CRISTAIS QUEBRADOS- Rilvan Santana

Cristais Quebrados – R. Santana

     Doutor Fernando D´Angelo Consetti jamais desconfiou de sua esposa Maria Eduarda, ambos tinham cumplicidade de vida invejável, ambos se amavam, ambos eram referências de casamento, ambos eram presenças obrigatórias nos eventos sociais e ambos se completavam com o amor das filhas Milena e Mariana. Porém, o destino faz surpresa que a razão condena, naquela noite, enquanto Maria Eduarda dormia, o médico Fernando Consetti, impulsionado por estranha curiosidade, pegou seu celular, no canto do sofá, e começou bisbilhotar seu Whatsapp:
“O nosso segredo está cada dia mais insuportável… Fernando e as meninas têm que saber, não dar mais para esconder, senão vou à loucura!”
“Depois que te encontrei, lamento o tempo que tivemos longe um do outro, quero dizer ao mundo quanto tu és importante em minha vida.”
“Calma! Calma! Depois da formatura das meninas, irei dar um jantar de apresentação, é difícil viver nessa farsa, todos irão nos compreender…”
“Posso comparecer à festa de formatura de Milena e Mariana?”
“Não! Como iria lhe apresentar?”
“Soube que será uma festa de arromba… ninguém daria por mim!”
“Sim!”
“Então?”
“Fernando é muito perspicaz…”
“Mas não me pedirá identificação!”
“De jeito nenhum!”
Naquela noite, Fernando Consetti não mais pregou os olhos, relutava em acreditar que sua amada esposa o estivesse traindo, mas o diálogo e as imagens do Whatsapp não lhe deixavam dúvidas: Maria Eduarda estava lhe traindo com um homem bem-apessoado e muito mais novo! Agora, ele tinha as respostas de suas saídas pra visitar uma pobre tia paterna do outro lado da cidade, que Maria Eduarda resistia lhe apresentar com pretextos estapafúrdios.
Quando ele a conheceu seu pai já havia morrido. Sua mãe possuía uma pequena lanchonete e Maria Eduarda estudava faculdade de enfermagem, 27 anos atrás. Ambos se amaram e se apaixonaram nos primeiros encontros, simbiose de sentimentos. Ambos com trabalho e determinação construíram um patrimônio considerável e mais importante do que o material, construíram uma família linda.
Daquela noite em diante, Fernando Consetti de comportamento alegre, brincalhão, otimista, tornou-se sério, taciturno e arredio. Já não ficava nas refeições conversando abobrinhas ou conjeturando projetos com a família, sentava-se mudo e saía calado, quando Milena e Mariana cutucavam-no com o objetivo de lhe envolver nas conversas de família, ele era econômico nas palavras:
– Paizinho, já contratou o “Buffet” para nossa festa?
– Sim! – então:
– Já contratou o mestre de cerimônias?
– Não! – as meninas aflitas:
– Ainda não contratou o mestre de cerimonias, paizinho!?
– Não se preocupem…
– Sugerimos-lhe o jornalista Egydio Antonelli!
– Tá!
Suas filhas conversavam e tergiversavam, às vezes, sobre coisas que não lhes diziam respeito, a exemplo da bebedeira do vizinho, o sortudo da Mega-Sena, Bill Gates, etc., mas ele não falava nem rosnava. Sisudo estava e taciturno continuava, nada lhe cheirava nem fedia, um estranho no ninho.
Maria Eduarda não sabia mais como lhe agradar, pois o homem gentil, carinhoso, amável, de antes, quase não lhe dava uma palavra, substituiu a doçura pela rudeza, as palavras lhe saíam de estucadas, atropeladas, quase inaudíveis, com raiva, deixando-a apavorada, aí se refugiava no quarto em choro contido e pressentimento ruim.
Pressentia que o marido havia descoberto o seu segredo e se perguntava: “Como?”, “Será que me seguiu?”,      “Será que foi no celular?”, “O celular tem senha, e o trago com cuidado. Será que ele realmente descobriu?      Não vejo como?…”
Uma força estranha brotava dentro de si, pressentia que algo sinistro estava pra acontecer… O quê? Não tinha resposta. Esperava que todos lhe compreendessem, pois Carlos Eduardo não carrega culpa, ela sim, escondeu de Fernando Consetti, das filhas e da sociedade que tinha outra pessoa em sua vida, portanto, era a única responsável por ter escondido das pessoas queridas o que não se esconde: o amor maior! Jurou pra si que depois da formatura, revelaria o que já deveria ter sido revelado fazia tempo e não o fez por falta de coragem.
Maria Eduarda conhecia bem seu marido, talvez ele resistisse, por amor próprio, no primeiro momento, porque ninguém gosta de ser enganado, porém, com o tempo, ele assimilaria tudo mais do que os outros, pois sabia que Fernando Consetti é mais coração do que razão. E o bom coração não alimenta ódio, mágoa, desprezo, ou, ressentimentos menores. Por isto, estava decidida por um fim naquela situação que lhe tinha dado o destino.
Milena e Mariana amavam sua mãe, mas o prato da balança pendia mais pra o pai. Ele desde cedo cuidou delas com cuidados extremos: do banho ao penteio dos cabelos. Nas reuniões da escola, ele mais do que a mãe, era presença constante. Qualquer folga no trabalho, saía e se divertia com as filhas, na rua, nos jardins, nos parques de diversão, nas brinquedotecas, sempre com as filhas, por isto, a situação atual deixava as moças preocupadas, aguardavam a formatura pra colocar os pontos nos ís.
A deslealdade da pessoa amada talvez seja o sentimento mais pérfido do ser humano. Ninguém gosta de ser traído… A traição transforma o amor em ódio, destrói todos os sentimentos bons alimentados por uma pessoa ao longo da vida, até o traidor não justifica sua traição, mesmo em graves circunstâncias, o segredo mais pérfido, o mal absoluto, a verdade liberta.
Maria Eduarda transformou o amor de Fernando Consetti em ódio, o tempo seria o bálsamo para fechar todas as feridas, mas até lá, a deslealdade e o ódio deixariam muitos corações despedaçados, mágoas e decepções eternas. Todavia, juízos precipitados causam danos e injustiças irreparáveis.
A mansão dos Consettis parecia coisa de cinema: iluminação direta e difusa (em alguns ambientes), garçons espelhados por todos os cantos, cadeiras e mesas espalhadas à borda da piscina, cozinha repleta de servidores para que tudo fosse a contento, na parede frontal, um grande banner exibia as imagens de formandos de Milena e Mariana, Fernando Consetti se desdobrava em gentileza para ser um anfitrião perfeito e Maria Eduarda, toda graciosa, vestida à moda de Grace Kelly.
Não se podia reclamar do “Buffet”, comida e bebida de qualidades aos montões, os garçons se esmeravam no atendimento.
Música para todos os gostos, a Banda “Xis” se revezava com dois vocalistas: um com música jovem, popular; o outro, com música menos popular, afeita para homens e mulheres cinquentões.
O jornalista Egydio Antonelli cerimoniava com competência, nada saía da pauta, um vídeo lhe ajudava contar a trajetória de vida dos formandos, ambas tinham lutado pra chegar até ali, porém, os pais tinham sido decisivos, mas num trecho do depoimento, ambas destacaram a dedicação especial do pai.
A certa altura da festa, Egydio convidou os pais para falar, Maria Eduarda foi sucinta: elogiou as filhas, agradeceu aos presentes o comparecimento e elogiou o marido. Fernando Consetti fez um discurso:
“Senhores e Senhoras”:
“Os pais se realizam no sonho cumprido de seu filho. Quando o destino frustra esse sonho não sofre somente o filho, os pais sofrem mais do que o filho, hoje, o destino está do nosso lado, Milena e Mariana realizaram seus sonhos.”
“Embora ficasse lisonjeado com a fala de minhas filhas, não fui mais que minha esposa nessa caminhada, pois se não fosse seu trabalho administrativo no hospital, nas fazendas, na lida doméstica, no seu apoio emocional, jamais eu teria desempenhado bem o papel de paizão! Maria Eduarda é guerreira, é companheira e mãe estremada.”
“Portanto, nós queremos agradecer a presença de todos os amigos e amigas nesta festa, nossa felicidade, agora, nunca será empanada no que possa vir no futuro”
“Muito obrigado, que Deus lhes pague… E, Parabéns para Milena e Mariana!”
Às 3 h: 30 min do dia seguinte, os convidados deixaram pouco e pouco a mansão dos Consettis, a festa foi encerrada.
12 horas depois:
Os empregados da mansão dos Consettis estranharam os patrões dormindo àquela hora, evidente que a festa de formatura terminou de madrugada, mas não era costume o casal dormir até tarde, festa ali era constante e os patrões acordavam sem prejuízo de suas atividades de trabalho, naquele dia, os ponteiros do relógio marcavam 15 h:30 minutos, nada… Então, eles levaram suas preocupações pra Milena e Mariana.
A surpresa e o pavor tomaram conta de todos: Fernando e Maria Eduarda abraçados na cama e a caminho da eternidade… Tudo estava em seu lugar, exceto dois cálices de cristais quebrados!
Um mês depois:
Cedo ainda, o mordomo anuncia a presença de um moço às herdeiras Consetti:
– Ele deseja falar com as senhoritas!
– Quem é? – apresentou-lhes um cartão onde se lia: “Carlos Eduardo N. Souza – Engenheiro Civil”
– Mande-o entrar! – minutos depois:
– Meus pêsames!
– Obrigado! – responderam ao mesmo tempo Milena e Mariana e completam:
– Deseja o quê?
– Meu nome é Carlos Eduardo… – interromperam-no:
– Lemos o seu cartão!
– Eu sou filho… filho… filho… – desembuche rapaz!
– Eu sou filho bastardo de Maria Eduarda Nascimento Consetti!
Elas desabaram em choro, e choraram… Compreenderam que aquele segredo mantido por sua mãe por mais de três décadas, fez de seu pai vítima e assassino-suicida! Jamais a perdoariam…

Autor: Rilvan Batista de Santana

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *