas descem cada vez mais na perseguição aos inimigos do regime, até que as benevolentes, encontram os dois.

A força narrativa de As Benevolentes traça um impasse no leitor: de uma lado ficamos envolvidos, hipnotizados, não conseguindo desgrudar da leitura desse romance; de outro lado, sua ferocidade, crueza, maldade, racionalidade e desumanidade faz com que nos sintamos sujos, tristes, bestializados diante do que o ser humano é capaz de fazer.

Ler, ou reler, As Benevolentes em tempos de bolsonarismo e de ascensão da extrema-direita no Brasil e no mundo é crucial para se entender a irracionalidade, a agressividade, a loucura e a apneia intelectual que regimes fascistas provocam em seus seguidores.

Boa leitura!

 

Charles Nascimento de Sá é Historiador, Mestre em Cultura e Turismo Dr. Em História pela UNESP/Assis. Professor da UNEB, Campus XVIII, Membro da ALITA com a cadeira de número 40.

 

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ALITA 10 ANOS- Silmara Oliveira

Animai-vos povo Bahiense! 

Como palavras da noite escolho duas: animar e conspirar.

Faço referência ao título do livro Animai-vos povo Bahiense! A conspiração dos alfaiates, dos organizadores: Carlos Vasconcelos Domingues, Cícero Bathomarco Lemos e Edyala Yglesias.

O tempo é para animar-se, acelerar em alta a vibração no nosso entorno. Aproveitar o nosso lado psicológico – a alma, a mente e o coração, constantes na sede do nosso pensamento – para tomar posição altiva, já que adentramos o outono, estação que traz frescor e conforto visual na atmosfera. Somos quarenta acadêmicos, quarenta rotações de alegria por esta noite de felicitações à casa que nos une e, estamos vivos.

Se olharmos para os lados, há cinzas que recobrem, não só este nosso país, mas também, a terra inteira, A Terra em pandemia como já escreveu o poeta Aleilton Fonseca; se olharmos para trás, passos dados em estradas por vezes planas, por vezes, tortuosas, mas, se nos dignarmos a encarar o futuro, haveremos de ver luz brilhante no túnel, não no fim, nele inteiro, porque o que esta academia apurar ao longe, em idade muito avançada, certamente, sobreviverá.

O Tempo é para conspirar contra os maus augúrios dos últimos dias com a pandemia se alastrando, sem freios, pelo planeta, respirar em conjunto contra as desilusões de quando um sonho comum parece desvanecer, e tivemos que lutar para afastar alguns descompassos aqui na nossa academia. Aparecerão outras fissuras, é o comum da vida, mas fazemos parte de um sodalício que aniversaria dez anos de idade, a ALITA é, pois, uma criança, e estamos dando testemunho da nossa conspiração contra adversidades à sua infância.

Disto tratamos ao agradecer o companheirismo que em hora necessária nos tem acorrido em união e prontidão às ocorrências. Conspirar em sentido construtivo tem sido providência, a exemplo da água, que se desvia de obstáculos; animar tem sido a alma que eleva nossas ideias, vontade, emoção e caráter, em sentido de animus, formando nossa identidade alitana.

Estamos hoje numa expectativa de boas aventuranças, afinal, reunir em torno desta agremiação, um conjunto especial de pessoas com propósitos afins, de congraçamento com a arte e a literatura, colaborando, cada um à sua competência, nos torna confiantes para pautar projetos que, por sua vez, pretendem atrair de forma especial, leitores e atores sociais, que sintam nesta entidade os pés e a cabeça no futuro, sem esquecer a nossa origem.

E falar da origem, do começo da literatura, no território do cacau, requer de nós rememorar os pilares que fundamentam a profundidade de tais escrituras. Geográfica, ambiental e socialmente: uma imensidão de mar, a mata, paisagens virgens e densas em abundância de tons verdes, sua derrubada, índios como donos, animais em grande quantidade e tipos; homens que ambicionavam terras, populações que se formaram; o cacau trazido e disseminado por homens e juparás, implantado; o comércio que chegou, comunidades localizadas, para depois, a sociedade plena.

 Até aqui tudo muito simples no modo de dizer, mas ao mesmo tempo complexo como tem que ser. E para essa fala de complexas tensões sociais, grandes mestres. Mencionar seus nomes é como despertar o passado, dia após dia, em suas páginas de romances, contos e crônicas da vida narrada, poemas. Trazer em lufadas de memória amores e guerras, caminhos e fendas, tiroteios e correrias, banhos de rio e crianças ao peito, prostitutas e rezas, lautas mesas e fome, frio e sede, danças e mortes.

Entramos a chamar nominalmente, Adonias Filho, Jorge Amado, Jorge Medauar, Sosígenes Costa, João da Silva Campos, Ildázio Tavares, Euclides da Cunha, Telmo Padilha, Cyro de Mattos, Ruy do Carmo Póvoas, Valdelice Pinheiro, Hélio Pólvora, Maria de Lurdes Netto Simões, Sione Porto, Marcos Santarrita, Ceres Marilyse, James Amado, Firmino Rocha, Augusto Mário Ferreira, Natan Coutinho, Aleilton Fonseca e outros mais novos de temática mais renovada, sobre os aspectos humanos e sociais.

Enquanto escrevo, observo um caracol no meu quintal, no alto da velha caramboleira, me pergunto: mas como? Saído do chão e vigiado por Júlia, minha filha, que vive a tomar conta do destino dos caracóis do quintal, imediata analogia tracei entre a ALITA e o caracol. Pequenino ser, tão lento e tão no alto, no topo da árvore.

Sinto isso da Academia de Letras de Itabuna e penso que, pacientemente, traçamos um caminho que pode chegar a alturas.

A favor, tem edições de revistas, palestras, rodas de leituras em escolas, lançamento de livros, atividades culturais, é uma academia com empatia para com a identidade da Consciência Negra. Atividades que, possivelmente, serão acrescidas de outras com perfil mais moderno e de alcance em mídias digitais, atreladas ao mundo virtual.

São passos que devemos transformar em movimentos mais dinâmicos, com maior capacidade de abrangência. Lembrando que o lugar da academia será sempre o da cultura, primordialmente, no cuidado com a produção da escrita e da leitura. E é com esta perspectiva de bons ventos soprando ao nosso favor, que saudamos a Academia de Letras de Itabuna nos seus dez anos de existência e desejamos muitos, muitos, muitos anos de vida.

Parte II

Nesta noite de festa e celebração estou convicta de que a sabedoria é aliada da calma, da fé e da esperança. Por algum tempo esperamos pela posse de alguns convidados, agora membros acadêmicos, gratos confrades, de espírito livre e ações de intelecto ativo.

Assim foi com o confrade Alessandro Fernandes de Santana, convidado pela confreira Sônia Carvalho de Almeida Maron, o confrade Sílvio Porto, indicado pela Confreira Sione Porto, a confrade Joana Angélica Guimarães da Luz, a convite de quem vos fala neste momento, o confrade Wilson Caitano de Jesus Filho, por indicação de confrade João Otávio Macedo, a confreira Reheniglei Rehen convite de Cyro de Mattos,  e Charles Nascimento de Sá, por Janete Ruiz, alguns com mais, outros menos tempo de convite, todos confrades e confreiras empossados.

Agora reunidos, estaremos em condições de trabalhar em prol dessa região tão agastada por tantas faltas. Longe que estamos das condições de desenvolvimento econômico tão promissor, como de fato aconteceu tanto na vida real, quanto retratada na vida ficcional, pelos já mencionados escritores.

Nosso papel, enquanto alitanos, cada um em seus postos de trabalho e atuação social, devemos sempre pensar de modo a conduzir nosso grão de areia para esse construto por meio da literatura. Como chegaremos aos mais novos? Qual a chave de acesso para melhor aproximação com a comunidade local?

Questões fáceis de responder quando reunidas três importantes universidades: Universidade Estadual da Bahia – UNEB – acolhendo o confrade Charles Nascimento de Sá, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – Alessandro Fernandes Nascimento e Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB – Joana Angélica Guimarães da Luz, mais Sílvio Porto, Wilson Caitano de Jesus Filho e Reheniglei Rehen, pessoas de espírito e conhecimento, que há pouco juraram pelo bem da ALITA e seus objetivos.

Em nome de todos os alitanos, parabenizo e saúdo os novos acadêmicos para que imbuídos do sopro que anima a vida, possamos realizar o que se deseja e espera de uma academia de letras. Sejam todos bem-vindos.

Tenho verdadeira admiração a homens e mulheres quando se juntam em agremiações para realização de grandes feitos, assim como pedra angular que norteia e edifica a construção que se pretende, considero cada homem e cada mulher que edificou a Academia de Letras de Itabuna. Minha consideração especial aos fundadores, à sua dedicação diuturna para afirmação da solidez desta academia. A cada alitano que cumpre seu papel com empenho e dedicação a nossa gratidão, nosso amor e carinho.

 Ressalto que deposito minha fé em todos que estejam dispostos a acalentar o sonho de dignificar com trabalho e criatividade uma produção acadêmica que para além de dez anos, miremos para o alto e para frente, na composição social da intelectualidade que nos legou Adonias Filho, a quem tomo para exemplo, patrono desta academia, intelectualidade que é herança de um tempo, transformada em patrimônio da região cacaueira.

É com imensa alegria e esperança nos dias futuros da ACADEMIA DE LETRAS DE ITABUNA que os convoco, nobres confreiras e confrades a conspirar em favor de nós mesmo, alitanos.

Animai-vos povo alitanos!

 Silmara Oliveira

Presidente

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PRAÇAS DO CENTRO DE ITABUNA – SIGNIFICADOS/FUNÇÕES- Lurdes Bertol Rocha

Ao se pensar em praça, vêm à mente imagens de bancos, flores, árvores, pessoas conversando, descansando, passando, olhando o tempo que foi, que é, que virá. Algumas pessoas olham ensimesmadas na direção de um tempo que ficou em algum lugar do passado. Mas, na praça desfila também um mundo menos romântico: mendigos fazem dela sua cama; hippies tecem suas bijouterias; raizeiros apregoam e vendem suas poções mágicas; ambulantes expõem seus produtos; floristas vendem suas flores. A praça é, também, em alguns momentos, o templo de eventuais cultos religiosos, o púlpito de pregadores de promessas eternas e do fogo do inferno, o palco de malabaristas, o palanque de políticos. Pode ser ainda o lugar da degradação humana: jovens usando drogas, crianças cheirando cola, mendigos implorando por um pedaço de pão. Resumindo, pode-se dizer que a praça é o placo onde se apresentam os mais diversos eventos da vida urbana.

As praças têm significados específicos no cenário urbano: umas indicam o marco inicial de uma área urbana, outras representam fatos que marcaram a história do povo do lugar, outras ainda sinalizam para feitos de um determinado político ou homenageiam uma personalidade internacional, nacional ou local.

Além de se apresentarem com significados específicos, as praças têm, também, funções definidas, que vão se forjando com o uso que os cidadãos fazem delas ao longo do tempo.  Existem as praças que são um local de descanso, de fazer nada, de jogar conversa fora, enfim, de ver “a banda passar”. Outras são utilizadas para passagem, para esperar o transporte que as leve a algum lugar para onde queiram ir. Há as praças que servem de ajuntamento de pessoas que fazem trocas de objetos, vendem artigos adquiridos de forma um pouco enviesada: são as chamadas “ilhas do rato”. Existem praças que são parque infantil, onde as crianças, acompanhadas de algum adulto, ou acompanhadas de si mesmas, divertem-se nas gangorras, nos túneis, nos balanços. E há as praças de onde partem as reivindicações sociais, os protestos, as manifestações políticas, religiosas, as passeatas apregoando as qualidades políticas de um candidato a alguma coisa. As praças, em geral, são o lugar onde os “sem teto”, ao abrigo da abóbada celeste, descansam seu corpo cansado, para, em seguida, sair à procura de algo que, para eles, não está em lugar algum. Mas, as praças podem ser, também, o palco de ritmos e instrumentos, de música que enleva e que diverte.

Toda cidade tem sua praça, por menor que seja. É na praça, ou nas praças, por ser um espaço público, que as pessoas transitam livremente, chegam e saem à hora que querem, sem que sejam molestadas, pois a praça é do povo. Lugar de ajuntamento, de passagem, de comércio informal, de discursos, de pregações religiosas, de apregoar virtudes de raízes e simpatias, do mendigo, do sem-teto. Lugar de todos. Lugar de ninguém.

Algumas praças ficaram famosas e adquiriram status de signo-símbolo, como por exemplo, a praça de São Pedro, em Roma, a praça de São Marcos, em Veneza, a praça da Sé, em São Paulo, a praça da República, no Rio de Janeiro, a praça do Pelourinho, em Salvador, a praça Dom Eduardo, em Ilhéus, a praça Olinto Leone, em Itabuna, entre tantas outras.

No centro de Itabuna, algumas praças ostentam um passado que ficou na memória da cidade e cujo significado precisa ser desvendado (praça Firmino Alves). Outras servem de descanso para pessoas que esperam transporte para voltar a seu bairro (praça José Bastos). Outras ainda se constituem em pontos de concentração para caminhadas de manifestações reivindicatórias (Jardim do Ó). Há praças que oferecem lazer nos finais de tarde e nos finais de semana (praça Olinto Leone). E há as que são um largo, servem de estacionamento e passagem (praça Adame).

Em síntese, as praças do centro de Itabuna, consideradas como signos importantes são as praças Santo Antônio, Adami, Olinto Leone, José Bastos, Otávio Mangabeira (mais conhecida como Praça Camacan) e Jardim do Ó.

*Texto do livro da autora, “O centro da cidade de Itabuna: Trajetória, Signos e Significados”. Editus.

 

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