VERSOS DESNUDOS — POEMAS EM TEMPOS TENSOS, DE AGENOR GASPARETTO – Por Tica Simões

Maria de Lourdes Netto Simões

 

São 40 poemas ‘desnudos’,  com olhares sobre esses ‘tempos tensos’.    E como? ‘Desnudo’ é mesmo palavra-chave. Seja pela apresentação despojada do livro  com uma capa branca, sem desenhos ou outras cores;  seja por uma estrutura sem os paratextos costumeiros; seja pelos versos livres. Esses são, já, uma forma de  “fala” do olhar.  

  O processo de criação poética ocorre sem consultar, como revelado em  Inspiração, poema que abre o livro.  Surge   Musa atrevida ,   pedra bruta a versejar.  Assim  acontece a Poesia, inesperadamente, motivada por questões muitas, fruto de observações, sensações, sentidos…  Esses dois primeiros poemas  sinalizam o processo criador,   e como que anunciam, introduzem o subtítulo:  poemas em tempos tensos.

Daí, a estrutura do livro  vai se configurando em relação à proposta “desnuda” do fazer literário.  Tematicamente, os poemas dizem das linguagens, dos materiais, dos temas, dos focos das problemáticas que os olhares enxergam no processo da vida, e em tempos difíceis…

A  cada foco, a linguagem cresce em possibilidades que provocam:  nuances, sentidos, intertextualidades, “ditos” que se aproximam da oralidade…     E a estrutura do livro se resolve entre os focos dos elementos da natureza: Terra, Agua, Fogo e Ar, intercalados por poemas acrescentadores do tema geral.  Cinco  poemas  integram  cada foco que formam os blocos temáticos. Caminhos é um bloco que se acrescenta aos quatro elementos,  enfatizando as escolhas  nos tempos difíceis.    

Nos poemas do elemento Terra, titulado  Pedras,  destacam-se  recursos de sinonímia, comparação por metáfora ou analogia, oralidade: …Rocha…Calhau…Cascalho… ‘Dormir como pedra’…. As intertextualidades acrescentam a significação, como no poema IV, com Drummond, Pedra no Caminho ;  pedra sobre pedra .

A seguir esse primeiro foco, outros poemas apresentam títulos temáticos que provocam analogias e promovem reflexões:    ProfundezasInfinitos profundos/ Abismos sem fim […] SolidãoDistânciasDa indiferença humana  […]  Da ausência de sentido. Pesado e LevePesado/ qual  consciência […] Leve / qual sono inocente; E os poemas abordam também as formas de espiritualidade e religiões que, para alguns, funcionam como muletas.  Tábuas da Lei:  Duas pedras,  dez mandamentos […] frágeis, quebradiças; Vida PenitenteReligião/ Pecado […] Condenação / Penitência. Estado de Graça: Alma flutuando […] Andar leve. Velhice Abandonada: Labuta incansável […] Rugas na alma. Magia e Milagre: Divino milagre da vida.  Somente, aqui, citando alguns poemas.  Os demais seguem em similar estratégia de produção textual, aprofundando o foco da existência sobre questões éticas, do mundo virtual fachada esplendorosa. O sem sentido da guerra, mortal, desalmada.  Reflexão sobre o Tempo,  momentos de uma vida que é  tão breve. Se cicatriza rusgas, também  cria memórias. E observando a natureza, vê nela  divino milagre da vida

No  segundo bloco,  Águas, a oralidade fica também ressaltada pelos ditos populares   –  tirar água de pedra -, nos  cinco poemas.  As intertextualidades, com propriedade,  remetem a Fernando Pessoa (“Rio da minha aldeia”), Heráclito,  Baumman, Tom Jobim… nesses poemas de Águas, associações intertextuais  com Aguas de março,  induzem ao olhar político:  Águas rasas, profundas [..]  Lavagem de roupa suja

Daí, os Caminhos suscitam reflexões existenciais, relacionados à inexorabilidade da vida, às buscas de cada um:  Ser feliz; escolha de caminhos, incerto risco/ Descaminho ou fortuna ; Fé na Ciência/ Fé na religião.  Dois poemas sobre Guerra traduzem  o seu sentido avassalador, mortal/ desalmada. A perplexidade de pensar: Por quem matar? […] Por quem morrer?…

 Fogo, mais um bloco  tematizado,  é chama de vida;  lutas de cada um: Histórias recontadas/ Memórias revividas. E os “ditos” enriquecem as reflexões: Brincar com fogo/ Lenha na fogueira/A ferro e fogo, e a voz de Guimarães Rosa é chamada em conclusão: Perigoso é viver .  Mas,  do mesmo autor G Rosa,  enquanto leitora, digo: “o que a vida quer da gente é coragem!”.  E parecendo responder, o poema V, com otimismo,  traz Camões – amor é fogo – e também  Raul Seixas: Tente outra vez...

Ar, o último bloco temático:  É bandeira tremulando;  é  Fúria, força, energia é  Don Quixote e os Moinhos de Ventos . Depois, ainda intertextualizando e concluindo, é Mudar de ares … E o Vento Levou .   Entre o céu e a terra, Shakespeare!/ O tempo e o Vento, Érico Veríssimo , diz o poeta: Outros ventos, outros ares, outros mundos/ outros viventes, graças a Deus!

Os poemas, seguintes aos blocos, suscitam o tempo e o seu passar…   Numa sequência quase narrativa, desde  Tempos imemoriais, a Pegadas na areiaMudança no Horizonte… que chega ao Mundo Virtual em que vivemos em Solidão,/ Malancolia, /Vazio.   E em Busca, Buscas sem fim.  Evolução insinua o caminhar da humanidade, que Domou o fogo, a planta, o animal/ Domou a energia, Domou o outro, irmão […] Mais poder, mais riqueza  e a idéia da ambição que norteia a humanidade…   E a inexorabilidade  do tempo  segue,  nos demais  poemas, considerando momentos de magia e trégua, com no Carnaval. Mas o destino é nascer e morrer, Vestir e Despir. O Tempo: Atemporal, imemorial, eterno  .  A ironia é sinalizada  na nostalgia do Passado Glorioso.  Tudo passa… Ficam as Reminiscências, Mergulho nos tempos de criança

Afinal, os cinco últimos poemas, destacados  em italic, trazem esperança.  Falam de Semeaduras e Colheitas. Falam de “sentimentos de sombria e pungente colheita”, aqui e acolá.  A  intertextualidade com   Por quem os Sinos Dobram,  de Hemingway, conclama: “Toquem por eles, toquem sem cessar/ até o pesadelo despertar!”  Com o título de Tolstoi, recorre a Guerra e Paz, mas ironicamente, conclui: “Quem foi que disse que a paz se faz / Com sangue de vidas?”

Sutil e ironicamente, então, a voz poética mostra a sua incredulidade ao propor um recomeçar: “Quem falou em Arca em asa de meteoro?/ Quem falou em ovo novo, de novo? Quem falou serpente mais uma vez? “   

Recomeçar tudo outra vez? O leitor se pergunta!

E o poema que encerra o livro instala a dúvida. Entre a tigresa de Caetano, “de unhas negras/ e íris cor de mel” e a Monalisa de  Leonardo da Vinci, ou mesmo o tigre de Capinam e Macalé,  resta a descrença de mudança “Tormento sem azuis manhãs”

Nesse singular processo criador, por estratégias diversas, narrativizando poeticamente, Agenor Gasparetto  faz, também, a sutil  crítica social a esses  tempos tensos.

 

 

Em agosto de 2025.

 

1 comentário em “VERSOS DESNUDOS — POEMAS EM TEMPOS TENSOS, DE AGENOR GASPARETTO – Por Tica Simões”

  1. ANA MARIA DE BULHOES EDELWEISS

    Um casamento harmonioso, a análise de Tica e o livro de Gasparetto. Quem disse que uma boa análise literária precisa ser complicada, cheia de citações teóricas e raciocínios elaborados? A análise coerente deve ter o mesmo ritmo do texto que a provocou, apenas evidenciar aspectos que estão lá na poesia, mas que olhos desavisados podem não perceber. O olhar crítico experimentado encontra os nós de conexão que costuram os versos, faz novas amarrações, abre outros espaços de respiração, ilumina recantos mais obscurecidos. A boa leitura oferece uma ampliação de sentidos, torna mais denso o texto original, nunca o abafa com construções super estruturadas. Foi prazeroso encontrar o olhar desnudo de Tica sobre os versos desnudos de Gasparetto.

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