Tive o prazer de prefaciar Rascunhos Reais. Esse primeiro livro de poemas de Alessandro Fernandes de Santana resulta de uma experiência inicialmente realizada através de redes sociais, especialmente facebook e Instagram. A socialização da sua produção poética, por esse caminho, suscitou uma comunicação imediata. A positividade da sua recepção foi estímulo para o autor. Daí à publicação impressa, foi um passo…
Surpreendente é a juventude e a jovialidade da poesia de Alessandro, especialmente quando se conhece a sua formação em economia e administração. Reitor da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, com o peso que uma administração universitária demanda, surpreendem a leveza e a temática do seu livro que realiza um olhar sobre o amor. Ao lê-lo, lembrei de Mia Coito, quando diz: “Todos temos duas sombras. Apenas uma é visível. Há, porém, aqueles que conversam com a sua segunda sombra. Esses são os poetas.” (O Mapeador de Ausências: )
E, claro, logo tb se impõe a ideia pessoana: “o poeta é um fingidor/ finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente”.
Pois é… Rascunhos Reais surpreende. Conquista o leitor com uma poesia que fala de amor. E encanta pelo ângulo sob o qual trata o tema. Encanta pela visão filosófica, de pureza e positividade.
Depois, arrebata com a bela ilustração de Sanqueilo Lima. São 20 belos desenhos em bico de pena, que conversam com os poemas, linguagens que dialogam – a poemática e a pictórica – em simplicidade lírica, através de traços espontâneos e expressões existenciais e intimistas. O livro é, mesmo, uma produção sem apego a escolas ou a cânone. Em sintonia com a linguagem deste milênio, como preconizou Itálo Calvino, são textos que se realizam em leveza, visibilidade, multiplicidade, rapidez. A visão romântica do poeta – sempre em busca de expressar o amor – alterna-se com a linguagem dos delicados desenhos, que semanticamente confluem ao mesmo tema. Poesia, portanto, apresentada nas duas linguagens!
Como o autor revela, o título do livro foi extraído do poema Sonhos. Tal afirmação induz à compreensão de que, com a sua publicação, Rascunhos Reais transforma em realidade um sonho que existia em rascunhos … Esse poema parece ser uma mensagem para Letícia, filha a quem o livro é dedicado: “Sonhos […] esquecê-los jamais!”. E o refrão, que se repete nas quatro estrofes desse mesmo poema, enfatiza o foco: persistência! É uma poesia de crença no amor verdadeiro.
A atemporalidade do amor é marcada por uma visão intertextual, que passa por Shakespeare, Homero, Machado; Agatha Christie, e mesmo Álvaro de Campos, o heterônimo pessoano, que diz: “cartas de amor são ridículas”. Drummond, Bandeira, Stendhal, Tchekhov… E, até mesmo, leva a pensar na instabilidade do amor líquido, de Zygmunt Bauman. Falando do amor, a poesia de Alessandro induz também o leitor a lembrar de outros poetas que falam da dor do amor, a exemplo de Camões: “Amor é fogo que arde sem se ver […] se tão contrário a si é o mesmo amor”. No entanto, de todos discorda. E o eu lírico de Rascunhos Reais diz: “Diante de tanta gente/com histórias interrompidas/reescrever o amor/se faz urgente”. Assim, ao contrário, o amor que a sua poesia traz é o amor encontro, comunhão, perenidade. Ideal, sem ser platônico. Amor companheirismo, presença, cumplicidade. Por isso, diz que “histórias que falem de dor/ ficam proibidas”.
Se a positividade sobre o amor é inquestionável, isso é tb afirmado ao olhar através da natureza, quando pensa metaforicamente a vida, e afirma: “voar sozinho/ para um passarinho/ dói como espinho/ a machucar”.
A sua apologia é ao tempo presente, porque o tempo é fugaz. E reconhece que a vida é de conquistas, construção … e o amor, esse deve ser perenizado. Então, os textos são como reflexões sobre o amor; são lições… E afirma: “o amor verdadeiro/ Não é uno/ É par” (Coração Real). E, é doação. Finda o livro com o poema-conselho Metas, que refere quatro metas, enquanto o desenho com o qual dialoga, mostra escalada de busca.
Assim, tematizando o amor, Rascunhos Reais conceitua, indica estratégias, oferece conselhos à guisa de um manual sobre amor e vida.
Para quem? – pergunta-se o leitor, que volta a reler a dedicatória do livro… para Letícia!
Parabéns, Alessandro. Bons caminhos para o seu livro!
Ilhéus, novembro de 2022.
Tica Simões