Um olhar sobre O Risco e o Laço – traçados do destino nagô
Maria de Lourdes Netto Simões*
Da larga produção de Ruy Póvoas, deparo-me agora com o seu mais recente livro, de 2024: O Risco e o Laço – traçados do destino nagô.
Perpassando um olhar pelas publicações que tenho acompanhado desde Vocabulário da Paixão (1985), posso afirmar da riqueza e singularidade dessa produção que, através do olhar do Babalorixá que é Póvoas, resgata a história da gente nagô, ao tempo em que ensina, passa uma cultura singular e diverte o leitor.
Afora a sua produção literária, há a científica, desse que também foi Professor Titular de Língua Portuguesa da Universidade Estadual de Santa Cruz–UESC, onde recebeu o título de Doutor Honoris Causa (2018).
A exemplo das publicações não ficcionais, é imprescindível referir a trilogia que denominou O labirinto Preto e Branco. Num mundo preto e branco, essa rica e instigante trilogia culmina com o terceiro volume, publicado neste 2024: Perfis da Resistência – deslindando as várias faces. A trilogia evidencia uma caminhada de reflexões, relatos de lutas e conquistas sobre o status quo do negro no Brasil.
Agora, na sua vertente literária, está o quinto livro de contos, O Risco e o Laço – traçados do destino nagô. É uma ficção que, valendo-se dos Odu de Ifá, ensina e diverte. Ilustrado pelo autor, os desenhos e figuras remetem ao seu tema de fundo – o jogo de búzios, prática dos terreiros de candomblé para tratar dos arquétipos da criação, representados nos Odu de Ifá.
Em verdade, no livro, não só a apresentação gráfica dos desenhos e figuras comunica; também, a referida comunicabilidade com o leitor é acrescentada pela estrutura, integrada de esclarecedores paratextos. Aliás, esse uso dos paratextos já é uma estratégia do autor, em trabalhos anteriores, dos quais especialmente cito A Viagem de Orixalá (2015).
Em O Risco e o Laço – traçados do destino nagô, os paratextos deixam entrever o conhecimento do babalorixá que é Ruy Póvoas, como o articulador da ficção, que recorre a dois tipos de paratextos, para informar ao leitor a sua estratégia ficcional (não autoral e autoral).
Conforme esclarece no paratexto que abre o livro, Odu de Ifá é “oráculo dos babalaôs, sacerdotes de Ifá”. O livro é estruturado em dezesseis Odu. Os vários contos se relacionam com os Odu que “representam os Arquétipos da criação; as narrativas são voltadas para as variadas vivências humanas” (2024, V).
O paratexto autoral, que interroga “Por que narrar os Odu de Ifá?”, é bastante esclarecedor para o leitor que não conhece os preceitos nagôs. Por outro lado, também informa a concepção da criação literária dos dezesseis Itan – contos que buscam se relacionar exemplarmente com os Odu.
Assim, as 16 partes em que se estrutura O Risco e o Laço, cada uma é um Odu, antecedido pela descrição-síntese de cada arquétipo: Òkànràn,
Òyèkú, Ògundá, Ìròsùn, Òsé, Òbàrà, Òdí, Èjìogbè, Òsá, Òfun, Ówónrín,
Ìwòrí, Òtúrúpòn, Ìká, Òtúrá, Ìretè, Opira. E são dezesseis contos, itans que exemplificam os traços de cada signo – “o caminho, isto é, aquilo que faz parte da destinação da pessoa” (2004, p. 18). São textos que, em contando uma história, ensinam, sinalizam caminhos, divertem e dão lições.
E o texto finaliza, mas fica com o leitor o sugestivo convite apresentado no paratexto inicial, para que, cada um se identifique com uma das narrativas.
Eu, cá para mim, busquei a minha identificação… E conclamo cada leitor a fazer o mesmo; mas sem que deixe de observar o pensar do citado Paul Sagan (p. 213):
A imaginação
muitas vezes nos leva
a mundos
que nunca sequer existiram.
Mas sem ela
não vamos a lugar nenhum
E o leitor não negligencie essa última lição do livro!
Em julho de 2024
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*Maria de Lourdes Netto Simões (Tica Simoes)