A SAGA MARINHA DE FERNANDO PESSOA- Cyro de Mattos

A Saga Marinha de Fernando Pessoa*

                                 Cyro de Mattos

A saga portuguesa de expansão marítima é contada em versos por Fernando Pessoa no único livro que publicou em vida: Mensagem (1934).  Foi escrito entre os anos de 1920 e 1930, em forma de uma epopeia fragmentada, composta de quarenta e quatro poemas. Fernando Pessoa expressa neste livro o elogio de grandes vultos históricos, refere-se à vontade de Portugal de querer lutar contra as adversidades, ultrapassar os abismos que Deus ao mar deu.

O sonho de ver as formas invisíveis

 Da distância imprecisa, e, com sensíveis

 Movimentos da esprança e da vontade,

 Buscar nas linhas do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

Os beijos merecidos da verdade.

 

       Nesses versos é visto o sentimento nostálgico mesclado de grandeza, enquanto em outros ocorre o apelo de além: “Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.”

       Mensagem divide-se em três partes: Brasão, Mar Português e o Encoberto. A primeira possui várias vozes, que se integram para celebrar a história de Portugal e enaltecer os seus fundadores. Estrutura-se como o brasão português, constituído por dois campos, um apresentado por sete castelos, já o outro formado por cinco quinas.  A coroa e o timbre estão no topo do brasão, a se apresentar com o grifo, animal mitológico que tem cabeça de leão e asas de águia.

       Com essa divisão, tendo o brasão como referência, os poemas versam sobre os grandes personagens históricos, desde Dom Henrique, fundador do Condado Portucalense, passando por sua esposa Dona Tareja e seu filho Dom Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, até o infante Dom Henrique (1934-1460), fundador da Escola de Sagres, grande fomentador da expansão ultramarina portuguesa, e ainda aludem a Alfonso de Albuquerque (1462-1515), dominador luso do Oriente. Na galeria dos grandes personagens, os versos dispostos em uma partitura trinitária propõem até o mito de Ulisses, que teria fundado a cidade de Ulissepona, depois denominada Lisboa. O poeta usa o paralelo imagístico quando se refere a esse assunto:

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo.

         Em “Mar Português”, segunda parte do livro, o poeta investe contra o que fosse acaso ou vontade ou até mesmo temporal. Leia-se a propósito do assunto esse lamento cheio de dor, um dos mais pungentes da poesia portuguesa sobre o ciclo das descobertas marítimas:

Ó mar salgado, quanto de teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram.

Quantos filhos em vão rezaram.

Quantas noivas ficaram sem casar

Para que fosses nosso, ó mar!

 

      Depois de se perguntar se a jornada de natureza épica valeu a pena, o poeta em versos de saber eterno, que correm o mundo, levados através da linguagem coletiva, em nível de fala, responde que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

      Seu pensamento reflexivo acrescenta:

                   Quem quer passar além do Bojador

                   Tem que passar além da dor.

         Em “O Encoberto”, terceira parte de Mensagem, vemos o mito sebastianista do retorno de Portugal às épocas de glória. Alude o poeta agora ao misticismo em torno da figura de Dom Sebastião, rei de Portugal, que teve a frota dizimada em ataque aos mouros, em 1578. Muitas previsões, como a do sapateiro Bandarra e a do padre Antônio Vieira, formulam nesse trâmite espiritual o retorno de Dom Sebastião para resgatar o poderio de Portugal. Anunciam a nova terra e os novos céus, quando então fica criado o Quinto Império, que marca em definitivo a supremacia de Portugal sobre o mundo.

         O sentimento nacionalista permeia os poemas de Mensagem. Uma estrofação com base no elogio aflora da alma gentil do poeta, os versos ressoam uníssonos para ferir objetivos universalistas, como facilmente podem ser detectados nesse padrão de técnica literária. Classificada pela crítica como ode trinitária, nessa obra o poeta propõe sua mensagem com o cerne da nobreza, formula uma antítese na posse do mar, que antes existia com seus medos, mistérios e assombros, incide numa síntese através da futura civilização, com apetências e aderências por mares nunca antes navegados, de tal modo também nos informou Camões, representadas dessa vez na voz da terra que ansiou o mar.

         O eu poético em Mensagem prevê que o futuro da Europa está além-mar, o agente dessas descobertas marítimas será Portugal. O poeta imagina a Europa com um corpo de mulher. Estendida, ela tinha um de seus cotovelos, o direito, fincado na Inglaterra; o outro, esquerdo, recuado, na península italiana; cabendo a Portugal ser o rosto.  Pode não ter sido o rosto, mas a posição geográfica de Portugal, pequena faixa de terra voltada para a imensidão do Oceano, à sua frente, que condicionou seu destino ultramarino durante quase cinco séculos.

*In “Encontros com Fernando Pessoa”, do livro Kafka, Faulkner, Borges e Outras Solidões Imaginadas, Cyro de Mattos, no prelo da EDUEM, editora da Universidade Estadual de Maringá, Paraná.

PESSOA, Fernando.  Obra poética, Editora José Aguilar, Rio de Janeiro, 1960.

SIMÕES, Maria de Lourdes Netto (org.). Navegar é preciso, coletânea, Editus/UESC, Bahia, 1999.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *