O livro Os Ventos Gemedores, do escritor Cyro de Mattos, vencedor do Prêmio Nacional de Ficção do Pen Clube do Brasil, relembra um Brasil de outrora, que de alguma forma ainda é o mesmo Brasil de hoje. Porque os tempos mudam, as armas mudam, as guerras mudam, mas os anseios e a ganância dos homens continuam os mesmos.
O livro é ambientado nas terras da Vila do Pati, pertencente ao território do Japará, condado criado pelo imaginário do autor, como todas as cenas, movimentos e personagens rústicas, mas que lembra o Sul da Bahia, na época dos desbravadores, jagunços, mata fechada, miséria e opressão. Nesta terra sem lei nos deparamos com o Vulcano Brás, senhor de todas as coisas, e o vaqueiro Genaro, que decide ir de encontro ao dono de tudo. Uma luta entre as gentes de Vulcano Brás com seus cabras e os que trabalham na terra em regime de escravidão é estabelecida numa demanda em que o mais forte sempre venceu.
O mergulho psicológico que Cyro de Mattos faz nos seus personagens nos envolve na leitura: o conformismo de uns, a inocência de outros, a coragem de muitos.
Em um belíssimo trecho dessa obra conhecemos os medos de Almira e a revolta do seu esposo Genaro: “Que adianta fazer esta revolta, Genaro? O lado de Vulcano Brás sempre foi mais forte”. Ele responde “A pior derrota é daquele que não luta”, acrescentando que “onde ninguém faz nada contra Vulcano Brás só a vontade dele é a única que impera, e os que se agacham permanecem assim mesmo o tempo inteiro, trabalhando, trabalhando, sem nunca ter nada na vida”.
Aparício Pança Farta, dono do armazém, vai de encontro à violência que se espalha no povoado: “Cada um nesse mundo cumpre sua sina. (…) Liberdade ganha com sangue não tem presteza”.
Na nona parte do livro, “Ultimas Ordens”, Cyro da Mattos revela o desejo do poderoso Vulcano Brás quando vê que lhe resta pouco tempo de vida, o de atingir a imortalidade de seu nome e de sua história: “As dores no peito aumentaram no último ano de sua vida. Numa dessas crises ele chamou Edivina e falou que queria ser enterrado no cemitério da Vila do Pati. Cuidassem de colocar na sepultura o seu busto para que todos se lembrassem dele, comentassem sobre suas andanças e audácias pelas terras do Japará. Morre o homem fica a fama. Era assim que se imaginava depois de morto, admirado em razão dos amplos domínios conquistados, coragem e pulso forte.”
Os ventos Gemedores é um belíssimo romance de suor e luta com narrados com linguagem a poética que é uma marca do seu autor.
Cyro de Mattos nasceu no município de Itabuna, no Sul da Bahia, em 31 de janeiro de 1939, é jornalista, poeta, romancista, contista, novelista, cronista, ensaísta, autor de livros infantojuvenis e gestor cultural. Diplomou-se em Direito pela Universidade Federal da Bahia, em 1962. Dentre seus 80 livros publicados, destacam-se: Os Brabos, O Menino Camelô, Cancioneiro do Cacau, Os Ventos Gemedores e Vinte Poemas do Rio. Seus livros são estudados em universidade, adotado nas escolas brasileiras e sofre reedições constantes. Vários deles foram adquiridos pelos programas educacionais do Governo. É também editado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha e Dinamarca. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
*Raquel Rocha é cineasta, comunicóloga, psicanalista e integrante da Academia de Letras de Itabuna.