O conto “Antes do Baile Verde” venceu o Prêmio Internacional Feminino em Cannes para estrangeiros em língua francesa, concorrendo com candidatos de 21 países. Tem o título homônimo a antologia pessoal reunindo dezesseis contos, escritos no período compreendido entre 1949 a 1969. O conto “Antes do Baile Verde” é um dos mais felizes que Lígia Fagundes Telles escreveu entre tantos produzidos para mostrar a crueldade dos que vivem nas zonas indiferentes do egoísmo. Um conto primoroso. Cinco décadas depois releio esse conto e saio maravilhado com as impressões que me causa sob vários aspectos.
A técnica do diálogo de novo é empregada para formar o clima e conduzir o drama através das falas dos personagens ditas com sutilezas sobre o estado de saúde de um homem no quarto, à beira da morte. A jovem filha tem o pensamento no namorado, achando que nessa hora ele está impaciente à sua espera. Pede pressa à empregada negra para terminar de pregar as lantejoulas no vestido. O pai deve estar dormindo no quarto, a empregada não tem certeza disso, apesar de ter visto no olho dele uma lágrima. A filha fica cada vez mais nervosa, a empregada é uma chata, não quer que ela vá ao baile verde com o namorado. O tempo passa, a filha na aflição, a empregada demorando de terminar o vestido. Movida por seu egoísmo, indiferente ao pai nos últimos suspiros, no final a jovem convida à empregada para ir com ela ao baile verde. As duas seguem apressadas.
Da leitura desse conto não há quem não saia ferido, abandonado, ao ver a compaixão ser abolida pela filha para dar lugar ao egoísmo.
E apoiando-se ao corrimão, colada a ele, desceu precipitadamente. Quando bateu a porta atrás de si, rolaram pela escada algumas lantejoulas verdes na mesma direção como se quisessem alcançá-la. (Pg. 60)
Lygia Fagundes Telles é uma autora Influenciada por Edgard Allan Poe e Machado de Assis. Do criador do realismo espiritual, Lygia aproxima-se através da escrita marcada de limpidez, enxuta, a sutileza do estilo que se arma de ironia para dizer da aflição do personagem, o seu mal-estar contido na cena. Escreveu o conto “Missa do Galo”, uma variante da história inventada pelo autor magistral de Memórias de Brás Cuba. De Edgard Allan Poe assimilou a vertente gótica que enlaça os personagens no ambiente coberto de sombras, como se fossem mortos diante do silêncio e da treva. Em “Natal na Barca”, uma atmosfera silenciosa envolve os quatro passageiros na embarcação tosca deslizando na escuridão. A personagem narradora sente-se bem naquela solidão, com a mulher pálida que segura uma criança dormindo, ela parece uma figura antiga, e o velho, um bêbado esfarrapado, conversando com alguém que só ele via. Ninguém sabe de onde veio a embarcação tosca, as personagens parecendo que estavam mortas, mas não estavam. Na embarcação cercada de trevas, não se sabe de onde veio, os passageiros pareciam que estavam mortos, mas não, era Natal.
Em “Venha Ver o Pôr-do-Sol”, Lygia Fagundes Telles prefere de novo escrever uma história com os ingredientes do estilo gótico. Recorre às sutilezas postas no gesto para mostrar que o personagem é um homem pobre e descuidado com a aparência. Depois de pedir seguidas vezes, conseguiu marcar com a mulher que amara um encontro num lugar onde eles assistiriam o mais lindo crepúsculo. A beleza não estava na luz da manhã nem na sombra da noite, mas nesse meio-tom, nessa ambiguidade. A mulher casara com um homem rico. O encontro se dá num cemitério abandonado onde o mato havia tomado conta de tudo. Era ali o retrato mais perfeito da morte, onde não mais se enterravam os mortos, os fantasmas não existiam, só o vazio e o silêncio por todos os cantos. Ela vai sendo levada pelas alamedas do cemitério miserável até que chegam à capela onde estariam enterrados os mortos do homem. A portinhola é fechada, ela se vê trancada lá dentro, seus gritos ninguém vai escutar no crepúsculo mais terrível do mundo.
Um adendo. Os contos “Verde Lagarto Amarelo”, “Apenas Um Saxofone” e “Helga” formam a Trilogia da Confissão, e com eles Lygia Fagundes Telles conquistou o segundo lugar do Concurso Nacional de Contos da Fundação Educacional do Paraná, o mais importante da época. Compareceram ao certame mais de mil autores. O certame premiava os seis primeiros lugares com um valor em dinheiro, e os seis trabalhos vencedores fariam parte de uma coletânea. Na primeira oportunidade do certame, o primeiro lugar foi de Dalton Trevisan, vindo em seguida, depois de Lygia Fagundes Telles, os contistas Jurandir Ferreira, Flávio José Cardozo, Ignácio de Loyola Brandão e Luiz Vilela. O autor do presente ensaio sobre Lygia foi o sétimo classificado no certame, com os contos “O Velho e O Velho Rio”, “Doidos e Brutos” e “Papo Amarelo ou longo curso da violência.”
Referência
Telles, Lygia Fagundes. Antes do Baile Verde, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1999.